PRECISAMOS FALAR SOBRE O SUICÍDIO

Embora o suicídio seja hoje, no Brasil e no mundo, um problema concreto de saúde pública, pouco ou quase nada é publicado na imprensa sobre o assunto no dia a dia. Como uma das máximas da era da informação é a tese de que, se algum fato ocorreu mas não se tornou notícia, então não aconteceu, exageros à parte é mais ou menos assim o que acontece com as dezenas de casos de suicídio que ocorrem no Brasil diariamente. Coisa rara na imprensa é notícia sobre suicídio e suicidas. A não ser quando se trata de alguém famoso ou quando o suicídio vai além da morte de quem o cometeu, como é o caso da tragédia com o Airbus 320 da Germanwings, cujo copiloto, Andreas Lubitz, suicidou-se usando o avião que pilotava e levou à morte mais 149 pessoas. O fato obrigou a imprensa a fazer o que ela não quer, não pode e não deixam: falar sobre suicídio. 

A primeira recomendação ética para que os casos de suicídios sejam evitados pelos jornalistas é de natureza médica. Há uma orientação internacional da Organização Mundial de saúde recomendando à imprensa todo o cuidado do mundo ao abordar suicídio, sob o seguinte argumento: diante de uma notícia sobre uma morte dessa natureza, as pessoas com ideações suicidas sentem-se encorajadas a repetir o gesto.

Uma segunda razão forte para a imprensa não noticiar mortes por suicídio é o critério de não interesse público na morte de uma pessoa que, tragicamente, decidiu interromper a própria vida. Ou seja, o interesse de um episódio dessa natureza diz respeito tão somente à própria família, cuja dor e luto em nada se relacionam com a opinião pública. Esse critério desaparece, por exemplo, quando se trata dos famosos ou quando o suicídio em si traz consequência para a vida de terceiros, como nos casos em que as pessoas atiram-se de prédios e viadutos e causam a morte ou ferimentos graves de/em quem passava pela via pública naquele instante. O pressuposto de que o suicídio é algo intrinsecamente da ordem da vida privada da vítima e da família faz com que não sejam raros os casos de processos judiciais movidos por familiares contra veículos de comunicação que desafiam essa norma implícita. 

FORA DA CURVA 

Quem tem amigos pouco sensíveis no whatsapp e não recebeu nos últimos meses vídeos de suicídios recentes em Salvador? Desses, raríssimos apareceram na imprensa e aqueles que fugiram à regra receberam tratamento eufemístico. No entanto, apesar dos raros casos noticiados e da forma eufemística como são narrados (“mulher morre ao cair do 20º andar”), fora do mundo das notícias os índices de suicídio no Brasil são assustadores. Hoje, no país, cerca de 30 pessoas suicidam-se por dia. E o contexto é ainda mais alarmante: para cada morte há entre 10 e 20 casos de tentativas mal sucedidas, além de a taxa de mortes por suicídio de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos ter crescido 40% nos últimos e 33% entre 15 e 19 anos.

Independentemente dos tabus que norteiam os limites do noticiamento do suicídio, é preciso encontrar um modo de reduzir o sofrimento de suicidas em potenciais que dão sinais às suas famílias de não estarem suportando o peso de suas próprias vidas, antes que seus planos sejam concretizados. O caso Andreas Lubitz é um ponto fora da curva, pois se há coisa rara, segundo os especialistas, é um suicida clássico levar em conta, na hora de tomar sua decisão, a morte concreta do outro. Mas não deixa de ser uma brecha e tanto para enfrentar um problema de saúde e um tabu que pode, nesse instante, estar pairando silenciosamente sobre milhões de famílias, algumas delas bem mais perto do que se imagina.
Jornalista e professora da Ufba

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