
Lembro que os presentes também tinham cheiro. Bola de futebol nova, por exemplo. As bolas eram de couro mesmo, com a cor natural e o cheiro do couro, e com cadarço. Você não sabia se já saía chutando a bola ou se guardava aquela preciosidade à salvo de chutes e arranhões, só para cheirar.
Lembro que no mesmo Natal em que ganhei minha primeira bola de tamanho oficial ganhei outro presente: um kit com uma estrela de xerife, um revólver, um cinturão de caubói com coldre e um cilindro cheio de fitas de espoletas. Colocava-se uma fita de espoletas no revólver e acionava-se o gatilho, fazendo estourar as espoletas. Outro cheiro inesquecível do Natal, o de espoleta recém-deflagrada. Sem saber escolher entre um presente e outro, eu afivelei o cinturão (com babados no coldre) em torno do corpo franzino e saí abraçado com a bola e dando tiros, iniciando uma carreira inédita de jogador de futebol caubói, até a mãe ordenarque parasse porque ninguém conseguia conversar na sala. E foi nesse Natal que conheci o Papai Noel.
O maravilhoso saco, de dentro do qual tirou nossos presentes - a bola de futebol, o revólver de espoleta, como ele sabia que era o que eu queria? Depois deu tapinhas na cabeça de cada um, disse qualquer coisa e desapareceu. Mais tarde entrei na cozinha e dei com o Papai Noel sentado, conversando com a cozinheira e tomando uma cerveja. Tinha tirado a máscara. Reconheci a sua cara suada: era o Bataclan, uma figura folclórica de Porto Alegre, um negro que fazia propaganda - "reclame", chamava-se então - na rua. Não lembro como eu racionalizei a revelação. Se deixei de acreditar no Papai Noel ali mesmo, se passei a acreditar que o Papai Noel, quando não estava em serviço, era o Bataclan, e vice-versa. Talvez não tenha concluído nada. O bom de ser criança é que a gente não precisa racionalizar.
Postar um comentário
Deixe aqui seu recado ou depoimento, de forma anônima se preferir. Respeitamos a sua opinião, por isto recusaremos apenas as mensagens ofensivas e eventuais propagandas. Volte sempre!
REGRAS PARA COMENTÁRIOS:
O espaço de comentários do Blog Quero Morrer é essencialmente livre, mas pode ser moderado, tendo em vista critérios de legalidade e civilidade. Não serão aceitas as seguintes mensagens:
1. que violem qualquer norma vigente no Brasil, seja municipal, estadual ou federal;
2. com conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade, ou que desrespeite a privacidade alheia;
3. com conteúdo que possa ser interpretado como de caráter preconceituoso ou discriminatório a pessoa ou grupo de pessoas;
4. com linguagem grosseira, obscena e/ou pornográfica;
5. de cunho comercial e/ou pertencentes a correntes ou pirâmides de qualquer espécie;
6. que caracterizem prática de spam;
7. são aceitos comentários anônimos, contanto que não infrinjam as regras acima.