Imagem : sxc.hu |
Quando me disseram que ele desistiu, eu pensei, "que seja". Não se pode fazer muita coisa senão dar de ombros numa situação como essa. Apesar do que dizem, a derrota, assim como a vitória, só podem encontrar sua verdadeira dimensão dentro do derrotado ou do vitorioso, e nós de fora somos pálidos espectadores, por mais que nos solidarizemos. Dor e alegria são muito pessoais; por mais que tentemos sinceramente, só conseguimos arranhar a superfície. E ele desistiu, me falaram, e muito pouco podia ser feito disso.
Naturalmente, eu precisava refletir a respeito. Até mesmo desci e fui pra rua e, como fazia sol, perambulei pelo calçadão à beira-mar. E me coloquei a pensar sobre o que significa, precisamente, desistir nesse contexto. Faria sentido dizer que o detento que foge da penitenciária "desistiu" da cadeia? Que o faminto, ao comer, "desistiu" da fome, ou que o doente, ao se medicar, "desistiu" da doença? Porque a questão é simplesmente esta: o que nos obriga a algo se, decididamente, não há motivo plausível para tal? Desistir me parece uma palavra muito equivocada. O errado, ao contrário, está em insistir, na cadeia, na fome, na doença.
Há que deixar a natureza fazer seu trabalho, a natureza, que engloba esse mar e esse sol. Mas a natureza nos deu livre-arbítrio, que é conspurcado pela culpa e toda castração que a religião nos deixou. Uma vez saciados, pedimos a conta: é de uma simplicidade tal que talvez choque. Mas por que continuar no jogo, se já não há prazer no jogar? Se as fichas já acabaram e a banca levou tudo? Talvez o segredo esteja em ter esperança de que a maré se reverterá na próxima rodada. Mas a vida escoa enquanto aguardamos o golpe de sorte que não vem.
Dito isso, de olhar o mar e o sol, me dei por satisfeito. Voltei ao cotidiano, mas não gostaria, jamais, que dissessem de meu amigo que se tratava de um covarde, por ter desistido. Não direi que, ao contrário, covarde seja quem insiste. Não chego a tanto. Mas me parece óbvio que encostar o aço frio na própria têmpora não é, decididamente, coisa para fracos.
A partir do Blog Escrita Vulgar. Leia no original