DEPRESSÃO : O MAL INVISÍVEL - 2

Uma das causas mais importantes, afirma Pedro Delgado, é o estresse do organismo. "É como uma pessoa com veias entupidas que vá correr e sofra um enfarte. Correr é o estresse que leva ao problema", diz. Por isso, a saúde geral do paciente também influi. "Quando o corpo está debilitado, por qualquer motivo, fica mais vulnerável", diz o psiquiatra. "A depressão pode ser resultado da interação entre várias vulnerabilidades." Além disso, se o paciente tiver qualquer outra doença, a situação piora se ele estiver deprimido. Pessoas nessas condições apresentam um maior risco de mortalidade por outras causas do que a população saudável.

Fica claro, com isso, que não adianta mergulhar no problema. Não é uma questão de evitar a tristeza a todo o custo - até porque a depressão é muito mais intensa e abrangente que o estado emocional -, mas de reequilibrar uma desordem química que tende a ter efeitos perigosos. Na maior parte dos casos, medicamentos são imprescindíveis. "Antidepressivos são como fertilizantes", compara Delgado, "que ajudam a crescer os neurotransmissores. O remédio dá aos neurônios capacidade de ficarem mais resistentes, imunes ao estresse."

Uma das maiores preocupações de pacientes que precisam submeter-se à terapia farmacológica é a possibilidade de desenvolver dependência, mas os médicos alertam que não há o que temer: a falta de uso pode provocar sintomas físicos, como enjôos, mas não crise de abstinência. O risco maior de quem começa o tratamento é interrompê-lo.

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Pílulas da felicidade
Uma promessa de recuperação rápida, acompanhada de pouquíssimos efeitos colaterais - quando o Prozac surgiu no mercado, em 1987, pacientes deprimidos de todo o mundo viram no medicamento a saída para quase todos os males. Antidepressivos, que eram receitados em sua maioria para casos de psicose, passaram a beneficiar também pessoas em quadros de ansiedade e depressão comum.

De fato, houve uma resposta assombrosa ao tratamento a essa classe de pílulas, que levou, durante a década de 1990, a uma escalada dos antidepressivos. Mas a disseminação, abrangente demais, acabou trazendo um alerta: a nova geração de drogas para tratamento de depressão poderia estar vinculada a pensamentos - e, muitas vezes, atos - suicidas.

A lebre foi levantada em 1997, quando um paciente de 13 anos, diagnosticado como portador do transtorno, enforcou-se depois de um mês de tratamento com uma dessas drogas. O episódio lançou um alerta na FDA (agência americana de controle de remédios e alimentos), que foi pesquisar os riscos de ministrar as pílulas a crianças e adolescentes.

O trabalho demonstrou que o uso de determinadas substâncias realmente aumentava a incidência de pensamentos suicidas - o risco, entre jovens que tomaram Prozac, foi 50% maior em relação a uma amostra de adolescentes tratados com placebo. O resultado foi obtido após a análise de testes clínicos que examinaram o efeito de antidepressivos em crianças e adolescentes com problemas psiquiátricos.

Embora não haja uma resposta definitiva sobre o porquê dessa reação, especialistas acreditam que os antidepressivos, ao tirar os jovens da apatia da doença, acaba dando energia para o suicídio. Isso acontece principalmente no início do tratamento, quando o medicamento ainda não fez mudanças profundas.
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Doença residual

"Erro nas doses ou no período de tempo e abandono da intervenção são as principais causas de recaídas", explica Calil. "Em geral, o paciente deixa de tomar o remédio pelos efeitos colaterais ou porque a crise aguda já foi sanada. Mas um tratamento malfeito, incompleto, pode ser extremamente perigoso. Entre essas pessoas o abuso de substâncias e o índice de suicídio também aumentam." Além disso, alerta, as recaídas passam a acontecer a intervalos menores e ficam mais resistentes aos tratamentos. A cada vez que se repete, também, a doença deixa resíduos no sistema nervoso.

Existe, no entanto, uma diferença entre recaída e recorrência. A primeira acontece quando o tratamento é interrompido. A segunda, depois de tratamentos bem-sucedidos. Isso acontece, simplesmente, porque a depressão é por natureza uma doença cíclica: entre 75% e 90% dos pacientes sofrem episódios múltiplos. Pacientes com histórico de três ou mais crises devem, inclusive, fazer tratamento prolongado, que previna as reincidências, porque depois da terceira vez fica mais difícil fazer o corpo responder aos medicamentos.

Há muito pouco o que se fazer para evitar, porém, se a pessoa nunca teve depressão antes. Mas o diagnóstico precoce pode ser valioso para minimizar os prejuízos causados pelo distúrbio. Nesse caso, vale o olho aberto para as dores persistentes e aparentemente sem causa. Qualquer condição crônica serve de alarme. "Em 69% dos casos, os pacientes deprimidos têm sintomas inexplicáveis como principal queixa", diz Helena Calil. "Quase um terço chega a ter problemas psicossomáticos por mais de cinco anos antes de serem diagnosticados."

As ferramentas contra o quadro, hoje, já são bastante eficazes. Os antidepressivos modernos trazem efeitos colaterais mínimos e tempo mais curto para início de ação. Mas o ideal, defende a classe médica, é a combinação de tratamentos.

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Remédio nosso de cada dia

A ampliação do campo de ação dos remédios aumentou sensivelmente o acesso de pacientes com transtornos mentais a tratamentos eficazes. Mas acabou gerando um efeito não tão bem-vindo - a "mania de remédio", que deixou de ser restrita a analgésicos e suplementos alimentares.

O nível de consumo dessas drogas está em níveis alarmantes. Um relatório do órgão oficial britânico para o meio ambiente revelou que há traços de Prozac na água do Reino Unido. O número de pessoas ingerindo o medicamento deve estar tão alto, argumenta a agência, que seus traços aparecem em exames de potabilidade. Eles sugerem, até, a possibilidade de uma medicação em massa feita com o remédio no país.

Ainda não se conhece com total garantia o efeitos de psicofármacos (como antidepressivos e ansiolíticos) sobre o humor de pessoas que não precisam deles. Pesquisas recentes, porém, apontam que não são inócuos.

Cientistas da Universidade da Califórnia em São Francisco, EUA, demonstraram que o grau de tranqüilidade ou irritação de uma pessoa, um traço tido como critério básico da identidade, pode ser influenciado por antidepressivos. Segundo a equipe, traços antes estáveis da personalidade podem sofrer alterações - o estudo mostrou que pessoas saudáveis sob efeito dessas drogas ficam menos hostis e mais cooperativas. Outros benefícios inesperados também foram apontados por médicos do Hospital Universidade Aarhus, na Dinamarca. O uso de antidepressivos, afirmam, pode ajudar a reduzir ataques cardíacos. Na área psiquiátrica, o remédio parece levar as pessoas a um estado geral melhor do que a média. Mas nada disso é sinônimo de sinal verde, alertam os médicos. É importante lembrar que outros campos de ação dos remédios, sobre o desempenho psicomotor e a memória, por exemplo, ainda não foram investigados.

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A psicoterapia pode ser extremamente eficaz no controle dos gatilhos de pensamento depressivo, por exemplo. Mas, na luta contra o transtorno, quanto mais armas, melhor. Uma pesquisa financiada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos divulgou, em janeiro deste ano, que pacientes adultos com depressão viram os sintomas da doença reduzidos em quase 50% depois de submetidos a uma rotina de exercícios aeróbicos. Por isso, tratamentos alternativos, como espiritualidade e esportes, podem, sim, ajudar. Vale qualquer coisa que ajude a ter uma vida mais saudável, tranqüila e feliz.

Para ler
• "O Que é Depressão", M. Luiza Silveira Teles. Brasiliense. 1992
• "Depressão", Sue Breton. Summus. 2000
• "Depressão e Psicossomática", Valdemar A. Angerami-Camon. Thomson Pioneira. 2001


Ilustrações: Zé Otávio Zangirolami
A partir da revista Galileu.(n. 164-Fev/2005). Leia no original

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