'QUERO UMA MORTE DIGNA", DIZ JOVEM QUE ABANDONOU TRATAMENTO

José Humberto Pires de Campos Filho, 23,  em Trindade (GO)

Na última vez que José Humberto Pires de Campos Filho, 23, entrou na piscina, há dois meses, os pés se retorceram. A dor latejante invadiu o corpo. Teve de se sentar na borda, em um clube de Caldas Novas, a 170 km de Goiânia.

Eram os reflexos da doença renal crônica da qual padece desde 2015. Tão diferente dos tempos em que vencia torneios de natação nos Estados Unidos, na adolescência.

Agora, aos 23, José Humberto decidiu parar. Quer ficar distante das piscinas e das sessões de hemodiálise. Não tem mais vontade de viver.

"Quero uma morte com dignidade, sem a dor do tratamento", diz o jovem.

A mãe não concorda e buscou ajuda na Justiça. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás divulgou esta semana sentença do juiz Éder Jorge em favor da costureira Edina Maria Alves Borges, 56, para a interdição do rapaz.

A sentença segue o mesmo entendimento de uma liminar (decisão inicial do processo) que o juiz havia concedido em fevereiro. Ela determina a interdição parcial do paciente, e nomeia como curadora a sua mãe, por um ano, só para levá-lo à hemodiálise.

A interdição vale sem nenhum uso de força ou sedação. Por isso, na prática, Edina sente ter em mãos um papel vazio, já que o filho se recusa a seguir o tratamento.

Das quatro sessões semanais na máquina que funciona como rim artificial, para filtrar o sangue, ele decidiu ir só a duas. E alertou a mãe que, a partir de 2 de janeiro, não fará mais nenhuma.

"Ver um filho morrendo aos poucos é muito difícil. Suportar tudo isso é terrível."

A hemodiálise libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos, controla a pressão arterial e ajuda a manter o equilíbrio de substâncias como sódio, potássio, ureia e creatinina.

"Não dou conta de ficar na máquina porque dói muito. Quero morrer na data que deve ser, naturalmente, sem ter intervenção da medicina me forçando a viver", diz o jovem, deitado em uma grande cama, suficiente para acomodar os seus 1,85 m e 73 kg.

Fora do Brasil

Mãe e filho moram sozinhos. José fica boa parte do dia trancado no seu quarto, com janela e cortina fechadas. Enquanto o rapaz dava entrevista, Edina costurava no cômodo ao lado.

Ela lembra de quando viu o caçula de seus três filhos pousar no aeroporto de Goiânia, em maio do ano passado, dez meses depois de ser diagnosticado com a doença nos Estados Unidos, onde morou com o pai.

Fora do Brasil, só tomou remédio paliativo. "Ele chegou bastante inchado. Estava quase irreconhecível", lembra. Três meses depois, começou a hemodiálise.

A lado da cama, José tem a companhia de um computador, uma cesta de remédios e uma cadeira de rodas que passou a usar, há um mês, para se locomover em casa, em Trindade, na Grande Goiânia.

Ele sai para a rua só para ir à hemodiálise. Não consegue mais andar. Os pés não suportam o peso do corpo, e as pernas estão se atrofiando.

"Antes eu andava me arrastando, mas agora os pés não mexem mais. Não sou obrigado a fazer tratamento que não quero. Nada vai fazer eu mudar de opinião."

On-line

O jovem passa grande parte do tempo conectado às redes sociais ou ocupando a mente em jogos on-line, enquanto fica de olho no relógio para se medicar.

Ele toma dez medicamentos de alto custo. Alguns são fornecidos pela central de distribuição do Estado.

Concluiu o ensino médio e prestou o Enem no ano passado. Antes da doença, o jovem dizia que seu sonho era rodar o mundo todo.

Desde a sua última tentativa de entrar na piscina, em setembro, mês de seu aniversário, José só piorou.

"Ele voltou mais revoltado por causa disso", conta a mãe, com a aflição estampada no rosto.

A junta médica do Judiciário goiano, formada por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, não identificou sinais de depressão em José.

A perícia atesta que ele é lúcido e está com a consciência preservada, mas considera que a sua capacidade de entendimento e determinação está prejudicada, o que o prejudica a ter "vontade efetivamente livre".

Os especialistas entendem que esse é um caso de transtorno de ajustamento, já que, na avaliação deles, o diagnóstico da doença fez o jovem ser tomado por fortes emoções e perder perspectivas de vida.

Longo e sofrido

Na sentença inicial, apesar de afirmar que, em alguns casos, o uso de medicamentos pode transformar a morte em um processo longo e sofrido, o juiz Éder Jorge diz entender que só com a vontade completamente livre o jovem poderia fazer escolhas e assumir as responsabilidades decorrentes delas.

O magistrado sugeriu acompanhamento terapêutico, porque o paciente "possui capacidade cognitiva compatível com sua idade e grau de instrução e pode alcançar, com acompanhamento profissional, o adequado desenvolvimento emocional".

Para o juiz, José é "muito inteligente e simpático".

Apesar de ciente da preocupação da mãe e de ver o organismo padecer aos poucos, José pretende usar a sentença como o seu principal álibi, já que a decisão proíbe, expressamente, o uso de qualquer tipo de força ou sedação para submetê-lo ao tratamento.

Também a ética médica impede que o paciente seja obrigado a se tratar.

Inconformado, José afirma que irá recorrer até a última chance para negar o tratamento. Por outro lado, a sua mãe afirma que vai fazer de tudo para que o caçula viva.

"Eu não quero entrar nem na fila de transplante de rim. Nada vem na minha cabeça para eu mudar de ideia. Só a cura naturalmente."

A partir da Folha de S.Paulo. Leia no original

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Um comentário :

  1. Anônimo31/12/18

    Há 6 anos atrás eu acabei traindo minha esposa e por isso ficamos 6 meses separados. Só que depois que voltamos ela nunca mais foi a mesma comigo. Ela tem uma desconfiança terrível de mim e um ciúme doentio. Há alguns meses ela tem brigado comigo todos os dias por achar que eu olho para outras mulheres em sua frente. Mas como Deus está no céu eu não olho... pelo contrário se a mulher está do lado esquerdo eu olho pra direita... enfim faço tudo pra ela não ter como dizer que eu olho. Só que esse ciúme já tá me deixando doente... acho que já estou em depressão.

    Não acho prazer nenhum na vida mais... Eu queria muito que Deus me levasse durante a noite. Não aguento mais esse ciúme e essa opressão que ela faz em mim. Temos uma filha e ela é tudo para mim... por isso não quero me separar.

    Enfim... quero a morte.

    Se Deus tivesse compaixão de mim ele me levaria para eu ter paz e todos eles também terem paz.

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