Alexandre Teixeira, 34 anos, é o autor de um estudo pioneiro sobre comportamentos suicidas entre prostitutas de rua, que foi recentemente apresentado no Congresso Mundial da Associação Internacional de Prevenção do Suicídio, que se realizou em Pequim. O trabalho de campo foi feito nas ruas do Porto, em Portugal, e o investigador pretende publicar os resultados numa revista científica.
Quando é que decorreu o estudo e com que amostra?
O trabalho de campo, no terreno, decorreu entre Dezembro de 2009 e Março de 2010. Foram cerca de 4 meses em que saí todas as noites e em que consegui uma amostra representativa das mulheres que se prostituíam na cidade do Porto. Andei basicamente na baixa e na zona industrial do Porto, onde há intervenção por parte de equipas de minimização de danos e redução de risco. Eles trabalham directamente com essas mulheres e facilitaram-me o acesso a essa população.
Como foi composta a amostra?
Foram entrevistadas 52 mulheres. Um dos requisitos a que tinham de responder era falarem bem português; 68% eram portuguesas, mas também havia mulheres brasileiras e argentinas e uma romena.
Que idades tinham estas mulheres?
A média andava nos 30 anos. A mais nova tinha 18 anos e a mais velha 63. A nível de escolaridade, a grande maioria não ia além do 2º ciclo, ou seja, as mais instruídas tinham apenas o 6º ano.
Quais foram as principais conclusões a que chegou?
A existência de ideação suicida é extremamente alta nestas mulheres. Cerca de 46% das mulheres têm um patamar de risco suicida que é considerado perigoso. Metade delas conhece alguém que já tentou suicidar-se e 25% tem alguém na família que já tentou suicidar-se ou suicidou-se – e o suicídio na família também é um factor de risco complementar –; 44% já tentou suicidar-se e em muitos casos não se trata apenas de uma tentativa. Isto mostra que há ali um sofrimento que se prolonga por um longo período de tempo – a maior parte das tentativas de suicídio tinham ocorrido nos últimos 5 anos. Há ainda um índice muito alto de mulheres com diagnóstico de saúde mental, nomeadamente depressão e stress, que depois não são acompanhadas no tempo.
Quais são os factores de risco na população estudada?
Apesar de os factores de risco mais facilmente identificáveis estarem associados à sua actividade profissional – o estigma, a violência por parte dos clientes, os baixos rendimentos, o afastamento da família, etc –, a maior parte das mulheres identifica como factor determinante para uma tentativa de suicídio o facto de ter tido algum problema na esfera familiar: uma discussão com o marido ou companheiro, uma discussão com familiares ou problemas relacionados com os filhos. Entrevistei uma mulher que tentou suicidar-se depois de o filho mais novo ter-lhe sido retirado pelo Estado, por exemplo. Também as magoa mais um estalo de um companheiro do que 10 pontapés de um cliente – que, apesar de desenvolverem estratégias para se protegerem, sabem que faz parte do trabalho.
Houve algum percurso em particular que o impressionou?
Todas as histórias de vida destas mulheres são bastante dramáticas. São histórias de muita luta e de muito sofrimento, sempre ali no fio da navalha, para ter rendimentos para chegar ao fim do mês com o mínimo essencial. Aquela imagem do Richard Gere a chegar de limousine é uma coisa que passa completamente ao lado da vida destas mulheres. Estas mulheres fazem isto por uma questão de sobrevivência. Havia algumas, por exemplo, que recebiam rendimento mínimo e, enquanto o rendimento mínimo chegava para suprir as necessidades básicas, elas não se prostituíam. A partir do momento em que precisavam de dinheiro – porque os filhos precisam de comer, precisam de roupa, precisam de ir para a escola – e até ao final do mês, elas iam para a rua para se prostituir.
Teve alguma surpresa?
Houve uma coisa que me surpreendeu. Estatisticamente, não havia diferenças significativas entre as mulheres que se prostituíam e consumiam drogas e aquelas que se prostituíam mas não consumiam estas substâncias. Eu estava à espera de encontrar uma diferença maior. É algo que requer mais estudo e eu gostaria de, reunindo condições para isso, continuar a estudar esta temática no âmbito de um doutoramento. O objetivo seria perceber melhor estas relações e tentar desenvolver, ao mesmo tempo, um projecto de prevenção do suicídio nestas mulheres, que é algo que não existe a nível mundial.
A partir do Jornal Porto. Leia no original
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