PRESTAR AUXÍLIO AO SUICÍDIO É CRIME

Vinícius Marques foi incentivado por
 amigos virtuais a cometer suicídio.
 Seus desenhos (à dir.) estão no encarte
 de seu CD póstumo
 
Nas últimas semanas, fui uma jovem deprimida à beira do suicídio. Esta personagem fez parte de uma investigação sobre o que acontece  nas redes de relacionamento da internet.

Ninguém nega que sites como Orkut, Myspace e Facebook, além de fóruns e listas de discussão, são ferramentas sensacionais de comunicação. Mas há quem use esses sites para aprender a construir bombas e violar mercadorias. Para disseminar intolerância e violência. Ou incentivar comportamentos perigosos como anorexia e suicídio. A facilidade para discutir em grupo coisas sombrias levanta uma questão: onde termina a liberdade de expressão e onde começa o crime? Além da lei, outra questão: o que fazer?

SUICÍDIO

O caso que mais chamou atenção no Brasil para o lado negro das comunidades virtuais foi o do gaúcho Vinícius Marques, que cometeu suicídio em 2006, aos 16 anos. Conversas arquivadas no serviço Google Groups mostram que Yoñlu (personalidade virtual de Vinícius) obteve orientação e incentivo da comunidade para morrer inalando monóxido de carbono. Em Ponta Grossa (PR), o jovem Thiago Arruda se matou de forma semelhante em 2007, depois que ofensas homofóbicas no Orkut extrapolaram para a vida real. Nos EUA, Megan Meier, 13 anos, se enforcou por causa de mensagens que trocava com um certo John Evans, 16 - um personagem criado pela mãe de uma ex-amiga. Em Bridgend, no País de Gales, 17 jovens se enforcaram desde janeiro de 2007. A polícia acredita haver conexões entre eles no site Bebo, um Orkut britânico.

Para tentar entender histórias como essas, entrei em uma lista de discussão cujo tema é "tirar a própria vida". Me fazendo passar por suicida, escrevi: "Decidi me matar e quero saber qual o método menos doloroso". Em pouco tempo obtive respostas. "Procure os arquivos sobre os coquetéis (...) ou (...). São os métodos mais letais e menos dolorosos para ir embora", disse um internauta. "Uma overdose de um barbitúrico de ação rápida como o (...) ou o (...) é considerada a melhor maneira pelos grupos de eutanásia", ensina outro. "Se fizer do jeito certo, o enforcamento não é tão doloroso, além de ser barato e fácil. Só precisa uma corda", disse alguém. "Explosivos não são tão difíceis de conseguir. Uns 20 litros de diesel e um pacote de fertilizante devem produzir uma explosão suficiente para te incinerar instantaneamente. Mas, para ter certeza, dobre ou triplique a quantidade", afirma o último.

Fiquei chocada com a objetividade das respostas. Ninguém se mostrou perturbado, e apenas um dos meus interlocutores perguntou qual o motivo da minha decisão. Depois, entendi que aquelas pessoas estavam habituadas a discutir métodos de suicídio e dividir experiências traumáticas, como desemprego, fins de relacionamento, abuso sexual, vício em drogas e doenças terminais. Há inclusive quem tenta dissuadir os suicidas. "Eu imploro, não escolha uma solução tão drástica. Você tem (diferentemente de mim), toda sua vida pela frente", escreveu um participante para um garoto de 18 anos que pretendia tirar a vida. "Pode soar hipócrita para alguém que planeja se matar ainda neste mês (...) Sou a favor do direito de alguém acabar com a própria vida, apenas certifique-se de que a possibilidade de felicidade realmente não existe", aconselhou.

Me fazendo passar por suicida, escrevi: "Decidi me matar e quero saber qual o método menos doloroso". Em pouco tempo obtive várias respostas

Mas, para cada pessoa que envia mensagens como essas acima, há muitas outras dando força. O que leva a essa atitude? "Quem faz isso pode estar sendo irônico, pode não levar a sério a ameaça de morte ou até estar testando teorias", diz Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC de São Paulo. Também podem ser suicidas potenciais que pensam estar ajudando pessoas com o mesmo problema. "Mas com certeza são pessoas que precisam de ajuda, precisam se conhecer. Não estão adaptadas ao meio em que vivem."

"Eu acredito que para o Vinícius foi absolutamente decisivo o fato de alguém cortar essa teia que o prendia à vida", disse o psicanalista Mário Corso, terapeuta do garoto, em entrevista à revista "Época". "Ele brincava com a idéia de morrer como uma saída para as crises de angústia e desespero. Mas tinha laços fortes com a vida que podiam resgatá-lo. Sem aquele último estímulo ele não teria tido coragem para se matar, como não teve das outras vezes", afirma Corso, que só tomou a atitude de se expor por acreditar que o que aconteceu com Vinícius foi criminoso. Incentivar alguém a cometer suicídio ou prestar auxílio para que o faça é crime previsto no código penal (veja quadro "Chat e Castigo").

Megan Meier, 13 anos, que se
 enforcou  após receber ofensas
 de um pretendente fictício
"Pesquisas mostram que potenciais suicidas têm muito medo de sentir dor, de não escolherem o método adequado ou executá-lo mal e sobreviverem com seqüelas graves a uma tentativa malsucedida", diz David Phillips, professor de sociologia da Universidade da Califórnia e um dos maiores pesquisadores do mundo de casos de imitação em suicídios. "Acredito que ter alguém te ensinando como fazer é um fator de risco", afirma. "Além disso, experimentos de psicologia social mostram que muitas pessoas só tomam coragem para tomar atitudes que violam normas quando vêem outras fazendo o mesmo. É como se ganhassem permissão." Esse princípio da imitação vale para todos os comportamentos "desviantes", mais evidentes na internet.

Não se trata de demonizar a rede: ela apenas facilita a conexão entre as pessoas, sejam amantes de bolo de cenoura ou suicidas potenciais. "Esses sites permitem que pessoas passando pelas mesmas experiências se encontrem mais facilmente", diz Will Reader, professor de psicologia da Universidade de Sheffield Halam, no Reino Unido. "Antes da internet era mais difícil para suicidas potenciais encontrarem uns aos outros, mais difícil ainda para indivíduos desenvolverem 'culturas suicidas' nas quais uns encorajam os outros a se matarem."


CHAT E CASTIGO
Seus atos na internet podem infringir a lei
EXEMPLO
CRIME
PENA
Dizer que alguém cometeu algum crime: "Ele é um ladrão"Calúnia Artigo 138 do Código Penal (CP)Detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa
Espalhar um boato para uma ou mais pessoasDifamação Art. 139 do CPDetenção, de 3 meses a 1 ano, e multa
Ofender a honra, dignidade ou decoro: chamar a pessoa de "gorda", "feia", "vaca" etc.Injúria Art. 140 do CPDetenção, de 1 a 6 meses, ou multa
Dizer que vai "pegar" ou agredir alguémAmeaça Art. 147 do CPDetenção, de 1 a 6 meses, ou multa
Divulgar informação considerada confidencial, produzindo danoDivulgação de segredo Art. 153 do CPDetenção, de 1 a 6 meses, ou multa
Instigar alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o façaIncitação ao suicídio Art. 122 do CPDetenção, de 1 a 3 anos
Dizer que odeia alguém, um grupo ou alguma organizaçãoPode recair em crime de calúnia, difamação ou injúria - Arts. 138, 139 e 140 do CPDetenção, de 6 meses a 2 anos, e multa
Zombar de religiõesEscárnio por motivo de religião Art. 208 do CPDetenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa
Acessar sites pornográficosFavorecimento da prostituição Art. 228 do CPDetenção, de 2 a 5 anos
Ensinar como fazer "um gato", como burlar mecanismos de segurança ou construir bombasApologia de crime ou criminoso Art. 287 do CPDetenção, de 3 a 6 meses, ou multa
Incitar violência a pessoas, grupos étnicos, religiosos ou de orientação sexual semelhanteIncitação ou apologia de crime - Art. 286 e 287 do CPDetenção, de 3 a 6 meses, ou multa
Dizer que alguém é isso ou aquilo por sua cor de pelePreconceito ou discriminação raça-cor-etnia - Art. 20 da lei 7.716/89Reclusão de 1 a 3 anos e multa
Ver ou enviar pela internet fotos de crianças nuasPornografia infantil Art. 241 da lei 8.069/90Multa de 3 a 20 salários, aplicando-se o dobro em caso de reincidência
Fonte: Patrícia Peck Pinheiro Advogados

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