O que têm em comum mulheres e homens, negros e brancos, ricos e pobres, jovens e idosos? Segundo muitos cientistas, a possibilidade de serem felizes e atingir satisfação na vida, não importa em qual situação se encontrem. Personalidade, relações pessoais, carreira, renda, cultura, religiosidade, ambiente, são muitos os fatores que influenciam nosso nível de felicidade. Ao longo dos últimos anos, psicólogos e neurologistas vêm fazendo importantes descobertas sobre o que é e como funciona nossa felicidade. E as idéias que vêm surgindo corroboram pesquisas anteriores e acrescentam novas descobertas, que podem ser resumidas da seguinte maneira: a felicidade depende muito mais da maneira como encaramos os fatos da vida do que de fatores externos.
'Para mim felicidade é um estado físico, psíquico e psicossocial. É um estado de bem-estar e resultado do amadurecimento e do desenvolvimento pessoal', opina o neurologista Paulo de Mello, mestre em psicologia da saúde pela Umesp e professor associado da Unifesp. Para ele, a felicidade é um estado recorrente, que vai e volta, e é formado de momentos de saciedade e satisfação. É um sentimento, não uma emoção. A emoção (ex.: alegria) é mais passageira, já o sentimento felicidade é mais duradouro e depende de mecanismos neurais mais complexos.
É claro que o que nos torna ou não felizes depende também da cultura na qual fomos criados. 'Na medida em que os autoconceitos variam conforme a cultura, é de se esperar que a relação entre a personalidade e o bem-estar subjetivo varie também', explica o psicólogo Ed Diener, da Universidade de Illinois, conhecido como 'Dr. Felicidade' por ser um dos maiores estudiosos do assunto. Ele esclarece que, apesar da auto-estima ser freqüentemente correlacionada com a satisfação de vida, essa característica parece não ser tão essencial em meio a culturas coletivistas. 'No Japão, uma tendência autocrítica pode ser valorizada como uma maneira de melhorar a habilidade de uma pessoa conhecer suas obrigações sociais', afirma Diener.
Pesquisa realizada pelo psicólogo Kennon Sheldon, da Universidade de Missouri-Columbia, com estudantes universitários norte-americanos e sul-coreanos, mostrou que os valores mais importantes para atingir a felicidade em ambos os grupos são auto-estima, autonomia, competência e relações pessoais. O que muda é a ordem de importância desses fatores em culturas tão distintas. 'A Coréia do Sul é uma cultura coletivista, na qual o indivíduo tende a ser menos importante do que o grupo, e as relações com outras pessoas são mais importantes do que a auto-estima', descreve Sheldon. Porém, a auto-estima vem em segundo lugar para os coreanos. Na opinião do pesquisador, talvez isso aconteça porque a geração mais nova seja mais ocidentalizada do que seus pais e outras pessoas mais velhas.
Felizes para sempre?
Assim como para os orientais, as relações pessoais saudáveis são apontadas pelos especialistas como fundamentais para a busca pela felicidade. Alguns estudos mostram que pessoas casadas costumam ser mais felizes do que os solteiros. A explicação para esse fenômeno varia entre os especialistas. Alguns acreditam que o resultado se deve ao fato de que o casamento traz uma intimidade muito grande, e a certeza de que pode contar com o outro, aumentando assim o otimismo e a sensação de bem-estar. Outros, como Ed Diener, acham que pessoas que já são felizes quando solteiras têm maior probabilidade de se casar e se manterem casadas. O psicólogo realizou um estudo que mostrou que o casamento aumenta o nível de felicidade dos noivos em um primeiro momento, mas com o tempo costumam voltar ao nível de antes do casamento.
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Espelho meuA opinião que os outros têm sobre nós influencia nossa auto-estima e conseqüentemente nosso nível de felicidade. Como é de se esperar, pessoas com auto-estima alta são mais felizes. Estudo da Universidade Estadual de Ohio com universitários mostrou que os estudantes muito estimados por seus colegas de quarto são mais felizes e mais saudáveis do que os pouco apreciados. 'A falta de uma interação social pode criar estresse emocional', acredita o professor de psicologia Brad Schmidt. 'Quando uma pessoa é julgada desfavoravelmente, ela aceita ou rejeita essa opinião', explica Schmidt. A aceitação pode levar à depressão, enquanto a rejeição leva à raiva e até à agressão física.
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Busca sem fim
O fato de as pessoas sentirem-se eufóricas com eventos extremamente felizes, como um casamento, e voltarem depois de um tempo ao nível de felicidade de antes não surpreende.
O sucesso profissional traz felicidade? Sim, é claro, mas a satisfação alcançada por um trabalho bem-feito não dura para sempre. Se o sucesso profissional trouxesse um sentimento de satisfação permanentemente, iríamos nos acomodar e deixar de buscar novos desafios. Isso acontece com fatos desagradáveis também. Se para você a frase 'o tempo cura tudo' parece complacente demais e típica daqueles que nunca sofreram um baque como a perda de um ente querido, saiba que, do ponto de vista psicológico, ela é inteiramente verdadeira. O ser humano tem a capacidade biológica de adaptar-se às condições mais adversas possíveis. 'Pela acomodação tanto à adversidade quanto à boa fortuna, continuamos mais produtivos, mais adaptáveis às circunstâncias e com maior probabilidade de ter uma prole viável', acredita o psicólogo David Lykken.
Porém, essa não é uma resposta definitiva para a função da felicidade. 'Emoções negativas - medo, tristeza e raiva - são nossa linha de frente da defesa contra ameaças externas. É estranho, entretanto, que não haja idéias aceitas acerca da razão das nossas emoções positivas', opina o psicólogo Martin Seligman, o principal divulgador da Psicologia Positiva, que prefere estudar a saúde mental em vez da doença mental.
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Novos padrõesHoje a felicidade está associada a coisas padronizadas, mas o ser humano é singular', acredita a psicóloga Alessandra Turton. A maioria das pessoas parece pensar que só serão felizes se seguirem o modelo consagrado de família ideal, com um pai, uma mãe e filhos. A realidade é diferente. Há casais que não estão preparados - e talvez nunca estejam - para ter filhos, por exemplo. No entanto, podemos apostar que devem sofrer pressão da família e dos amigos para que proliferem a espécie humana. Outros casais, por exemplo, preferem viver em casas separadas. Sem falar nos casais homossexuais, que ainda sofrem preconceito e dificuldades para adotar filhos. Além da pressão para seguir padrões, Alessandra aponta a chamada liberdade sexual que encontramos nos dias de hoje como uma possível fonte de angústia em vez de prazer, principalmente para as mulheres, que durante longo tempo foram muito reprimidas. As pessoas parecem não ter muita paciência para se conhecerem e descobrirem o outro, e isso pode até levar a problemas como a anorgasmia (incapacidade de atingir o orgasmo nas mulheres). 'Felicidade tem muito a ver com sexualidade bem resolvida', opina Alessandra.
A partir da revista Galileu ( n.165-abril/2005). Leia no original
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