"Sou um suicida desde a infância, mas naquela época não percebia isso. Quando algo não dava certo, tomava Dramim para poder dormir e não ter que encarar os problemas de frente. Desde muito pequeno, nunca encarei as coisas de frente (sempre fugi).
Meus pais sempre me super-protegeram e acredito que isso é que me tornou emocionalmente invalido. Invalido sim pois não tenho capacidade para lutar por meus sonhos e para enfrentar as dificuldades da vida. Eles resolviam meus problemas e, por isso, acho que não aprendi a resolver.
Tenho a sensação que a maneira como fui educado na minha infância determinaram a porcaria que sou hoje. Porcaria que - por infinitas vezes tentei superar. Mas, quando me vejo, repito sempre o mesmo comportamento.
Minha primeira tentativa de suicídio foi ainda aos 17 anos, quando percebi que não conseguiria passar no vestibular de medicina. Sonhava ser medico, mas sempre estudei em escolas ruins que jamais me deram uma base boa de ensino. E, quando fui estudar para o 'vestiba', percebi que não tinha capacidade para passar no vestibular de medicina (pois não entendia nada do que os professores falavam no cursinho). Ate tentava estudar, mas tinha dificuldades em entender a aprender aquilo que era ensinado no cursinho.
No més de agosto, quando percebi que não passaria no 'vestiba' de medicina, tentei o suicídio (de modo ridículo e ineficaz), mas tentei. Minha primeira tentativa de suicídio foi realizada com a ingestão de 20 comprimidos de Dramim (imaginei que a dose era tao grande que seria impossível eu acordar).
Lembro, como se fosse hoje, que acordei cambaleante uns 2 dias depois e fiquei frustrado, porque não tinha conseguido morrer. Minha família nunca soube dessa minha tentativa pois eu morava só, e havia dito que iria viajar para a chácara de um amigo - e naquela época não existiam celulares.
Aos 18 anos fiquei diabético. Fiquei feliz com tal fato pois isso me permitiria morrer. Resolvi então deixar de tomar insulina. Fui para o hospital infinitas vezes e sempre me faziam sobreviver (as pessoas não imaginavam que eu deixava de tomar insulina com o objetivo de morrer - sequer imaginavam que eu deixava de tomar insulina). AS pessoas achavam que eu era revoltado por ser diabético (nunca fui revoltado por ser diabético). Era revoltado por ter de viver e de não conseguir lutar pelos meus sonhos. Morrer seria bem mais fácil.
Assim que descobri que não morreria por não tomar insulina, resolvi morrer tomando insulina. Tomei uma overdose de insulina (10.000 unidades de insulina). Infelizmente um infeliz de um parente foi me visitar e me pegou inconsciente em casa. Ligou para o resgate e eles conseguiram, depois de muitas tentativas, me acordar. Fui para a UTI e fiquei la, mais de uma semana tomando glicose na veia ate que toda a insulina deixasse de fazer efeito. Durante uma semana tomeis glicose sem que fosse necessário tomar insulina. Até hoje amaldiçoo esse meu parente intrometido que me impediu de realizar meu sonho (que é morrer).
Acabei não conseguindo passar em medicina e então resolvi fazer vestibular para outro curso. Virei advogado e tentei estudar para o Ministério Público (mas não consegui perseverar nestes estudos - como não consigo perseverar em nada). Sou um absoluto fracasso. Não sei porque as pessoas insistem em querer que eu viva, se eu não quero viver.
Já fui casado, mas não quis ter filhos e isso fez com que acabasse me separando.
Como posso por alguém nesse mundo se acho que viver não vale de nada? Apenas colocarei alguém para sofrer.
Penso em tentar me matar novamente. Escrevo aqui para dizer que quero morrer e que não existe pessoa ou fato que me faça desistir desse meu objetivo. Sou um fracasso e a única coisa boa e útil (para mim e para a humanidade) que vislumbro é o fim de minha vida. Quero morrer! Preciso morrer! Desejo apenas morrer! Algo que vai acontecer com todas as pessoas do mundo!"
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A professora Regina Reis, coordenadora do Projeto Ansiedade e Depressão na Infância e Adolescência (Proadia), ligado ao Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Saúde da Comunidade (CCM) da Universidade Federal Fluminense (UFF), é especialista em diagnósticos e tratamento de depressão na infância e recentemente, no Rio de Janeiro, participou de um simpósio sobre suicídio infantil e adolescente.
Segundo ela, "a taxa de suicídio vem aumentando progressivamente nas últimas quatro décadas e, nos Estados Unidos, já é a 4ª causa de morte em crianças de 10 a 15 anos e a 3ª causa entre jovens de 15 a 25 anos". A psiquiatra observa que os principais fatores de risco para o suicídio infantil e adolescente são: a depressão, o fato de ser do sexo feminino, o abuso de drogas ou álcool, situações psicosociais recentes (como a mudança de escola e casa ou a separação dos pais e o fim de um namoro), baixa auto-estima, acesso a armas de fogo, tentativas anteriores de se matar e a ausência de tratamento psicológico após a primeira tentativa.
O número de tentativas de suicídio é muito maior entre o sexo feminino e, diferentemente dos homens que em geral apresentam apenas uma tentativa, “as mulheres passam mais tempo durante a vida planejando a própria morte”, afirma Regina, acrescentando que mesmo que a criança não tenha acesso a armas de fogo, a sua convivência cotidiana com elas constitui uma área de risco que facilita a idealização do suicídio. “As principais tentativas entre crianças e jovens acontecem por armas de fogo, enforcamento e super-dosagem de drogas e medicamentos”, disse.
Os pais devem estar atentos para os indícios da possibilidade do suicídio de seus filhos. Dentre os fatores que o pronunciam estão a tristeza freqüente, o desespero, a fácil irritabilidade e a manifestação do desejo de estar morto. Nem sempre esses sintomas são nítidos nas crianças. A depressão, a causa mais comum do suicídio, não é tão facilmente identificável na infância como é na vida adulta. “Nem sempre a tristeza é aparente e por isso é importante observar se há na criança a perda de interesse pelas atividades que habitualmente eram interessantes e um aborrecimento ou falta de ânimo diante das atividades de recreação”, resume.
"É muito comum que jovens que pretendem o suicídio distribuam pertences seus entre amigos e familiares ou escrevam cartas e bilhetes aos mais próximos. Frases como ‘Eu sou um peso para vocês’ e ‘Eu nunca vou ser feliz’ também são freqüentes em casos de suicidas em potencial", esclarece Regina. Logo após a tentativa de morte, a criança ou o jovem deve ficar hospitalizado por um período mínimo de 48 horas, em que estará sob observação e recebendo tratamento farmacológico. Passada a internação o correto é encaminhar a pessoa para um ambulatório de psiquiatria infantil e adolescente onde ela receberá o tratamento adequado que deverá ser continuado.
A grande maioria das depressões em adolescentes e crianças, de acordo com a especialista, pode ser superada e controlada pela intervenção ambulatorial e através do apoio familiar e da escola, evitando chegar ao estágio de suicídio. Em muitos casos, a tentativa de suicídio infantil não é levada a sério, é vista como forma de chamar atenção e deixada de lado pelos pais e familiares que não provêm à criança a assistência psicológica necessária. ”O mito de que as crianças não cometem suicídio impede que o psiquiatra investigue essa condição clínica e atrasa o começo do tratamento”, concluiu Regina. (saiba mais)