SOMOS PREDISPOSTOS A SER FELIZES

David Lykken acredita em um componente genético para a felicidade. Para ele, todos nós somos predispostos a sermos felizes.'Ao longo da evolução de nossa espécie, parece provável que os tristes e rabugentos tivessem uma probabilidade menor de sobreviver por tempo suficiente para procriarem e, caso sobrevivessem, teriam desempenho inferior no jogo do acasalamento', opina Lykken.

Para comprovar sua teoria, o cientista realizou diversas pesquisas com irmãos gêmeos. Selecionou pares que foram criados pela mesma família e gêmeos separados no nascimento, que só se conheceram depois de adultos. Estudou gêmeos monozigóticos (idênticos, nascidos do mesmo óvulo e que possuem a mesma carga genética) e dizigóticos (nascidos de óvulos distintos, compartilham cerca de metade de seus genes). Lykken fez descobertas fascinantes. Entre elas, a de que gêmeos monozigóticos criados em famílias diferentes desenvolvem uma personalidade muito parecida. Ele cita como traços psicológicos que possuem alto grau de hereditariedade o QI, a extroversão, a tendência neurótica, o talento musical, a criatividade, os interesses científicos, a religiosidade, o autoritarismo e, até, a felicidade.

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A produção da dopamina na região conhecida como substância negra é estimulada por situações prazerosas como comer ou fazer sexo A dopamina é liberada pelo nucleus accumbens, e deposita-se nos terminais dos neurônios Os neurônios liberam a dopamina, ligando-se aos receptores de células adjacentes, estabelecendo as sinapses para transportar sinais elétricos Os impulsos elétricos são transformados em sensação de bem-estar no córtex cerebral
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1- Nucleus accubens
2- Substância negra
3- Neurônios
4- Eixo do neurônio 5- Liberação de dopamina
6- Giro cíngulo
7- Amídala
8- Hipocampo
Fonte: Dr. Ricardo Alberto Moreno, Hospital das Clínicas

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Adaptação
Para Lykken, a seleção natural nos deu a capacidade de experimentar a felicidade não por generosidade, mas para que ela seja o estímulo que nos faz ter um comportamento construtivo, adaptando-nos ao nosso meio ambiente para sobrevivermos, para termos filhos e criá-los com segurança e saúde.

E a boa saúde depende também, em parte, da nossa disposição. Pessoas mais otimistas e satisfeitas com a vida são mais saudáveis, têm sistema imunológico mais forte, são menos propensas a ficarem doentes, e quando adoecem, recuperam-se mais rápido. 'O grau de satisfação melhora e estimula as condições físicas, a forma como o organismo está preparado para enfrentar o dia-a-dia', opina o psiquiatra Ricardo Alberto Moreno, coordenador geral do Gruda - Grupo de Estudos de Doenças Afetivas - do Hospital das Clínicas. Até o riso entra nesse jogo.

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Injeção de ânimo
Baseado em 'A Mulher que Chora',
de Pablo Picasso
Além do riso fazer bem para a circulação do sangue no coração e o otimismo ajudar a fortalecer o sistema imunológico, especialistas são unânimes ao afirmar que pessoas mais felizes respondem melhor a tratamentos médicos. O Projeto Felicidade, sediado em São Paulo, é uma mostra disso. Sua missão: alegrar crianças portadoras de câncer e desenvolver sua auto-estima. Durante uma semana, as crianças enfermas, junto com um responsável e um irmão, hospedam-se em bons hotéis e têm uma programação intensa de lazer e atividades de integração. Ao retornarem para suas casas, continuam em contato com os voluntários do projeto por meio de cartas, e, caso morem próximos à cidade, recebem visitas em seus aniversários. Apesar de ainda não terem realizado nenhuma pesquisa científica que prove os efeitos na saúde das crianças, os médicos dizem em coro que os pacientes que passaram pelo projeto voltam mudados: mais afetivos, mais interessados, com mais ânsia de viver. E menos resistente aos tratamentos. 'As crianças chegam aqui sérias, sentindo dores, às vezes com febre. No final da semana, já estão muito mais dispostas', conta a diretora do projeto Flávia Bochernitsan.
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O melhor remédio
Estudo divulgado por Michael Miller, da Universidade de Maryland, provou que, enquanto a depressão afeta negativamente todo o organismo, aumentando principalmente o risco de desenvolver doenças cardiovasculares, quando rimos ocorre uma descontração no endotélio, fazendo o sangue fluir mais livremente, semelhante ao que acontece com a prática de atividade física intensa. O endotélio é o tecido que cobre a parte interna dos vasos sanguíneos, e é onde geralmente se iniciam doenças como aterosclerose, que se caracteriza pelo endurecimento das artérias. 'O riso combate o estresse e tira a mente de um estado negativo', conta o psicólogo Michael Mercer. 'Acredito que, quando rimos, tiramos o foco da preocupação, é uma boa maneira de modificar o modo como você está pensando e sentindo. É realmente o melhor remédio', defende.

'Não se conhece nenhuma civilização que não tenha o riso incorporado entre seus membros. Certamente o riso é inato, vem agregado no nosso código genético', acredita o neurologista Edson Amâncio, médico do Hospital Albert Einstein.

Circuito do riso
Ele conta o estranho caso da mulher que morreu de rir. Ocorreu com uma bibliotecária da Filadélfia que teve um súbito ataque de riso que se seguiu uma intensa dor de cabeça. Começou a rir e não parava mais. Levada a um hospital, entrou em coma poucas horas depois. Ela apresentou uma hemorragia cerebral: o sangue invadiu o terceiro ventrículo e comprimiu várias estruturas na base do cérebro. Em outro caso citado por Amâncio e publicado na revista científica 'Nature', uma paciente sob neurocirurgia com anestesia local teve uma crise de riso quando o eletrodo que mapeava as áreas cerebrais que deveriam ser operadas para curá-la de uma epilepsia tocou determinada região nos lobos frontais. 'Esses casos nos trouxeram a conclusão óbvia de que as áreas responsáveis pelo riso estão situadas no sistema límbico, um conjunto de estruturas que regulam nossas emoções. Isso nos faz supor que há no cérebro um 'circuito do riso'. Saber que há um circuito para o riso não nos dá a resposta da sua finalidade, da mesma forma que o bocejo e o prazer sexual. Provavelmente nossos ancestrais que adquiriram o riso se beneficiaram disso e ele deve ter tido um papel importante, de alguma forma contribuiu para a manutenção da espécie', acredita Amâncio.

Anatomia da felicidade
Existem três regiões importantes pela modulação do estado de humor no cérebro, pertencentes ao sistema límbico: o giro cíngulo, a amídala e o hipocampo, que concentram a produção de substâncias como a noradrenalina ou norepidefrina, a serotonina e a dopamina. Elas interagem modulando várias funções do nosso organismo: energia, interesse, impulsividade e ansiedade, por exemplo, mas todas são responsáveis por modular o humor, as emoções e a cognição (tudo que se refere à capacidade de adquirir conhecimento: memória, concentração, raciocínio, abstração, inteligência). O humor é o estado mais primário, implica na capacidade de mudar nossos afetos para o pólo da alegria e tristeza. Essa polarização também é responsável pelos sentimentos. Dos neurotransmissores, a dopamina é o que mais dá sensação de bem-estar. Está também relacionada com substância como cocaína e anfetamina, drogas que provocam sensação de euforia. É um efeito bifásico, já que depois de euforia pode haver esgotamento de dopamina, causando graves estados de depressão em usuários crônicos. A parte do cérebro mais estudada quando o assunto é felicidade é o córtex pré-frontal, região mais externa do cérebro, já que é onde ocorre maior convergência das vias de serotonina, norepinefrina e dopamina. 'Quando um indivíduo tem emoções positivas, o afluxo na região pré-frontal é muito grande', explica Ricardo Moreno.

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Ditado Esperto
Baseado na obra 'O Filho do homem',
de René Magritte
Não é só uma frase conformista: dinheiro, de fato, não traz felicidade. Desde que uma pessoa tenha suas necessidades básicas atendidas, um bolso recheado não traz felicidade por si só. Uma pessoa pessimista, que não se valoriza, não conhece suas próprias necessidades e tem relações tumultuadas com outras pessoas dificilmente será feliz, mesmo que seja milionária. O psicólogo Martin Seligman mostra que o poder geral de compra do país e a satisfação com a vida caminham na mesma direção. Porém, assim que o Produto Interno Bruto atinge e excede 8.000 dólares por pessoa, essa correlação desaparece. 'Os suíços ricos são mais felizes que os búlgaros pobres, mas a riqueza tem pouca importância quando se trata de um cidadão da Irlanda, Itália, Noruega ou Estados Unidos', conta Seligman.

Memória seletiva
Tente se lembrar dos últimos acontecimentos da sua vida. Quais prevalecem, os positivos ou os negativos?Se você pensou em mais eventos agradáveis, ou você realmente passou por mais momentos bons que ruins, ou seu cérebro se lembra melhor dos positivos. Pesquisa da Universidade Estadual de Winston-Salem mostra que as lembranças boas tendem a permanecer durante mais tempo em nossa memória. Isso relaciona-se com um processo conhecido por minimização. Para voltar aos nossos níveis normais de felicidade, temos a tendência de minimizar o impactos dos acontecimentos. Isso acontece biológica, cognitiva e socialmente, e esse processo é mais acentuado em relação às experiências negativas.
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Pet terapia

A felicidade que vem de relacionamentos bem desenvolvidos não ocorre somente de ser humano para ser humano. Quem tem um animal de estimação sabe muito bem como esses seres podem alegrar nossas vidas. E não é só do ponto de vista psicológico. Um estudo da Universidade Estadual de Nova York mostrou que a convivência com mascotes ajuda a baixar a pressão e acalmar. Karen Allen, autora da pesquisa, acredita que as pessoas sentem-se menos nervosas na presença dos animais porque eles não as julgam. Ter um animal de estimação ainda ajuda a diminuir o colesterol, aumentar as chances de recuperação após um ataque cardíaco e diminuir a solidão e sentimentos depressivos.

Aqui no Brasil, uma experiência iniciada em março do ano passado comprova os benefícios da convivência com animais. Uma vez por semana, Ventus e Barney visitam o Centro de Referência para os Portadores da Doença de Alzheimer, que funciona no Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília. Não, eles não são médicos. São cães-terapeutas. No centro, os pacientes brincam com eles, os acariciam e conversam com suas donas. Isso ajuda os idosos a ativar a memória recente, a mais afetada pela doença, além de melhorar o humor e estimular o contato físico. Ao jogar bolinhas para os cachorros, os idosos fazem exercícios físicos leves, de forma lúdica e divertida. Os participantes são estimulados a memorizar os nomes e cores dos cães, assim como relembrar passagens da vida despertadas pela presença do animal. O resultado: o humor e a atenção de todos melhoraram. Idosos antes calados passaram a conversar mais, melhorando até mesmo a relação com a família.

Felicidade sem culpa

Para o neurologista e psicoterapeuta Paulo de Mello, feliz é aquele que sabe encontrar oportunidades onde poucos encontrariam, mesmo nos momentos de tristeza. Afinal, é normal uma pessoa sentir-se triste diante de algum acontecimento desagradável. 'Tudo se resume em buscar relações de amor consigo mesmo, com os outros e com o mundo, buscar a verdade, ou seja, o fato como se apresenta e o perdão verdadeiro, desenvolvendo defesas psicológicas maduras para que possamos eliminar o sofrimento. A felicidade pode, sem dúvida, ser o resultado do desenvolvimento de uma maior tolerância às frustrações, maior habilidade em reparar os estragos que possamos ter causado em nossas vidas ou na vida de outros e sobretudo pela coragem de sermos nós mesmos a despeito de quem quer que seja', conclui.

Saiba mais

• 'Felicidade Autêntica', Martin Seligman. Ed. Objetiva. 2002
• 'Felicidade', David Lykken. Ed. Objetiva. 1999
• 'Happiness', Richard Layard. Penguin. 2005
Para navegar
• Ed Diener, www.psych.uiuc.edu/~ediener
• Arquivo Mundial da Felicidade, www.eur.nl/fsw/research/happiness
• Projeto Felicidade, www.felicidade.org.br


Imagens: Galileu e darkchacal (Flickr)
A partir da revista Galileu ( n.165-abril/2005). Leia no original

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