A SUFOCANTE VIDA INTERIOR DE VIRGÍNIA WOOLF

Virginia Woolf – A medida da vida (Cosac Naify, 584 pgs. R$77) não é uma biografia convencional. Concentrando-se nos últimos 10 anos da existência da escritora – da criação do ambicioso romance As Ondas até seu suicídio, em 1941 – Herbert Marder parece menos preocupado em reconstituir em minúcias a trajetória de Virginia – empreendimento, aliás, já realizado por outros autores, começando por Quentin Bell (sobrinho de Virginia) – que em realizar uma investigação psicológica de determinados temas recorrentes em sua vida e em sua obra. Dessa forma, a cronologia dos capítulos que se sucedem também se torna peculiar, como se fossem camadas nos quais Marder buscasse elementos e um núcleo comuns, expondo com cada vez mais intensidade a fragilidade emocional e a angústia essencial que se tornou uma segunda natureza para a autora de Orlando, Entre os atos e Ao farol.

Como pano de fundo histórico, Marder apresenta uma Inglaterra em crise, nos anos em que a Europa testemunhava a ascensão do totalitarismo e avançava inexoravelmente para a guerra. Contrastadas com essa atmosfera coletiva de crescente tensão e violência, as crises depressivas de Virginia ganham um sentido político, ainda que ela abominasse a política. Em seus diários, em mais de um momento ela demonstrou intuir a gravidade da situação com mais clareza que seus amigos intelectuais do grupo de Bloomsbury, sinal da crescente consciência social da escritora e de sua percepção do risco coletivo iminente. O seu colapso pessoal refletia o colapso do mundo em que ela vivia.

Virgínia Woolf em 1927
Virginia Woolf É com base principalmente nesses diários e na correspondência de Virginia que Marder sugere que seu suicídio foi ensaiado e simbolicamente encenado diversas vezes, ao longo daqueles anos. Reforçando a tese, olivro inclui um apêndice com cartas reveladoras, e desconhecidas até a publicação original da biografia, trocadas entre Virginia e Octavia Wilberforce, sua prima e médica. As cartas mostram também a obsessão de Virginia pelo trabalho: ela enxergava na escrita uma espécie de porto seguro de uma existência que carecia de alicerces emocionais e de sentido prático, assombrada pelo medo do fracasso e da loucura até os últimos dias, medo só atenuado pela dedicação dos amigos e do marido, Leonard.

Elegantemente escrito, com um estilo envolvente e sinuoso que em alguns momentos lembra a literatura de sua personagem – o que valoriza a tradução de Leonardo Fróes – A medida da vida é bem-sucedido em humanizar e mostrar as contradições e dificuldades da mulher Virginia Woolf, sobretudo sua incapacidade de administrar os sentimentos, seus problemas com os criados, seus recorrentes mergulhos na prostração e na impotência diante do mundo. Suas emoções parecem sempre mal graduadas, a ponto de ela se culpar por não sentir suficientemente a morte da mãe e de pessoas próximas, como Roger Fry e Dora Carrington, outra suicida, após viver um caso platônico com Virginia.

Desdenhando as convenções das narrativas jornalísticas, Herbert Marder – professor na Universidade de Illinois e autor de ensaios sobre feminismo e literatura – mergulha assim na sufocante vida interior de Virginia Woolf, investindo numa interpretação pessoal de suas motivações e idiossincrasias, seus impasses e angústias.

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Virginia Woolf de Alexandra Lemasson. L&PM, 192 pgs. R$16.

“Não quero ser célebre nem grande”, escreveu Virginia Woolf. “Quero avançar, mudar, abrir meu espírito e meus olhos, recusar ser rotulada e estereotipada. O que conta é liberar-se por si mesma, descobrir suas próprias dimensões, recusar os entraves.” Para Virginia (1882-1941), os livros eram o único refúgio, e a literatura a última salvação. Fundadora, ao lado do marido, de uma das mais influentes editoras britânicas do século XX, a Hogarth Press, Virginia viveu e escreveu atormentada por alucinações e por sucessivas crises depressivas. Em março de 1941, decidiu abreviar a vida deixando-se levar pelas águas.

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