Há vários anos tive síndrome do pânico. Na época, quando a doença ainda não era muito conhecida, passei por uma verdadeira peregrinação em especialistas médicos. Foi uma verdadeira ‘via crúcis’ em busca de um diagnóstico – a certa altura, estava tão desesperada em não saber o que se passava comigo, que preferia até ouvir o pior a não ouvir nada.
Pelo menos no meu caso, posso resumir a síndrome do pânico em uma sensação, entre tantas outras terríveis: a de morte iminente. Imagine-se acordando daquele pesadelo onde está caindo de uma enorme altura, levando um tiro ou se afogando... A sensação é parecida com essa, exceto pelo ‘alívio’ de acordar. A síndrome do pânico é uma espécie de ‘ante-sala’ do inferno. É horrível, mas o que vem a seguir parece ser sempre pior.
Taquicardia, falta de ar e de apetite, choro fácil e, como o próprio nome diz, pânico. De nada específico e de tudo ao redor: pânico de morrer antes de chegar ao hospital, pânico de existir, de tomar banho, de comer, de sair de casa... Pânico do real e do imaginário. Do máximo e do mínimo.
Durante os poucos meses (parecerem uma eternidade, é claro!) em que não fui diagnosticada, mas descartaram-se todas as possibilidades clínicas, a tristeza de não entender o que se passava comigo me paralisou e tive depressão.
Magérrima e debilitada física e emocionalmente, uma noite telefonei para a minha avó paterna, a figura que sempre foi meu porto seguro, mas quem atendeu foi uma tia que é médica. Costumo dizer, desde então, que ela salvou a minha vida. No telefone, enquanto ela perguntava o que estava acontecendo, eu só conseguia chorar e repetir que ia morrer. Pior: ia morrer sem saber o que tinha me matado, já que nenhum médico descobria a minha ‘doença terminal’.
Ela me levou à casa dela, conseguiu que eu tomasse água (neste momento, até isso era difícil para mim) e um calmante. Explicou que, pelo conjunto de sintomas, eu estava em depressão. Fiquei surpresa e, na hora, pensei: deprimida? Logo eu que sempre fui tão bem humorada? Estava terminando a faculdade de jornalismo, a profissão que sempre quis e, aparentemente, nada ia mal na minha vida.
Nesse dia, dormi pela primeira vez uma noite inteira. E, no dia seguinte, o diagnóstico da síndrome do pânico que evoluiu para uma depressão – ou vice-versa - foi confirmado por uma clínica geral, que me encaminhou a um psiquiatra. Esse, aliás, foi um novo desafio: vencer o preconceito em torno dessa especialidade da medicina afinal, eu não era ‘louca’. Mas, a essa altura, o meu desespero era tanto que nem pensei nisso.
Ele, o meu psiquiatra, foi a pessoa que salvou pela segunda vez a minha vida. Explicou tudo o que eu ainda não sabia sobre as ‘doenças da alma’ e até desenhou – literalmente – para que eu entendesse melhor, as diferenças entre o cérebro de uma pessoa sã e uma deprimida. Descobri, com ele, que as doenças da alma, causadas por um desequilíbrio na produção de substâncias no cérebro, eram tão físicas e reais quanto qualquer outra.
Desfez-se o mito em torno das frases que tantas vezes ouvi: “Isso é coisa da sua cabeça”... “Vai a um cinema... Se distrai que passa”. Sim, a síndrome do pânico e a depressão eram coisas da minha cabeça, mas, não da forma como muita gente pensava. A cura não estava em minhas mãos, nem está nas mãos, nem na mente de ninguém que sofra desse mal. É injusto, cruel ou simplesmente, desconhecimento total de causa colocar a solução do problema nas mãos de quem está sofrendo.
Após poucos dias de tratamento com antidepressivo e de meses de terapia, posso dizer que renasci. Voltei a me alimentar, a estudar e trabalhar – cheguei a perder o período na faculdade e o estágio devido à doença -, a sair e a sentir prazer nas atividades diárias. O medo também se foi e, junto com ele, a falta de ar, a taquicardia...
Desde então já se vão uns dez anos. Confesso que tive algumas recaídas, mas, nunca, nenhuma, comparada à primeira crise que descrevi aqui, quando sequer sabia o que estava vivendo. Andrew Solomon, o autor do livro ‘O demônio do meio-dia’, um tratado sobre a depressão, disse durante uma entrevista que, para quem já teve, a depressão está sempre à espreita.
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Vanessa Alencar |
Eu sei disso. Sei que ela está à espreita e reconheço seus olhos frios e traiçoeiros, mas, depois que você conhece os sintomas e os mecanismos da doença, fica mais fácil cortar o mal pela raiz, antes que ele se alastre. Por isso, não me envergonho de procurar ajuda quando, mais uma vez citando Solomon, “aquela sensação turva impregna a minha alma”.
A depressão tem controle e tem remédio e, muitos precisam desse controle para sempre, assim como qualquer outra doença. Se for necessário remédio, eu tomo. Se for necessário voltar para terapia, eu volto. Hoje, o meu ‘demônio do meio-dia’ está adormecido. Não tenho medo de ser feliz, nem tenho medo de acordá-lo.
Resolvi escrever esse artigo na tentativa de ajudar os que se reconheceram neste relato e, encerro, citando um depoimento que também consta do livro ao qual me referi. Se você está deprimido hoje, lembre-se: ‘Não vai ser sempre assim. É assim neste momento, mas não vai ser sempre assim’.
Medo...
ResponderExcluirVontade de dar um grito,
ou calar-se para sempre
De ficar parado, ou correr
De não ter existido
ou deixar de existir (morrer)
Não há razão quando a mente não funciona
(redundante, não?)
Vão extinguindo-se as questões
mesmo sem respostas
Perde-se, neste estágio,
a vontade de saber.
O futuro é como o presente:
É coisa nenhuma, é lugar nenhum.
Morreu a curiosidade
Morreu o sabor
Morreu o paladar
parece que a vida está vencida
Tenho medo de não ter mais medo.
Queria encontrar minhas convicções...
Deus está em um lugar firme, inabalável,
não pode ser tocado pela nossa falta de confiança
Até porque, na verdade, confio nele
O problema é que já não confio em mim mesmo
Não existe equilíbrio para mentes sem governo
A química disfarça, retarda a degradação
mas não cura a mente completamente
E não existem, em Deus, obrigações:
já nos deu a vida, o que não é pouco,
a chuva, o ar, os dias e noites
Curar está nele, mas, apenas retardaria a morte
já que seremos vencidos pelo tempo
(este é o destino dos homens)
e seremos ceifados num dia que não sabemos
num instante que mira nossa vida
e corre rápido ao nosso encontro lentamente
(ou rasteja lento ao nosso encontro rapidamente?)
Sei lá...
Mas não sei se quero estar aqui
para assistir o meu fim
Queria estar enclausurado, escondido...
As amizades que restam vão se extinguindo
e os que insistem na proximidade
são os mesmos que insistirão na distância,
o máximo de distância possível.
A vida continua o seu ciclo
É necessário bom senso
não caia uma árvore velha, podre, sobre as que ainda estão nascendo.
Os que querem morrer deixem em paz os que vão vivendo
Os que querem viver deixem em paz os que vão morrendo
Eu disse bom senso?
Ora, em estado de pânico não se encontra bom senso
nem princípios, nem razão, nem discernimento,
nem força alguma
Torna-se um alvo fácil
condenável pelos que estão em são juízo
E questionam: onde está sua fé?
e respondo: ela estava aqui agora mesmo...
ela não se extingui, mas parece que as vezes se esconde de mim...
o problema é que, quando a mente está sem governo
(falo de um homem enfermo)
é como um caminhão que perde o freio
descendo a serra do mar...
perde-se o contato com a fé e com tudo o que há...
e por alguns instantes (angustiantes)
não encontramos apoio, nem arrimo, nem chão, nem parede, nem mão...
ah... quem dera, quem dera...
que a mão de Deus me sustente neste instante...
em que viver é tão ou mais difícil que conjulgar todos os verbos...
porque sou, neste momento
a pessoa menos confiável para cuidar de mim mesmo...
tenho medo, medo...
medo de perder o medo
de sair da vida pela porta de saída...
medo de perder o medo
de apertar o botão "Desliga"...
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