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'ESTOU MEDICADO, NUM PARAÍSO ARTIFICIAL "

12/03/2017


Olá senhoras e senhores.

É possível curar a depressão? Deixar de ser um suicida? De desejar a morte de todas as formas? Não tenho essas respostas. Na verdade estou medicado, num "paraíso" artificial.

Venho experimentando um pequeno coquetel de drogas em que eu, minha psicóloga e a psiquiatra vem há meses tentando acertar a dose e a melhor forma de terapia. Acontece que sou extremamente cético, ateu, desgrudado dessas coisas que dão esperança.

Não acreditava numa melhora possível. Já tentei me matar 8, 9x, perdi até a conta exata. E sempre foi muito doloroso essas experiências até que conheci a Venlaxina. Calma. Não é só isso. Um dia acordei, o mundo estava igual. Eu não dei um alegre bom dia pro sol. Não vi arco íris, pássaros, borboletas celestiais. Nem se quer um pingo de felicidade extravagante brotou. Meus problemas materiais ainda estavam lá. Só mais tarde percebi...o dia tá estranho. Eu tô estranho. Passei ao lado da forca que até hoje tenho no meu quarto, presa atrás de um espelho e senti certo arrepio.

 Peguei minhas giletes de mutilação, olhei minhas cicatrizes evidentes nos braços e senti certa pena de mim...que coisa macabra. Estaria eu querendo viver a essa altura do campeonato? Não rola! Meu suicídio é certo... Alguma coisa não estava em seu lugar e eu quase, quase vi uma luz no fim do túnel. Pudia jurar... até que vasculhei meu pensamento e achei.

Sim, ainda me escapole o olhar em direção ao vazio, aquele oco ainda habita meu ser. Então o que é isso que estou sentindo? Também não sei. Mas com 4 meses experimentando essa dose que foi inicialmente de 75mg até hoje, estacionando com 300mg de Venlaxin, um potente inibidor seletivo de recaptação da serotonina, norepinefrina e dopamina, responsáveis pelas sensações de prazer e felicidade + 1mg de Respiridona, que para mim vem como um lubrificante que ajuda a desgrudar e colocar para fluir pensamentos repetitivos + Rivotril pela manhã para relaxar e booom. 

Consegui atravessar dias e noites sem pensar em morrer. Me senti cafona, pois a morte para mim era sinônimo de luxo. E lá estava eu dizendo SIM para as coisas sociais, porque minha psicóloga disse que eu falava muito não, e por isso vivia trancado, que eu tinha um padrão de pensamento negativo, e então passei a pensar duplo, triplo, ou seja, para cada coisa que eu pensava e identificava como negativo eu tentava encontrar 2 ou 3 pensamentos contrários, positivos.

 Algo estava acontecendo! Não posso dizer que estou curado (disse minha psiquiatra que não tem cura). Só posso dizer que hoje vivo melhor que ontem e que estou com vontade de ver até onde isso vai. O pensamento de morte ainda vem e já fui alertado que ele vai continuar. Ainda tenho dias de desespero, mas são menos e mais fracos do que eu costumava ter. E assim tenho passado meus dias nessa Terra. 

Ainda persiste na minha cabeça a ideia de que só estou vivo para não fazer minha mãe sofrer e no minuto seguinte que ela morrer eu vou me matar porque a vida não terá o menor sentido. Só que ultimamente, nesses últimos 3 meses, isso não tem me feito sentir vontade de apressar as coisas e sim deixar que o tempo me revele o que sentir e como agir, ao invés de tentar prever o futuro e o trazer imediatamente para o presente. 

Então meus amigos e amigas. Como disse no início, ainda não tenho respostas definitiva e bem provável que nunca terei. Porém me parece certamente que existe como tornar essa vida mais suportável, melhor do que hoje, do que ontem. E nada disso é caro, inacessível. Pelo contrário. Esta disponível no SUS. É um direito do cidadão brasileiro. Experimentem! Não os mesmos medicamentos e doses que uso, e sim um tratamento na área de saúde mental. Tem que persistir! 

Esses remédios demoram de semanas a meses para funcionar, sem contar a psicoterapia, que demora de meses a anos (no meu caso, apesar de fazer há anos, só nos últimos 2 que me tornei frequente, indo toda semana). É pronto. Quero que todos melhorem! E podem contar comigo para o que precisar, pois eu já contei com esse grupo e já fui ajudado em meio a desgraça que se instalou no meu ser. Gritem! Chorem! Desabafem! E acima de tudo, tentem outra vez, por mais exausto que você esteja. Vale a pena? Sei lá... 

Talvez nunca saiba, mas estou descobrindo que também posso tentar. E se eu posso, porque você não? Um beijo para quem é de beijo e um abraço para quem é de abraço.

Roosevelt Soares
Depoimento no Grupo QM
Imagem : Pexels

'QUERO UMA MORTE DIGNA", DIZ JOVEM QUE ABANDONOU TRATAMENTO

11/30/2017
José Humberto Pires de Campos Filho, 23,  em Trindade (GO)

Na última vez que José Humberto Pires de Campos Filho, 23, entrou na piscina, há dois meses, os pés se retorceram. A dor latejante invadiu o corpo. Teve de se sentar na borda, em um clube de Caldas Novas, a 170 km de Goiânia.

Eram os reflexos da doença renal crônica da qual padece desde 2015. Tão diferente dos tempos em que vencia torneios de natação nos Estados Unidos, na adolescência.

Agora, aos 23, José Humberto decidiu parar. Quer ficar distante das piscinas e das sessões de hemodiálise. Não tem mais vontade de viver.

"Quero uma morte com dignidade, sem a dor do tratamento", diz o jovem.

A mãe não concorda e buscou ajuda na Justiça. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás divulgou esta semana sentença do juiz Éder Jorge em favor da costureira Edina Maria Alves Borges, 56, para a interdição do rapaz.

A sentença segue o mesmo entendimento de uma liminar (decisão inicial do processo) que o juiz havia concedido em fevereiro. Ela determina a interdição parcial do paciente, e nomeia como curadora a sua mãe, por um ano, só para levá-lo à hemodiálise.

A interdição vale sem nenhum uso de força ou sedação. Por isso, na prática, Edina sente ter em mãos um papel vazio, já que o filho se recusa a seguir o tratamento.

Das quatro sessões semanais na máquina que funciona como rim artificial, para filtrar o sangue, ele decidiu ir só a duas. E alertou a mãe que, a partir de 2 de janeiro, não fará mais nenhuma.

"Ver um filho morrendo aos poucos é muito difícil. Suportar tudo isso é terrível."

A hemodiálise libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos, controla a pressão arterial e ajuda a manter o equilíbrio de substâncias como sódio, potássio, ureia e creatinina.

"Não dou conta de ficar na máquina porque dói muito. Quero morrer na data que deve ser, naturalmente, sem ter intervenção da medicina me forçando a viver", diz o jovem, deitado em uma grande cama, suficiente para acomodar os seus 1,85 m e 73 kg.

Fora do Brasil

Mãe e filho moram sozinhos. José fica boa parte do dia trancado no seu quarto, com janela e cortina fechadas. Enquanto o rapaz dava entrevista, Edina costurava no cômodo ao lado.

Ela lembra de quando viu o caçula de seus três filhos pousar no aeroporto de Goiânia, em maio do ano passado, dez meses depois de ser diagnosticado com a doença nos Estados Unidos, onde morou com o pai.

Fora do Brasil, só tomou remédio paliativo. "Ele chegou bastante inchado. Estava quase irreconhecível", lembra. Três meses depois, começou a hemodiálise.

A lado da cama, José tem a companhia de um computador, uma cesta de remédios e uma cadeira de rodas que passou a usar, há um mês, para se locomover em casa, em Trindade, na Grande Goiânia.

Ele sai para a rua só para ir à hemodiálise. Não consegue mais andar. Os pés não suportam o peso do corpo, e as pernas estão se atrofiando.

"Antes eu andava me arrastando, mas agora os pés não mexem mais. Não sou obrigado a fazer tratamento que não quero. Nada vai fazer eu mudar de opinião."

On-line

O jovem passa grande parte do tempo conectado às redes sociais ou ocupando a mente em jogos on-line, enquanto fica de olho no relógio para se medicar.

Ele toma dez medicamentos de alto custo. Alguns são fornecidos pela central de distribuição do Estado.

Concluiu o ensino médio e prestou o Enem no ano passado. Antes da doença, o jovem dizia que seu sonho era rodar o mundo todo.

Desde a sua última tentativa de entrar na piscina, em setembro, mês de seu aniversário, José só piorou.

"Ele voltou mais revoltado por causa disso", conta a mãe, com a aflição estampada no rosto.

A junta médica do Judiciário goiano, formada por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, não identificou sinais de depressão em José.

A perícia atesta que ele é lúcido e está com a consciência preservada, mas considera que a sua capacidade de entendimento e determinação está prejudicada, o que o prejudica a ter "vontade efetivamente livre".

Os especialistas entendem que esse é um caso de transtorno de ajustamento, já que, na avaliação deles, o diagnóstico da doença fez o jovem ser tomado por fortes emoções e perder perspectivas de vida.

Longo e sofrido

Na sentença inicial, apesar de afirmar que, em alguns casos, o uso de medicamentos pode transformar a morte em um processo longo e sofrido, o juiz Éder Jorge diz entender que só com a vontade completamente livre o jovem poderia fazer escolhas e assumir as responsabilidades decorrentes delas.

O magistrado sugeriu acompanhamento terapêutico, porque o paciente "possui capacidade cognitiva compatível com sua idade e grau de instrução e pode alcançar, com acompanhamento profissional, o adequado desenvolvimento emocional".

Para o juiz, José é "muito inteligente e simpático".

Apesar de ciente da preocupação da mãe e de ver o organismo padecer aos poucos, José pretende usar a sentença como o seu principal álibi, já que a decisão proíbe, expressamente, o uso de qualquer tipo de força ou sedação para submetê-lo ao tratamento.

Também a ética médica impede que o paciente seja obrigado a se tratar.

Inconformado, José afirma que irá recorrer até a última chance para negar o tratamento. Por outro lado, a sua mãe afirma que vai fazer de tudo para que o caçula viva.

"Eu não quero entrar nem na fila de transplante de rim. Nada vem na minha cabeça para eu mudar de ideia. Só a cura naturalmente."

A partir da Folha de S.Paulo. Leia no original

ALGORITMO IDENTIFICA PENSAMENTOS SUICIDAS

11/04/2017

Inteligência artificial é capaz de avaliar as alterações produzidas no cérebro quando pacientes pensam em conceitos relacionados ao suicídio



Uma equipe de pesquisadores desenvolveu um novo algoritmo capaz de identificar pessoas com pensamentos suicidas, analisando alterações produzidas no cérebro quando os pacientes pensam em conceitos relacionados ao suicídio, como “morte”, “crueldade” e “problemas”. A inteligência artificial, criada por cientistas americanos, foi descrita em uma pesquisa publicada na revista científica Nature.

Segundo a publicação, o suicídio é a segunda causa de morte entre os adultos jovens nos Estados Unidos e o estudo oferece um novo foco para poder avaliar a desordem psiquiátrica. “Obtivemos uma janela para o cérebro e para a mente, esclarecendo como as pessoas com pensamentos suicidas pensam sobre conceitos relacionados com o suicídio e as emoções”, explicou o coautor do estudo, Marcel Just, professor de psicologia da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. “O que é central nesse novo estudo é que podemos dizer se alguém está pensando em se suicidar pela maneira como pensa sobre assuntos relacionados com a morte.”

Para chegar à descoberta, os pesquisadores apresentaram uma lista de dez palavras relacionadas com a morte, outras dez com conceitos positivos e outras com ideias negativas a dois grupos. Um dos grupos era formado por dezessete pessoas com conhecidas tendências suicidas e o outro por dezessete pessoas sem essa tendência.

Eles desenvolveram um algoritmo capaz de identificar reações a seis conceitos que discriminavam os dois grupos. Durante o experimento, os participantes deveriam pensar sobre cada conceito enquanto estavam conectados a um scanner cerebral.

O programa conseguiu identificar com 91% de precisão se um participante pertencia ao grupo de indivíduos com tendências suicidas. Os especialistas também fizeram um experimento similar para determinar se o algoritmo poderia detectar aqueles que tinham tentado suicídio. O programa teve 94% de precisão.

“Mais exames sobre essa abordagem com uma maior representação determinarão a habilidade [do algoritmo] de prever um futuro comportamento suicida”, indicou o outro coautor do estudo, David Brent, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Pittsburgh, também nos Estados Unidos. “Isso poderia dar aos médicos, no futuro, uma maneira de identificar, supervisionar e, talvez, intervir nesse pensamento alterado e distorcido que caracteriza as pessoas suicidas”, completou o cientista.

A partir da Veja. Leia no original
Imagem : Pexels

SÍNDROME DA RESIGNAÇÃO : CONHEÇA ESTA DOENÇA MISTERIOSA

10/28/2017
Sophie há 20 meses vivem estado vegetal

Quando seu pai a retira da cadeira de rodas, o corpo de Sophie, de nove anos, parece sem vida. Mas o cabelo de menina é espesso e brilha como o de uma criança saudável.

Os olhos de Sophie estão fechados e, em vez de calcinhas, ela usa fraldas por baixo da calça de moletom. Uma sonda gástrica adentra seu nariz. Ela se alimenta desse jeito há quase dois anos.

Sophie e sua família são originários de uma das antigas repúblicas da União Soviética e pediram asilo à Suécia em dezembro de 2015. Vivem em acomodação destinada a refugiados, em uma pequena cidade na região central do país nórdico.

"A pressão sanguínea dela é normal", diz a médica Elisabeth Hultcrantz, voluntária da ONG Médicos do Mundo.

"Mas seu pulso está um pouco acelerado hoje. Talvez ela esteja reagindo à visita de muitas pessoas hoje".

Hultcrantz testa os reflexos de Sophie. Tudo parece normal. Mas a criança não se mexe.

A médica se preocupa, pois Sophie sequer abre a boca. Isso pode ser perigoso, pois a menina pode se engasgar se houver qualquer problema com a sonda gástrica.

Mas como uma criança que gostava tanto de dançar ficou tão inerte?

"Quando explica aos pais o que aconteceu, digo que o mundo foi tão terrível que Sophie trancou-se dentro de si própria, desconectando as partes conscientes de seu cérebro", diz a médica.

Sophie não é um caso único: por quase vinte anos, a Suécia tem enfrentado uma misteriosa doença, batizada de Síndrome da Resignação. Ela afeta apenas crianças solicitantes de asilo ou refugiadas, e todas simplesmente "desligam"- param de andar, falar ou mesmo abrir os olhos. A boa notícia é que se recuperam.



Elisabeth Hultcrantz diz que crianças simplesmente "desligam" partes do cérebro

Mistério

Mas porque esses casos ocorrem apenas na Suécia?

Os profissionais de saúde tratando dessas crianças argumentam que o trauma é a causa deste afastamento das crianças. As mais vulneráveis são justamente as que passaram por episódios de violência extrema ou cujas famílias fugiram de ambientes perigosos.

Os pais de Sophie sofreram extorsão de uma máfia local em seu país de origem. Em setembro de 2015, o carro em que a família viajava foi parado por homens em uniformes policiais.

"Fomos retirados do carro à força. Sophie viu sua mãe e seu pai serem espancados", conta o pai da menina.

Depois de libertar a mãe, que fugiu do local com a filha, os homens levaram o pai embora.

"Não me lembro de mais nada (do que aconteceu depois)", diz ele.

Sophie conta que a menina ficou transtornada com o sequestro do pai. Três dias mais tarde, ele finalmente fez contato com a família.

A família permaneceu escondida nas casas de amigos até viajar para a Suécia, três meses depois.

Ao chegar à Escandinávia, foram detidos por horas pela polícia sueca. A partir daí, a saúde de Sophie deteriorou rapidamente.

"Após alguns dias, percebi que ela não estava brincando muito com sua irmã", diz a mãe de Sophie, grávida de oito meses.

Foi na mesma época que a família teve negado o pedido de asilo, em uma audiência na qual Sophie esteve presente. Naquele momento, ela parou de falar e comer.

Histórico

A Síndrome da Resignação foi reportada pela primeira vez na Suécia, nos anos 1990. Mas apenas no biênio 2003-05, mais de 400 casos foram registrados.

As chamadas "crianças apáticas" se tornaram uma questão política em meio a um debate crescente sobre as consequências da imigração na Suécia, país onde, segundo o Censo de 2010, quase 15% da população é imigrante.

Houve relatos de casos de crianças fingindo estar doentes e mesmo de pais drogando ou envenenando crianças para garantir direito de residência - nenhuma dessas histórias foi comprovada.

Na última década, o número de crianças afetadas pela síndrome diminuiu. O equivalente sueco ao Ministério da Saúde divulgou recentemente que houve 169 casos no biênio 2015-16.

A doença parece afetar crianças de perfis geográficos e étnicos mais vulneráveis: aquelas da antiga União Soviética, dos Balcãs, crianças ciganas e, mais recentemente, yazidis.

Apenas um pequeno número de afetados é de crianças desacompanhadas, muito poucas são asiáticas e nenhuma africana.

Ao contrário de Sophie, as crianças com a síndrome normalmente vivem na Suécia há anos quando ficam doentes, e já viviam vidas adaptadas ao estilo nórdico, falando até a língua local.

Inúmeras condições parecidas com a Síndrome da Resignação já foram observadas antes - entre sobreviventes de campos de concentração nazistas, por exemplo.

"Pelo que sabemos, nenhum caso foi identificado fora da Suécia", diz Karl Sallin, pediatra do Hospital Universitário Karolinska, em Estocolmo.

Mas como uma doença pode respeitar fronteiras nacionais?


Família de Sophie diz ter fugido da máfia da antiga União Soviética


Sallin, que estuda a Síndrome da Resignação em sua tese de doutorado, diz não haver resposta definitiva para a pergunta.
"A explicação mais plausível é que existem alguns tipos de fatores socioculturais necessários para que a condição se desenvolva", explica.

Sendo assim, ainda que não conheçamos o mecanismo e nem a razão disso acontecer na Suécia, o tipo de sintoma exibido pelas criança é explicado culturalmente: seria uma forma das crianças expressarem seu trauma.

Contágio?

Caso isso seja verdade, uma questão importante é levantada: poderia a Síndrome da Resignação ser contagiosa?

"Isso é meio implícito. Se você nutrir esses comportamentos em uma sociedade, terá mais casos", diz o pediatra.

"O primeiro caso da doença foi registrado em 1998, no norte da Suécia e, assim que se tornou público, houve outras ocorrências na mesma área. Tivemos ainda casos de irmãos desenvolvendo a condição", completa ele.

Mas Sallin ressalta que os estudos sobre a síndrome até agora não detectaram a necessidade de contato direto entre os casos.

Por sinal, há uma carência de pesquisas mais específicas sobre o assunto, especialmente em relação às crianças, o que impede a compreensão da doença.

Ao menos se sabe que as crianças podem se recuperar.

No entanto, é difícil para os pais de Sophie acreditarem nessa possibilidade. Eles não viram qualquer melhora no estado da filha em 20 meses. Seus dias são vividos em função do tratamento da menina - seja em exercícios para a manter a musculatura dela funcionando, alimentação, troca da fralda ou passeios.

"Você precisa ter o coração forte nesses casos", diz Lars Dagson, pediatra de Sophie.

"Eu só posso mantê-la viva. Não posso fazer com que ela melhore. Nós, médicos, não podemos decidir se essas crianças vão ou não ficar na Suécia", acrescenta.

Dagson faz parte de uma corrente de médicos tratando de crianças com Síndrome da Resignação cujo argumento é que elas se recuperam quando se sentem seguras. E que o direito permanente a residência é o que deflagra a convalescência.

"De certa forma, a criança vai precisar sentir que há esperança, algo para que valha a pena viver. Essa é a única maneira de explicar como, em todos os casos que vi até agora, o direito de permanecer no país pode mudar a situação", diz.

Burocracia

Até recentemente, as autoridades suecas permitiram que famílias imigrantes com uma criança doente permanecessem.
Mas a chegada de mais de 300 mil pessoas nos últimos três anos mudou esse cenário.

No ano passado, uma lei temporária entrou em vigor para limitar o número de chances para solicitantes de asilo obterem residência permanente.

Candidatos recebem vistos com duração 13 meses ou três anos. A família de Sophie tem o primeiro, e o documento vence em março.

"O que vai acontecer depois? A família está no limbo", diz Dagson, para quem Sophie não deve se recuperar em 13 meses.

"Tudo vai depender de como os pais vão se sentir, se vão acreditar que podem permanecer após 13 meses. Se eles não estão certos, não podem dar o Sophie a sensação de que está tudo bem".

Mas em Skara, no sul do país, há evidências de cura mesmo sem que as famílias recebam direito a residência.

Trauma

"Do nosso ponto de vista, essa doença está ligada ao trauma, não ao asilo", diz Annica Carlshamre, assistente social da Gryning Health, que administra Solsidan, um abrigo para crianças com problemas.

Os especialistas de Solsidan acreditam que crianças perdem sua mais significativa conexão com o mundo quando testemunham violência ou ameaça contra os pais.

"A criança percebe que 'minha mãe não pode tomar conta de mim'. E perde a esperança porque sabem que são totalmente dependentes dos pais. Quando isso acontece, para onde a criança pode ir - ou a quem pode recorrer?", explica Carlshamre.

A conexão familiar precisa ser reconstruída, mas primeiro a criança tem que se recuperar. Em Solsidan, o primeiro passo é separar as crianças dos pais.

"Mantemos a família informada sobre o progresso, mas não deixamos que fale com as crianças, porque elas precisam depender dos nossos funcionários. Ao separarmos as crianças, leva apenas alguns dias até vermos os primeiros sinais de melhora", diz Carlshamre.

As crianças frequentemente ficam sem qualquer contato com os pais até que consigam falar com eles ao telefone.

Conversas sobre o processo migratório são proibidas. No abrigo, recebem roupas diurnas e noturnas e são retiradas das camas todos os dias. Funcionárias como Clara Ogren ajudam-nas a colorir ou desenhar, segurando o lápis em suas mãos.

"Brincamos por elas até que possam brincar sozinhas. Dançamos e ouvimos muita música. Queremos despertar seus sentidos. Colocamos um pouco de refrigerante em suas bocas para que provem algo doce. As que estão sendo alimentadas por sonda, a gente coloca na cozinha para sentirem cheiro de comida", explica Ogren.

"Temos a expectativa de que elas queiram viver e sabemos que suas habilidades ainda estão ali, mas as crianças se esqueceram delas ou ou não conseguem mais usá-las. Vivemos pelas crianças até que elas consigam viver por si próprias", acrescenta.

O mais longo tempo que uma criança levou para se recuperar em Solsidan foi seis meses.

Das 35 crianças que Carlshamre tratou durante seus anos de trabalho, apenas uma delas teve permissão para ficar na Suécia enquanto ainda estava em Solsidan. As outras se recuperaram antes da concessão do asilo.

Esse tipo de tratamento, ainda não muito conhecido no país, poderia ajudar Sophie? Vinte meses é um tempo muito longo para uma criança estar desconectada do mundo. O que pode ajudar, na opinião de seus pais?

"Talvez a chegada do novo bebê", diz o pai.

A mãe da menina apenas repete o que ouviu do pediatra.

"Para Sophie acordar, o médico diz que ela e a família precisam se sentir seguras", defende.

No entanto, o maior medo da família é ser deportada e eventualmente encontrada pelos homens que a fizeram fugir.

Para a segurança da família, o nome real de Sophie foi alterado nessa reportagem.

A partir do UOL. Leia no original
Imagens : Reprodução
 
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