SUICÍDIOS : O FUTURO INTERROMPIDO

Livro discute a realidade sombria dos que escolhem partir – e dos que são deixados para trás

Depois do suicídio do pai e da morte do irmão,
Paula Fontenelle decidiu investigar por que algumas
pessoas tiram a própria vida e escreveu o
livro Suicídio, O Futuro Interrompido:
Paula Fontenelle tem alguma experiência com suicídios. Seu pai se matou e seu irmão morreu num acidente de asa-delta, depois de um longo flerte com a auto-destruição. Matou-se também o irmão de um namorado. É uma cota bem maior do que a maioria de nós já teve de suportar. Como lidar com um peso desses? Como espantar os demônios da culpa e do medo? Para Paula, a resposta foi um livro: Suicídio, O Futuro Interrompido, lançado pela Geração Editorial. 

Escrito na primeira pessoa, o livro é um passeio pelas obsessões da autora. Ela mergulha fundo na própria biografia e na história familiar para (tentar) entender por que seu pai fez o que fez. Também vasculha, laboriosamente, a literatura médica, preocupada em descrever a construção do suicídio, seus sinais e as tendências apontadas pelas estatísticas. Entrevista médicos para compreender as doenças que acometem quem desiste (depressão, acima de todas) e coleta relatos tocantes dos que chegaram às portas do suicídio sem tê-lo consumado. Enfim, Paula cerca o tema por todos os lados com o objetivo declarado de aboli-lo. Se precisasse de outro título, o livro poderia chamar-se: Suicídio, como evitar. 

Há várias maneiras de olhar para o resultado desse trabalho. A primeira é a originalidade: escreve-se muito pouco sobre suicídio. O assunto é tabu bíblico e foi tornado ainda mais marginal por uma sociedade em que o sucesso e a felicidade são obrigatórios. Paula e seu livro nos lembram que as coisas não são assim. As pessoas sofrem e se matam em número cada vez maior, inclusive no Brasil, e é importante que saibamos disso. 

O segundo aspecto importante do livro é a desglamurização do suicídio. Ele não é romântico, não é bonito, não é nobre e raramente – talvez nunca –, representa uma opção filosófica ou existencial. Suicídio é sinônimo de doença, de falta de socorro, de solidão e desespero. Kurt Cobain e Virginia Wolf – dois suicidas famosos, dois grandes artistas – dão ao ato uma aura de legitimidade intelectual que ele não tem. Dos relatos de Paula emergem mentes confusas, cabeças mal pensantes, pessoas tornadas quase incomunicáveis pelas circunstâncias da vida ou por patologias mentais. 

Por fim, há os que ficam – e deles Paula fala com largueza e com generosidade. Parece haver em todo suicídio um componente de agressão que reverbera de forma duradoura na vida dos que estão ao redor. O livro relata o caso do rapaz que encerra uma discussão com a irmã, dirige-se à varanda do prédio e salta para a morte. A irmã ainda não se recuperou dessa brutalidade, talvez nunca se recupere. Essa dor é a grande herança dos suicidas. 

Voluntarioso e desigual, mas útil, imensamente útil, Suicídio, O Futuro Interrompido, não é uma leitura agradável e nem leve. De forma dura, abre o diálogo com milhares que pessoas que sofreram com essa tragédia ou vivem sob a sua ameaça. Servirá aos que tentam entender o que já ocorreu e aos que tentam evitar o que pode vir a ser. É um livro honesto e laborioso, sobre um tema gravíssimo, que não é romântico e nem elevado, apenas trágico. Talvez o livro ajude a chamar a atenção para a tragédia e reduzi-la.

A partir da Revista Época. Leia no original

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