“Passei a me sentir solitário nos anos que se seguiram à morte do meu pai. Ficava muito quieto, fechado. A sensação que eu tinha era de ter me trancado no meu quarto e que ali era o meu mundo. Continuei indo à escola, fazendo minhas atividades. Mas quando chegava a hora da saída, pensava que ele não iria mais me buscar como já tinha feito outras vezes, quando vinha a São Paulo. Parecia que tudo tinha ficado mais difícil — lembrava dele nos momentos mais improváveis. Não tinha vontade de ir às festas do colégio, da família. Chegava a ficar uma semana sem falar com ninguém. Até hoje, mesmo nos momentos em que fico feliz, sinto uma tristeza enorme. Porque quando acontece uma coisa muito boa, eu queria que ele estivesse vivo para dividir a alegria comigo”, diz Daniel.
Para verificar como reagem os filhos de suicidas, um grupo de médicos americanos liderado pelo psiquiatra infantil David Brent comparou o comportamento deles com o de outras crianças e adolescentes que perderam os pais repentinamente, em um acidente ou de forma natural. Enquanto as taxas de depressão entre os membros dos dois últimos grupos se estabilizaram cerca de um ano e meio depois da perda dos pais, a dos filhos de suicidas continuou a subir. Para a psiquiatra Nancy, existem duas explicações para esse fenômeno. A primeira é que a depressão pode surgir por causa do sentimento de culpa e de abandono. A segunda pode ser genética. Quase 50% das pessoas que tentam se matar têm algum transtorno de humor ou de personalidade.
Crianças e adolescentes que sofrem esse tipo de trauma podem apresentar dificuldades de aprendizado, além dos transtornos emocionais, segundo a psiquiatra Alexandrina. Isso porque, no momento de tensão ou perigo, o cérebro recebe altas doses de cortisol, como parte do processo da reação de defesa. Essa superdosagem do hormônio pode lesionar o hipotálamo e gerar sequelas. “Quanto mais cedo essas crianças fizerem tratamento psicológico e psiquiátrico, maior é chance de o cérebro se reorganizar e evitar prejuízos futuros.”
Arianne diz que se sentiu forte nos meses que se seguiram à morte da mãe, até perceber que não conseguia mais manter-se concentrada. Ao sentir que o trauma havia gerado uma mudança no seu comportamento, foi procurar ajuda. “Depois do enterro, achei que tinha de ser a forte da família porque meu pai e meu irmão estavam muito abalados. Assumi papéis dela, mandava meu irmão escovar os dentes, ir para cama. Evitava pensar no que tinha acontecido. Sempre fui brincalhona e depois que ela morreu, vivi uma espécie de alegria exagerada. Via graça e brincava com tudo. Tanto que nenhum dos amigos da faculdade desconfiou do que tinha acontecido. Passei meses naquele estado de excitação até perceber que estava com um déficit de concentração. Esquecia os trabalhos e o conteúdo das aulas. Não absorvia nada, nunca terminava uma tarefa. Seis meses depois da morte da minha mãe, fui fazer terapia. Foi só aí que comecei a falar do assunto com alguém. Ajudou demais, voltei a ter centro”, diz Arianne. “Tem dias que eu não acordo bem — e geralmente é porque estou com saudades dela. Nos Natais, fico triste, uns minutos em silêncio. Mas só. Não fiquei com raiva dela. Fiquei com raiva de Deus. Se Ele realmente existia, por que tinha feito aquilo comigo? Demorei sete anos para aceitar que tinha raiva. Depois de trabalhar esse sentimento, me dei conta de que não conseguiria viver sem acreditar em nada. Sem a crença em algo maior, minha vida perdia o sentido. Sonhei poucas vezes com minha mãe. Geralmente, ela me abraça e eu sinto a presença física mesmo. Não lembro de diálogos. Os sonhos acontecem quando estou com algum problema. Ela vem me dar conforto mesmo, sinto o toque físico dela. Inclusive, é disso que eu sinto mais falta. Tem coisas que a gente só conversa com mãe. Minha família convencional acabou. Vejo pouco meu pai e meu irmão, o que me incomoda. Parece meio careta, mas sinto falta de ter esse núcleo. Como o sofrimento foi solitário, acabamos nos tornando meio egoístas.”
Sublimação da dor
Tanto a psiquiatra Nancy como Daniel partiram para a pesquisa para descobrir quem eram seus pais. Nancy escreveu o livro. “Eu sabia pouco sobre minha mãe. Não sabia sequer qual era a cor predileta dela. Ao pesquisar com parentes, amigos e jornais da época, descobri que ela era uma líder comunitária com aspirações políticas. Tinha depressão e o fato de ter tirado a vida não significa que não me amava. Graças a esse trabalho pude ter, de alguma forma, um longo contato com ela”, diz Nancy.
Daniel, que prepara um documentário, descobriu que o pai foi um capoeirista importante, responsável por levar o esporte para o exterior. “Aos 18 anos, comecei a pesquisar. Perguntava o que ele fazia e do que gostava para amigos e parentes; pedia para me contarem histórias. Descobri que ele também era músico”, diz. “Comecei a praticar capoeira para dar continuidade ao que ele fazia.” Daniel foi divulgar o esporte na Ásia. “Fazer algo produtivo com uma tragédia é a sublimação da dor”, diz Alexandrina.
Arianne conheceu bem a mãe. “Ela era pedagoga, parou de trabalhar para cuidar da família. Era linda e super vaidosa. Fico satisfeita com os valores que ela passou. Poderia ter ficado depressiva e rancorosa com o que aconteceu, mas tenho uma profissão, me sustento e, principalmente, busco a felicidade. Penso na minha mãe todos os dias. É claro que sinto uma saudade imensa. Mas acabou apenas para ela. Eu continuo aqui.”
As vezes me passa pela cabeça a ideia de suicidio, porem estou ficando forte e luto contra isso, não quero sofrer... sou joven, tenho a vida inteira pela frente, mas me sinto bastante sozinho recentemente... Mas como disse, tenho a vida inteira pela frente, quero estudar, ter uma profissão, viajar o mundo, conhecer novas pessoas, um dia casar, e ter filhos, sim, vivo minha vida pensando em meus futuros filhos, só terei certeza que nunca me suicidarei quando tiver meus filhos, pois ai terei alguem por quem lutar, ensinar coisas a eles, vivo por eles, mesmo que ainda demore para eles virem ao mundo...
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