'TIVE MEDO DE SER O PRÓXIMO A SE SUICIDAR'

“Era de manhã quando recebi o telefonema avisando que meu irmão tinha se suicidado. Enforcou-se. Levei um susto muito grande, foi um choque. No caminho até minha casa, senti vergonha por ser da família de um suicida. Tenho três tias velhinhas, que são de uma geração em que o suicídio era ainda mais estigmatizado – e disse a elas que devíamos contar para todos que o meu irmão havia se suicidado. Preferi não ocultar. O gesto dele me trouxe uma sensação dolorida de que também poderia acontecer comigo. Tive medo de ser o próximo. Fiquei muito assustado. Venho de um núcleo de morte – minha mãe morreu jovem, de câncer, quando eu era criança, e meu pai sofreu um infarto agudo há alguns anos. Não acredito que tenham sido mortes naturais, talvez eles quisessem mesmo morrer.

Me senti muito culpado, foi inevitável. Pensei que talvez pudesse ter feito alguma coisa. O suicídio é uma violência muito grande. Parece uma bomba, uma explosão. Era meu irmão mais velho. Acho que ele nunca desejou alguma coisa com empenho. Tudo, para ele, tanto fazia, qualquer coisa estava bem. Era uma situação crônica. Ele entrou em várias faculdades e não terminou de cursar nenhuma. Tentou vários empregos, mas saiu de todos eles. Foi casado, separou-se, tinha uma namorada. Aparentemente sua vida estava estruturada. E ele não era depressivo. Talvez não estivesse vendo perspectivas. As razões do suicídio são um mistério. Pensei muito em quais teriam sido os motivos. Só relaxei quando assumi que não podia entendê-los. No enterro, senti uma raiva muito, muito grande. Naquele instante, experimentei uma profunda sensação de abandono. Nunca tinha sentido isso antes. Meu irmão foi enterrado no mesmo túmulo onde já estavam os meus pais.

Fiquei sozinho. Tenho muita vontade de viver. Acho que é uma espécie de resistência – gosto de festas, brigo pela vida, vivo intensamente, tenho amigos, curto meu trabalho, sou afetivo... Sempre fui assim, mas o suicídio me fez ver de maneira mais consciente que a vida é uma só. Não sou nada religioso, mas acho que todos nascemos para ser felizes, para desfrutar.
Pensei muito nisso, logo depois do suicídio. Um dia, fiquei parado uns 15 minutos diante de uma avenida onde os carros vinham em alta velocidade e não havia faixa de pedestres. Era só um passo, tão fácil, e tudo se acabaria. Depois, ao visitar um novo apartamento, também contemplei a janela demoradamente... Num ato poderia resolver tudo, todos os meus problemas. Mas prefiro os meios mais difíceis. Não acredito em outra maneira.”

E.S., médico e professor universitário, 45 anos

Para saber mais

NA LIVRARIA
Quando a Noite Cai – Entendendo o Suicídio
Kay Redfield Jamison. Gryphus, Rio de Janeiro, 2002
Suicídio, Testemunhos do Adeus
Maria Luiza Dias. Brasiliense, São Paulo, 1991
O Deus Selvagem – Um Estudo do Suicídio
A. Alvarez. Companhia das Letras, São Paulo, 1999
O Que é Suicídio
Roosevelt M.S. Cassorla. Brasiliense, São Paulo, 1985
Do Suicídio – Estudos Brasileiros
Roosevelt M.S. Cassorla (org.). Papirus, Campinas, 1998
Suicide and the Unconscious
Antoon Leenaars and David Lesters (ed.).
Jason Aroson, Estados Unidos, 1996
Dicionário de Suicidas Ilustres
J. Toledo. Record, Rio de Janeiro, 1999
O Suicídio: Um Estudo Sociológico
Émile Durkheim. Zahar, Rio de Janeiro, 1982

NA INTERNET
www.queromorrer.com
www.cvv.org.br
www.who.int/mental_health

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Um comentário :

  1. Anônimo10/4/15

    Amado, as escolhas estão em nossas mãos. Sei que não é religioso, mas o Deus que eu conheço entregou seu único filho, Jesus para morrer por nós simples mortais e pecadores. Imagina tamanho amor? Plantamos o que colhemos e isso está em nossas mãos. Não sei o que se passava pela cabeço do seu irmão para cometer tal devaneio, mas foi um ato corajoso e ao mesmo tempo tão covarde. Porque tirar a própria vida traria solução para os problemas que criamos ou que aparecem? Algumas soluções nos parecem tão apetitosas, mas podem nos levar a abismos sem volta. Muitas vezes tomamos atitudes sem sequer saber qual a real conseqüência de nosso atos. Vivemos correndo atrás daquilo que julgamos nos dar prazer como festas, dinheiro, satisfação pessoal e profissional, mas muitas vezes após termos alcançado tudo isso, continuamos vazios. E quando percebemos que esse vazio não foi preenchido com nada do que buscamos, nos desesperamos. Se as pessoas se dessem uma chance de ao menos saber que existe algo que pode nos preencher mesmo quando não temos nada de material. Não tente entender o que levou o seu irmão a cometer suicidio, isso de nada adiantaria agora. O que importa nesse momento é não deixar que qualquer motivo que seja, te leve a tomar a mesma atitude. Mesmo que vc esteja sozinho, SEMPRE terá alguém que vc não vê te acalentando e esperando que vc o chame para que ele possa agir na sua vida te preenchendo, e nunca mais vc se sentirá sozinho novamente. Jesus é educado e ele jamais entrará na sua vida sem ser convidado, porém não existe ninguém que queria entrar na sua vida mais do que Jesus.

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