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DEPRESSÃO: USP TESTA TRATAMENTO COM CHOQUE

3/06/2013
Pesquisadores da USP testam uma alternativa indolor, de baixo custo e com poucos efeitos colaterais para o tratamento da depressão. Trata-se da estimulação com corrente elétrica contínua. E, ao que indica um estudo publicado pelo grupo no "Jama Psychiatry", revista da Associação Médica Americana, a técnica é eficaz.

Na pesquisa, 120 pessoas com depressão foram divididas em grupos para avaliar a eficácia da técnica, do antidepressivo sertralina (um inibidor da recaptação da serotonina) e da combinação dos dois tratamentos. Drogas e estimulação tiveram resultados similares e, juntas, um resultado ainda melhor. Entre os que usaram as terapias combinadas, 63% tiveram alguma melhora. Desses, 46% tiveram remissão, ou seja, a ausência completa de sintomas.

Segundo André Brunoni, psiquiatra do Hospital Universitário da USP e principal autor da pesquisa, esse é o primeiro estudo a comparar o tratamento com antidepressivos e a combiná-los. A explicação para o sucesso dessa soma ainda precisa ser confirmada por exames de imagem, mas os pesquisadores imaginam que a estimulação e o remédio atuem em diferentes regiões do cérebro ligadas à depressão. A técnica, ainda experimental, tem poucos efeitos colaterais (no estudo, foram observados vermelhidão na área da cabeça onde os eletrodos foram posicionados e sete episódios de mania) e custo relativamente baixo.

O aparelho é simples de ser fabricado, pode ser portátil e custa de R$ 500 a R$ 1.000, segundo Brunoni. Um aparelho de estimulação magnética transcraniana (técnica de neuromodulação não invasiva mais estudada e que recebeu o aval para depressão no Brasil em 2012) chega a custar de US$ 30 mil a US$ 50 mil (R$ 59 mil a R$ 119 mil).

Convincente

A estimulação por corrente contínua não é novidade --pesquisas em humanos para depressão e esquizofrenia são feitas desde a década de 1960. Os estudos foram retomados a partir de 1990, mas a quantidade é pequena. "Até esse estudo da USP, os resultados desse tipo de estimulação não eram muito convincentes. Talvez isso se modifique agora", afirma Marcelo Berlim, professor assistente do departamento de psiquiatria da Universidade McGill, em Montréal, Canadá, e diretor da clínica de neuromodulação da instituição.

"É um avanço importante, mas não significa que vamos usar amanhã na prática clínica. Precisamos de mais estudos", diz Brunoni. Berlim afirma que um dos entraves para que sejam feitas pesquisas maiores para a aprovação da técnica é a falta de investimento de grandes fabricantes do aparelho. "Como ele é simples e barato, não há interesse por parte da indústria em desenvolver pesquisas de milhões de dólares", afirma o psiquiatra.

Eletrochoque

Bobinas e eletrodos na cabeça não são exclusividade da estimulação elétrica por corrente contínua. Duas técnicas similares, que têm em comum a ausência de medicação, são usadas e aprovadas para depressão no país. A eletroconvulsoterapia, conhecida como eletrochoque, é a mais invasiva. O paciente recebe anestesia geral, e os eletrodos induzem uma corrente elétrica no cérebro que provoca a convulsão, alterando os níveis de neurotransmissores e neuromoduladores, como a serotonina.

Ela é indicada para depressão profunda e em situações em que o paciente não responde aos medicamentos. Seus efeitos cognitivos, porém, são indesejáveis e incluem perda de memória. Os defensores da técnica dizem que o problema é temporário.

Já a estimulação magnética é indolor e não requer anestesia, assim como a que usa corrente contínua. Uma bobina, que é apoiada na cabeça do paciente, gera um campo magnético que afeta os neurônios, ativando-os ou inibindo-os. As ondas penetram cerca de 2 cm.

Em maio de 2012, o CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovou a técnica para tratamento de depressões uni e bipolar (que pode causar oscilações de humor) e de alucinações auditivas em esquizofrenia e para planejamento de neurocirurgia. O IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP), centro pioneiro em pesquisas com estimulação magnética no país, estuda a aplicação para depressão desde 1999. "A estimulação por corrente contínua está hoje onde a estimulação magnética estava há 15 anos", afirma o psiquiatra André Brunoni.
A partir da Folha de S.Paulo. Leia no original

O ELO ENTRE ALZHEIMER E A DEPRESSÃO

1/12/2013
Cientistas brasileiros descobriram o mecanismo responsável pela associação entre doença de Alzheimer e depressão. Na prática clínica, observa-se que uma das manifestações psiquiátricas mais comuns do paciente com Alzheimer são transtornos depressivos, que também atuam como fatores de risco importantes para a doença degenerativa. O que não se conhecia até agora era o mecanismo molecular exato por trás dessa relação.

O estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concluiu que neurotoxinas chamadas oligômeros de abeta, presentes em maior quantidade no cérebro dos pacientes com Alzheimer, são capazes de levar a sintomas de depressão em camundongos. O tratamento desses roedores com antidepressivo reverteu o quadro depressivo e melhorou a memória.

A descoberta, que abre a possibilidade de investigar mais a fundo a eficácia da indicação de antidepressivos em fases iniciais do Alzheimer, foi publicada na revista Molecular Psychiatry, do mesmo grupo que publica a Nature. Os oligômeros, estruturas que se agregam formando bolinhas, atacam as conexões entre os neurônios, impedindo o processamento de informações. Como são solúveis no líquido que banha o cérebro, eles se difundem, atacando o órgão em várias regiões. Pesquisas anteriores demonstraram que os oligômeros são os principais responsáveis pela perda de memória nas fases iniciais da doença.

Para testar a hipótese de que eles também provocam depressão, os cientistas aplicaram a toxina nos cérebros de camundongos. Após 24 horas, os animais foram submetidos a testes que identificaram comportamentos depressivos. Mediante o tratamento com fluoxetina, o quadro foi revertido.

“Uma boa surpresa do estudo foi que a fluoxetina também teve efeitos positivos na memória”, diz um dos líderes do estudo, o pesquisador Sergio Ferreira, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

Segundo o neurologista Ivan Okamoto, membro da Academia Brasileira de Neurologia, quem não tem histórico de depressão e desenvolve um quadro depressivo com idade mais avançada tem de três a quatro vezes mais risco de desenvolver Alzheimer.

Agora, de acordo com Ferreira, o desafio é entender por que os oligômeros levam também à depressão. “Observamos que eles induzem uma reação inflamatória no cérebro dos animais. É possível que essa reação esteja levando à depressão, mas os dados ainda não permitem garantir isso.”

Para o neurologista Arthur Oscar Schelp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é difícil reproduzir o Alzheimer em modelos animais, por isso a transposição do que se descobre nos roedores para os seres humanos ainda é difícil. Ele observa que a depressão predispõe ao surgimento de muitas doenças.

A partir do Estadão. Leia no original


*   *   *
Ouça abaixo entrevista concedida pelo médico Rodrigo do Carmo Carvalho, dos hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz, à Rádio Joven Pan.

ENTÃO VOCÊ QUER SE MATAR ?

9/30/2012
Marcela Bossiger
Eu quero me matar, Marcela.

"Então você que ser matar? Porque ninguém liga pra você. Sua família te odeia. Certo? Não. Seu pais entram no seu quarto de manhã e encontram um cadáver. Se esforçam ao máximo para não pensar negativo, e pra pensar que você só está brincando. Então eles começam a te chacoalhar. Porque você não está respirando? Eles ficarão arrasados. Lágrimas. Muitas lágrimas. Mais lágrimas do que você já chorou sua vida inteira. Foram eles? Eles foram a razão de você ter feito aquilo? Mais lágrimas. Dor. Todo dia. Toda noite. Todo segundo do dia. Culpa. Mais culpa. E os seus melhores amigos? Eles não vão ligar. Certo? Não.

Qual será a primeira coisa que virá à mente deles quando o seu diretor entrar na sala e avisar à turma que você não está viva? Sua melhor amiga se senta aos prantos. Aquela garota para a qual você sorria mas com quem nunca conversava? Ela está chorando agora. O menino que te chutava debaixo da mesa só pra te irritar? Ficará chocado. Ficará devastado. Irá se culpar. E a sua professora? Pensamentos cruzando sua mente. Ela se perguntará se você se matou porque ela não tornou a escola confortável o bastante para você. Dor. Devastação. Tudo junto. Quem organiza seu funeral? 
'Curta cada minuto da sua vida como se fosse o último."

Quem vai pegar suas coisas? Roupas? Cadernos? Algumas das garotas mais velhas que costumavam te irritar na escola? Se sentirão arrependidas. Irão se culpar. Veja, se você se matar hoje, jamais saberá o que pode acontecer amanhã. Jamais saberá porque estará morta. Completamente morta. Sem respirar. Sem vida. Só morta. Sua família se odeia por isso. Sua melhor amiga entra em depressão. Lágrimas. Lágrimas. Mais lágrimas que em um rio. Tudo por que você se matou por pensar que ninguém ligava pra você. Certo? 


Você é amada. Por muitos. Alguém nesse instante está pensando em você. E agora, estou pensando em todos que pensaram ou estejam considerando o suicídio. Você é linda. Não importa se é negra, branca, homossexual, alta, baixa, gorda ou anoréxica. Você é linda. Quer se matar? Pense nisso antes. Não há volta. E eu juro que, se você o fizer, não estará apenas se ferindo; estará ferindo muitos. Está criando mais lágrimas do que já se permitiu chorar. Está tornando todo mundo infeliz e fazendo-os se sentir culpados e com dor. Eles jamais se sentirão plenos como se sentiam quando tinham você. Você é linda. E nunca está sozinha."

Depoimento no Ask. Leia o original
Desde que descobriu que estava com câncer,
 ela criou esta página no Facebook para
 compartilhar experiências com velhos e, cada vez mais, novos amigos

'FERIDAS DA ALMA' TRATA DAS ANGÚSTIAS HUMANAS

9/29/2012
A sociedade está em alerta. A cada ano aumenta o número de pessoas com alguma doença do grupo dos Transtornos do Humor. A depressão, por exemplo, é uma das doenças que mais incapacita pessoas no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior prevalência da doença no último ano, com 10,8% da população apresentando o distúrbio mental.  Já o transtorno Bipolar atinge cerca de seis milhões de pessoas no planeta.  

Diante dessas enfermidades que afetam drasticamente a sociedade, o Padre Reginaldo Manzotti, após ouvir relatos das angustias de milhares de pessoas, pesquisou muito sobre o tema. Apesar do aumento de casos no século XXI, ele descobriu que essas doenças não são males da modernidade. Elas vêm desde muito antes de Jesus Cristo, apenas não eram conhecidas com os nomes atuais.

Para alentar aqueles que sofrem desse mal, o padre, que reúne multidões, decidiu escrever o livro “Feridas da Alma”. A obra, que propõe uma reflexão sobre nossas angústias e afirma que para todos esses problemas há uma solução, foi lançado neste mês, em Curitiba (PR). No mais recente livro, Padre Reginaldo procura responder aos diversos questionamentos sempre com uma linguagem simples e otimista. “Quem já não sentiu os medos e dores da angustia, depressão e muitos males que afligem a nossa alma? O que nos mantém encurvados? O que tem sido um peso em nossos ombros e nos impede de termos uma posição de esperança e confiança? Qual é o impedimento para vivermos melhor? Essas são algumas das perguntas que tento desvendar”, explica. 

Ele acredita que não há inimigos para a fé. “A Palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo é atual e serve para todos nós. Ele nos diz: ‘mulher, homem, estás livre da tua doença. Eu te liberto da depressão. Eu te liberto da angustia. Eu te liberto desse jugo’”, completa o padre. 

Sobre Padre Reginaldo Manzotti

Uma figura religiosa de destaque no Brasil atualmente, o Padre Reginaldo Manzotti é natural de Paraíso do Norte, no interior paranaense. Nascido em 1969, foi ordenado sacerdote aos 25 anos. Atualmente, é pároco da Igreja Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba, e coordena a Associação Evangelizar é Preciso, que possui milhares de membros em todo o país. Já são 15 anos de sacerdócio em que, colocando-se como instrumento de Deus, o padre por suas palavras inspiradoras e seu carisma, atrai muitas pessoas . 

SAIA DO ESCURO. A DEPRESSÃO TEM TRATAMENTO

9/28/2012
Portugal lança no dia 1 de outubro sua nova campanha nacional sobre a depressão, contando com o apoio de várias sociedades científicas e associações de doentes. Sob o título de "Saia do escuro. A depressão tem tratamento", esta nova campanha englobará várias iniciativas relacionadas com uma patologia que afeta actualmente 20% da população portuguesa. O arranque inicia-se por várias cidades do país e que pode ser acompanhado através do site www.saiadoescuro.pt.

A depressão é uma das doenças psiquiátricas mais comuns na nossa sociedade, sendo que cerca de 20% dos portugueses sofrem desta patologia. A meta é alertar e esclarecer para os diversos tipos de depressão e salientar que esta doença tem tratamento.

A idéia original é dar cor ao cenário negro da depressão, como demonstra o cartaz da campanha, onde várias pessoas se juntam para colorir um muro onde estarão inscritos alguns sintomas da depressão.

Manifestando-se de forma diferente de pessoa para pessoa, a depressão não escolhe idade nem sexo, apresentando-se em várias dimensões ao nível dos sintomas emocionais, físicos e físicos dolorosos. Tristeza, desinteresse, falta de apetite, cansaço, falta de energia, insônia ou dores musculares e de costas, são alguns dos sintomas da depressão que não devem ser desvalorizados.

António Palha, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), revela que "a depressão é um flagelo que atinge cada vez mais portugueses como mostrou o estudo epidemiológico apresentado há dois anos onde se salienta a alta prevalência da depressão. A campanha «Saia do escuro. A depressão tem tratamento» dentro da perspectiva psico-educativa, pode ajudar aqueles que sofrem de depressão a perceberem que esta é uma doença tratável e que se os doentes forem bem acompanhados podem ter de fato uma melhor qualidade de vida."

Neste sentido, o presidente da SPPSM diz que "este tipo de campanha é de grande importância já que ajudam os doentes e as suas famílias a perceberem melhor o que é a depressão e como lidar com esta patologia, fazendo-os sentir que podem estar apoiados na doença. Por outro lado, é igualmente necessário, nos dias de hoje, a divulgação e identificação dos sintomas e, também, o respectivo tratamento."

João Relvas, presidente da Associação Portuguesa de Psiquiatria Biológica, explica que a compreensão da depressão passa pelo entendimento da interacção de diferentes factores biológicos, psicológicos, culturais e sociais e dos seus efeitos recíprocos.

"De uma maneira geral o grande público desconhece estes aspectos estando muitas vezes a depressão associada a fraqueza de carácter, falta de força de vontade e outros mitos que tendem a promover falsos conceitos e uma visão estereotipada que favorece a estigmatização da doença psiquiátrica em geral e da depressão em particular", enfatiza ainda.

Por outro lado, o médico destaca também que é importante dar a conhecer as diversas possibilidades de tratamento, mostrando que a remissão é possível. "O tratamento deve ser feito depois de uma avaliação clínica correcta. A terapêutica pode ter várias vertentes, das quais as principais são as medicações psicofarmacológicas e as psicoterapias, em particular a psicoterapia cognitivo-comportamental. Actualmente, a ênfase do tratamento é colocada na remissão e recuperação do episódio depressivo actual e na prevenção das recaídas e recorrências futuras. Os anti-depressivos têm um papel importante nesta estratégia terapêutica, devido aos seus menores efeitos secundários e a uma maior aceitação e adesão por parte dos doentes."

No idoso a depressão é também uma realidade, estando muitas vezes associada a casos de suicídio. Lia Fernandes, presidente da Associação Portuguesa de Gerontopsiquiatria, confirma que "a depressão é ainda o problema de saúde mental, mais frequentemente ligado ao suicídio na idade avançada. Contudo, nem todos os idosos que se suicidam estão deprimidos, e nem todos os deprimidos se suicidam. Apesar disto, detectar precocemente e tratar a depressão ajuda a reduzir o risco individual de suicídio. De facto, entre as causas mais frequentes de suicídio nos idosos em Portugal, destacam-se sobretudo as doenças físicas, institucionalização, viuvez, baixo suporte social e doenças psiquiátricas (depressão e alcoolismo). Só assim se compreende que o suicídio seja actualmente uma realidade em crescimento, nos mais velhos (correspondendo a ¼ do total de suicídios do país)."

Para Delfim Oliveira, presidente da Associação de Apoio aos Doente Depressivos e Bipolares (ADEB), "a doença depressiva pode ter graves consequências na qualidade de vida da pessoa, particularmente nos casos em que não é tratada adequadamente. Assim, acções como a campanha «Saia do escuro. A depressão tem tratamento» têm a capacidade de sensibilizar a população para a gravidade que a depressão tem no quotidiano dos doentes e, ao ser percebida como doença, criar maior receptividade para os tratamentos, por serem eficazes e melhor tolerados, que possibilitam mais ganhos de saúde e consequentemente maior qualidade de vida."

Na opinião de Filipa Palha, presidente da Encontrar-se, o negativismo associado à depressão é um dos principais problemas relacionados com a área da saúde mental. Neste sentido é fundamental ter uma atitude positiva de procurar ajuda e encarar a doença com normalidade: "o estigma associado à doença mental ainda é um dos maiores obstáculos à promoção da saúde mental. Desta forma é fundamental combater todos os preconceitos e negativismo associados a problemas mentais e encará-los como qualquer outro tipo de problema de saúde. Aceitando sem vergonha, procurando ajuda e tratamento. Infelizmente, os doentes depressivos ainda têm receio de serem rejeitados, rotulados, discriminados, não respeitados. Poucas pessoas têm a coragem de partilhar as suas experiências, de demonstrar que não perderam a sua identidade e que, apesar de tudo, continuam o seu percurso de vida dentro da normalidade."

DEPRESSÃO E ESTRESSE PODEM ENCOLHER O CÉREBRO

9/25/2012
A depressão grave e o estresse crônico podem encolher o cérebro, bloqueando a formação de novas conexões nervosas. Isso foi o que apontou um estudo americano divulgado no jornal Daily Mail. Segundo a pesquisa, esses problemas interrompem circuitos associados com o funcionamento mental e emotivo.

Isso poderia explicar porque pessoas com grande transtorno depressivo sofrem de perda de concentração e memória e têm suas respostas emocionais prejudicadas. De acordo com os cientistas, esses pacientes apresentam vários genes envolvidos na construção das sinapses, pontos de conexão entre as células cerebrais, suprimidos. Esse processo contribuiria para a retração do córtex pré-frontal do cérebro.

Os pesquisadores analisaram o tecido cerebral de pacientes que morreram após serem diagnosticados com grande transtorno depressivo. Eles descobriram sinais moleculares de atividade reduzida em genes necessários para a função e estrutura das sinapses no cérebro. As evidências apontam para o envolvimento de um único "interruptor" genético, ou fator de transcrição, uma proteína chamada GATA1.

"Nós queríamos testar a ideia de que o estresse provoca uma perda de sinapses cerebrais em humanos. Então, mostramos que os circuitos normalmente envolvidos na cognição são interrompidos quando este fator de transcrição único é ativado", afirmou Ronald Duman, professor da Universidade de Yale e líder do estudo. A pesquisa foi publicada na última edição da revista Nature Medicine.

Outros estudos em ratos mostraram que quando GATA1 foi ligada, os roedores mostraram sinais de depressão. Isso sugere que a perda de sinapses no cérebro pode estar ligada a sintomas depressivos, bem como perturbações mentais. "Esperamos que através do reforço de conexões sinápticas, seja com medicamentos novos ou terapia comportamental, poderemos desenvolver terapias antidepressivas mais eficazes", acrescentou Duman.
A partir do Portal Terra. Leia no original

TEMPESTADES DO CORPO E DA ALMA

7/18/2012
Desde 2009 o psiquiatra Rodrigo Bressan e outros pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) acompanham um grupo de adolescentes com alto risco de desenvolver doenças mentais graves como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Eles querem descobrir o momento adequado para agir antes que os problemas se manifestem e, assim, tentar evitar que se instalem. Ao mesmo tempo, procuram ensinar os adolescentes e seus familiares a lidar com situações estressantes que podem disparar as crises. Assim que possível, Bressan e os psiquiatras Elisa Brietzke e Ary Araripe Neto querem ver se compostos anti-inflamatórios, antioxidantes ou neurotróficos poderiam proteger as células cerebrais e, quem sabe, reduzir o risco de desenvolver essas doenças mentais.

A estratégia de tentar proteger o cérebro com esses e outros compostos se baseia na hipótese de que os neurônios e outras células cerebrais sofrem danos gradativos a partir do primeiro episódio mais intenso da doença – há quem suspeite de que os danos podem começar até mesmo antes. Estudos recentes indicam que nesses distúrbios o cérebro produz certos compostos em níveis nocivos que atrapalham o funcionamento das células e podem causar danos irreparáveis à medida que se sucedem, levando à deterioração das capacidades de raciocínio, planejamento e aprendizagem e até a uma alteração leve e definitiva do humor. Simultaneamente ao aumento na concentração dessas substâncias, haveria também uma diminuição nos de compostos neuroprotetores naturalmente produzidos pelo organismo.

Um dos pesquisadores que ajudou a desenvolver essa hipótese é o psiquiatra Flávio Kapc-zinski, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Translacional. Ele está convencido de que a evolução dramática dos casos graves de transtorno bipolar e de depressão é consequência de alterações fisiológicas causadas pelas crises recorrentes.

As crises que de tempos em tempos atormentam a mente também intoxicam o corpo, acredita Kapc-zinski. Elas seriam como tempestades químicas que desfazem o equilíbrio das células cerebrais e liberam compostos que, carregados pelo sangue, inundariam o organismo – às vezes levando a um grau de intoxicação quase tão grave como o enfrentado por quem desenvolve uma infecção generalizada (sepse). Repetidas ao longo de anos ou décadas, essas avalanches tóxicas precipitadas por surtos de depressão ou de mania produziriam um desgaste lento e progressivo do cérebro e de todo o corpo, reduzindo a capacidade de recuperação e acelerando o processo de envelhecimento.

Kapczinski começou a elaborar esse modelo teórico com base em experimentos feitos por sua equipe e por outros grupos para explicar como e por que a depressão e o transtorno bipolar, uma vez instalados e sem o tratamento adequado, seguem um padrão de agravamento progressivo que pode culminar com a morte precoce por problemas cardiovasculares e até câncer. De acordo com o modelo, as outras doenças que aparentemente nada têm a ver com o que se passa no cérebro poderiam evoluir como resultado dos desequilíbrios orgânicos gerados pelos episódios severos de depressão e mania.

Apresentada inicialmente em 2008 na Neuroscience and Behavioral Reviews, essa hipótese vem ganhando reconhecimento internacional. No último ano os estudos de Kapczinski já foram citados cerca de mil vezes em outros trabalhos. O psiquiatra australiano Michael Berk, da Universidade de Melbourne, acompanha essas pesquisas e, com Kapczinski, chamou esse novo modelo de neuroprogressão.

“Sabemos que esses distúrbios são progressivos e essa proposta teórica explica por quê”, diz Berk. Para ele, a interpretação de que essas doenças se agravam a cada surto pode gerar um impacto importante no tratamento por indicar a necessidade de diagnóstico e intervenção precoce e por sugerir que terapias neuroprotetoras possam atenuar o efeito desses problemas.

 “A ideia está posta”, diz o pesquisador da UFRGS. “Agora é possível trabalhar para tentar confirmá-la ou refutá-la.” Ele sabe que o modelo é ousado e que é necessário reunir mais evidências para demonstrar que ele representa de modo adequado a evolução da depressão e do transtorno bipolar. “Temos trabalho para umas duas décadas”, diz Kapczinski.

Conceito e realidade
Segundo alguns especialistas, o conceito de neuroprogressão explica bem os sintomas clínicos, mas é possível questionar se essas alterações biológicas de fato ocorrem, uma vez que as evidências ainda são incipientes. Exames de imagens que indicam redução no volume de algumas áreas cerebrais em geral são feitos com pacientes de idades diferentes, que passaram por números distintos de surtos de mania e depressão. Provas mais consistentes exigiriam o acompanhamento de pacientes por vários anos, com a realização de exames de tempos em tempos para avaliar a evolução do problema.

Ainda que esteja longe de ser comprovada, essa proposta está abrindo caminhos para a busca de terapias mais específicas e eficientes e para o desenvolvimento de estratégias que permitam identificar precocemente as pessoas com risco de desenvolver esses problemas, como vem fazendo a equipe da Unifesp.

Se estiver correta, pode ajudar a entender como uma doença que de início se manifesta com um quadro relativamente benigno, em alguns anos deteriora a capacidade de raciocínio, planejamento e aprendizagem e altera definitivamente o humor a ponto de impedir uma pessoa de levar uma vida normal, como Kapczinski e outros médicos estão habituados a ver.

“Esse é um dos múltiplos mecanismos de progressão da doença”, afirma o psiquiatra norte-americano Robert Post, autoridade internacional em transtorno bipolar. “A evidência mais clara [de que pode estar correto] é que o número de episódios precedentes de depressão ou mania está correlacionado com o grau de disfunção cognitiva”, afirma Post, com quem Kapczinski colabora desde 2008.

Em um artigo publicado em maio deste ano no Journal of Psychiatric Research, Post, Kapczinski e Jaclyn Fleming analisaram quase 200 trabalhos com evidências de que a disfunção cognitiva aumenta, as alterações em algumas regiões cerebrais se intensificam e o tratamento perde eficiência à medida que cresce o número de crises e a duração da doença. No artigo, os pesquisadores reconhecem que não é possível saber se toda essa transformação é causa ou consequência da doença. Mas sugerem que, do ponto de vista clínico, parece prudente pensar em iniciar o tratamento o mais cedo possível e mantê-lo por um período mais prolongado.

“De acordo com essa visão, um surto de mania ou depressão pode ser entendido da mesma forma que o infarto”, diz Elisa Brietzke, ex-orientanda de Kapczinski. “Todos são eventos agudos, resultado de alterações que surgiram no organismo bem antes.” Ante essa interpretação, completa Araripe, “o objetivo do tratamento deixa de ser apenas a remissão dos sintomas e passa a ser evitar a recaída e auxiliar na manutenção da capacidade funcional”.

Danos às células
O modelo sobre a progressão das doenças mentais proposto por Kapczinski e seus colaboradores representa um avanço em relação aos anteriores. A proposta teórica mais aceita considera os transtornos mentais resultado da interação entre as condições sociais, econômicas, psicológicas e culturais em que o indivíduo vive (os fatores ambientais) e sua propensão a desenvolver o problema, determinado por suas características genéticas.

Essa abordagem mais antiga começou a ser construída há uma década pelos psicólogos Avshalom Caspi e Terrie Moffit, pesquisadores do King’s College, em Londres, a partir dos resultados de estudos em que acompanharam 1.037 crianças dos 3 anos de idade até os 26 anos. Nesses trabalhos, eles observaram que certas alterações em genes responsáveis pela produção de mensageiros químicos do cérebro (neurotransmissores) aumentavam o risco de uma pessoa desenvolver comportamento antissocial ou depressão.

Além da influência dos genes e do ambiente, Kapczinski e seus colaboradores incluem no modelo novo um terceiro elemento: os danos às células do cérebro e de outros órgãos causados pelos surtos da própria doença psiquiátrica. Esses surtos em geral se iniciam como uma resposta do organismo a um evento estressante, que pode ser intenso e breve, como um assalto a mão armada, ou mais ameno e duradouro, a exemplo daquele vivido por quem trabalha o tempo todo sob tensão. Repetidos muitas vezes, os episódios de mania ou de depressão acabariam por minar a capacidade do corpo de lidar com novos eventos estressantes. “Nossa hipótese é que a doença se realimenta”, conta Kapczinski.

Essa proposta parece explicar melhor o agravamento dos distúrbios psiquiátricos marcados por crises sucessivas, como a depressão e o transtorno bipolar. Nessas enfermidades, a influência de fatores ambientais sobre a propensão genética seria fundamental para disparar os primeiros episódios de mania ou de depressão. Mas esses fatores perderiam importância à medida que a doença avança e os surtos se tornam cada vez mais frequentes e prolongados – em alguns casos, mesmo com o uso de medicamentos – e o intervalo entre eles menores. Com o tempo, em geral a partir da décima crise, os surtos ganham autonomia e podem se tornar independentes das condições estressantes que antes os disparavam (ver infográfico).

Tormenta química
Transtorno bipolar
Há tempos se sabe que em cada episódio leve ou intenso de estresse, provocado por um perigo real ou imaginado, o organismo reage liberando o hormônio cortisol. Produzido por glândulas situadas sobre os rins e lançado na corrente sanguínea em pequenas quantidades e por pouco tempo, o cortisol aumenta os batimentos cardíacos, eleva a pressão arterial e acelera a produção de energia. Enfim, prepara o corpo para fugir do perigo ou enfrentá-lo. Mas, em doses altas e por períodos prolongados como pode acontecer antes das crises, o cortisol começa a lesar os órgãos, entre eles o cérebro (ver Pesquisa FAPESP n° 129).

Pouco tempo atrás pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos verificaram que, no interior das células cerebrais, em especial os neurônios, os níveis elevados de cortisol danificam as mitocôndrias, compartimentos em que o açúcar dos alimentos é convertido em energia. E danos nas mitocôndrias significam problema na certa. Elas produzem 85% da energia que as células consomem para se manterem vivas. Ainda que de modo indireto, o excesso de cortisol faz surgirem poros nas paredes das mitocôndrias, por onde vazam compostos tóxicos que avariam os lipídeos e as proteínas e alteram a estrutura da molécula de DNA no núcleo das células. Toda essa transformação aciona os mecanismos de apoptose, a morte celular programada.

Por meio de uma técnica que permite avaliar as milhares de proteínas produzidas pelo organismo em certo momento, o biólogo brasileiro Daniel Martins-de-Souza, pesquisador do Instituto Max Planck para Psiquiatria, na Alemanha, também obteve indícios de que o funcionamento dessas organelas está alterado nas doenças psiquiátricas. Em especial, na depressão verificou diferenças na fase final da produção de energia, a chamada fosforilação oxidativa ou respiração celular, que ocorre no interior das mitocôndrias.

As consequências dos danos às mitocôndrias não se restringem às células. Os compostos liberados por elas alcançam a corrente sanguínea e ativam proteínas do sistema de defesa que disparam a inflamação, como a interleucina-6 (IL-6), a interleucina-10 (IL-10) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa). Chegando ao cérebro, essas proteínas ativam outras reações bioquímicas que causam a morte de mais neurônios. Segundo Kapczinski, esse processo realimenta a destruição celular, reforçada por outro fenômeno típico do transtorno bipolar: a superprodução do neurotransmissor dopamina, que também aciona a apoptose.

Foi medindo os níveis desses compostos no sangue que o grupo de Kapczinski identificou um fenômeno ao qual pouco se dava atenção: os surtos causam uma toxicidade sistêmica. Segundo ele, durante os episódios de mania e depressão, o nível de compostos associados à inflamação era bem mais elevado que o normal no sangue de pessoas com transtorno bipolar – em alguns casos, era semelhante ao de pessoas internadas em unidade de terapia intensiva com infecção generalizada (sepse).

Em roedores, já foi demonstrado que a toxicidade que se vê no sangue corresponde às alterações nas células cerebrais. Mas isso ainda precisa ser comprovado em seres humanos. “O melhor teste para comprovar os efeitos tóxicos dos episódios seria fazer uma intervenção para evitá-los e verificar se essa intervenção seria capaz de evitar alterações neurobiológicas”, diz Post.

A maioria das células parece sobreviver a essa tormenta química, ainda que com danos. Imagens do cérebro em funcionamento e exames de microscopia do tecido cerebral post mortem indicam que, nas crises de mania ou de depressão, algumas regiões perdem 10% a 20% mais neurônios do que em condições normais. De acordo com psiquiatras e neurologistas, esse nível de perda não é suficiente para classificar os transtornos de humor como doenças neurodegenerativas. Tanto no transtorno bipolar como na depressão o problema maior é que os neurônios que sobrevivem não permanecem íntegros: eles aparentemente perdem prolongamentos chamados neuritos, que os conectam com outros neurônios.

Muitos pesquisadores da área acreditam que é a perda de conectividade neuronal que compromete o funcionamento das regiões cerebrais mais afetadas nos distúrbios do humor. O fato de serem alterações sutis pode explicar por que o neuropatologista alemão Alois Alzheimer, que descreveu 100 anos atrás os danos neuronais típicos da doença que leva seu nome, não encontrou alterações importantes no cérebro de pessoas com depressão – razão por que se passou a dizer na época que a neuropatologia era o túmulo dos psiquiatras. “Apesar de sutis, essas transformações seriam suficientes para causar uma reorganização patológica do cérebro”, afirma Kapczinski.

As transformações anatômicas do cérebro nas doenças do humor começaram a ficar evidentes há cerca de 10 anos, quando Grazyna Rajkowska e seu grupo na Universidade do Mississípi verificaram uma redução no volume do córtex pré-frontal de pessoas com depressão. A diminuição de volume nessa área e também na região dos ventrículos vem sendo confirmada por exames de imagem também no transtorno bipolar. Localizado na parte anterior do cérebro, o córtex pré-frontal é responsável pela estruturação do raciocínio, pela tomada de decisões e pelo controle do comportamento. Essa alteração morfológica permite explicar por que, com o avanço da doença, quem tem transtorno bipolar perde progressivamente a capacidade de planejamento e aprendizado. Essas pessoas também se tornariam mais impulsivas e suscetíveis às emoções por ocorrer simultaneamente um aumento do volume da amígdala, que coordena a resposta ao medo e às emoções negativas.

Hipótese em formação
Kapczinski começou a colecionar evidências de que uma tormenta química se instala no organismo de quem sofre de transtorno bipolar em 1997, quando retornou de seu doutorado na Inglaterra e de um período de estágio no Canadá. Na época o grupo chefiado por ele no Laboratório de Psiquiatria Molecular da UFRGS havia notado que pessoas com transtorno bipolar, além das alterações psicológicas e cognitivas em geral observadas pelos psiquiatras, apresentavam no sangue níveis elevados de compostos que indicam danos nas células cerebrais e taxas baixas de fatores que protegem essas células. “As moléculas que estudamos funcionam como biomarcadores [indicadores de alterações biológicas] que permitem distinguir se a doença se encontra num estágio inicial ou avançado”, afirma Kapczinski.

E conhecer o estágio da doença é importante para se indicar o tratamento adequado – e essa nova hipótese pode ajudar a aprimorar o uso dos medicamentos. Há evidências de que o controle da enfermidade logo após os primeiros episódios de depressão ou de euforia preserve a capacidade de recuperação do organismo, impedindo a degradação psicológica e cognitiva. Os medicamentos – estabilizadores do humor, antidepressivos, antipsicóticos e anticonvulsivos, usados sozinhos ou em combinação – em geral são eficazes em 80% dos casos de transtorno bipolar e de depressão e, comprovadamente, produzem efeito neuroprotetor, em especial o lítio, um estabilizador do humor barato e eficiente, que antes era usado para combater estresse, gota e pedras no rim.

Mas os psiquiatras nem sempre conseguem acertar a medicação e a dose na primeira tentativa. Um estudo norte-americano recente, conduzido por pesquisadores da Escola Médica Mount Sinai com 4.035 pessoas com transtorno bipolar, verificou que 40% delas, em especial aquelas com quadros depressivos mais graves, só conseguiam manter a doença sob controle tomando três ou mais medicamentos.

Kapczinski acredita que, em geral, essas doenças atingem um estágio muito mais difícil de ser controlado após a décima crise, que costuma ocorrer por volta de 10 anos após as primeiras manifestações da doença. Por essa razão, os psiquiatras consideram fundamental iniciar o tratamento com medicamentos o mais cedo possível. Também já se havia observado que o lítio, um dos medicamentos mais usados para tratar o transtorno bipolar, perde eficácia após o décimo surto (ver gráfico).

As pessoas com transtorno mental normalmente só vão ao psiquiatra muito tempo depois de surgirem os primeiros sinais da doença. Podem correr anos até um especialista fazer o diagnóstico correto e receitar os medicamentos adequados. No caso do transtorno bipolar, o período decorrido entre a primeira manifestação do problema e início do tratamento varia de 5 a 10 anos, tempo suficiente para surgirem complicações no trabalho, na convivência com a família e os amigos e a vida se desestruturar.

As partes e o todo
Foi analisando as variações nos níveis desses biomarcadores no sangue de pacientes que Kapc-zinski sentiu necessidade de buscar uma explicação mais abrangente, que permitisse associar os sinais clínicos da doença às alterações fisiológicas e anatômicas que a ciência começava a detectar no cérebro de pessoas com transtorno bipolar, que em média atinge 1% da população – calcula-se que até 8% possam apresentar formas mais leves –, e outro distúrbio do humor bem mais comum: a depressão maior ou unipolar, que quase 15% dos adultos desenvolvem ao longo da vida.

Kapczinski viu que não estava satisfeito com o que tinha em mãos quando recebeu um convite para apresentar os resultados de seu grupo em um simpósio internacional no Hospital Clínic de Barcelona, na Espanha, em meados de 2006. “Faltava uma cola teórica que mostrasse como os dados se encaixavam”, diz Kapczinski.

Ele e sua equipe haviam coletado amostras de sangue de pessoas com transtorno bipolar durante os períodos em que se experimentam os estados extremos de humor, que variam de uma tristeza intensa e baixa autoestima a uma grande vitalidade e energia muito além do normal. Em uma bateria de testes, o psiquiatra Angelo Miralha da Cunha, então na UFRGS, observou um fenômeno novo tanto nas crises depressivas como nos episódios de mania: os níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), de ação neuroprotetora, eram ao menos 25% mais baixos do que nas pessoas que não apresentavam o transtorno ou que o mantinham sob controle com a ajuda de medicamentos.

Ao mesmo tempo, Ana Cristina Andreazza e Elisa Brietzke, que integravam a equipe de Kapc-zinski, detectaram taxas mais elevadas de proteínas indicadoras de inflamação, além de níveis mais altos de radicais livres, moléculas altamente reativas, com potencial para lesar as células, durante os períodos de alteração do humor. Esses dados sugeriam que o sangue poderia guardar pistas do que se passava no cérebro. Mas, àquela altura, não era possível saber com segurança o que essa alteração significava nem por que ocorria.

Cola teórica
Kapczinski encontrou a cola teórica que procurava nos estudos do neurocientista norte-americano Bruce McEwen. Em 2000 McEwen havia proposto a hipótese de que situações estressantes obrigam o organismo a fazer ajustes para recuperar a estabilidade perdida. McEwen chamou essa adaptação de alostase, uma mudança necessária para restabelecer o equilíbrio (homeostase). E disse mais. Ao longo do tempo essa adaptação cobrava um preço: causava o desgaste do organismo.

As propostas teóricas do psiquiatra Robert Post completavam essa ideia. Na década de 1980, Post havia sugerido que os sinais clínicos do transtorno bipolar se tornariam mais intensos a cada crise, em consequência da maior sensibilidade dos circuitos cerebrais afetados nos episódios anteriores. O fenômeno, chamado em inglês de kindling, havia sido descoberto duas décadas antes por Graham Goddard, neurocientista inglês que estudava a epilepsia. Durante testes com roedores, Goddard notou que estímulos elétricos de baixa intensidade, inicialmente incapazes de causar danos ao animal, passavam a disparar crises epilépticas depois de repetidos algumas vezes – sinal de que o cérebro havia se tornado mais sensível.

“A partir desses experimentos, outros autores começaram a conceituar a ideia de que o cérebro aprendia a ficar doente também em outras situações, em especial no transtorno bipolar”, conta o neurofisiologista Luiz Eugenio Mello, da Unifesp. “De acordo com essa ideia, modificações no sistema nervoso central, possivelmente no nível das sinapses [conexões entre as células cerebrais], seriam capazes de transformar um cérebro pouco doente em muito doente”, explica.

Ao analisar seus dados à luz da ideia de alostase e de sensibilização – mais tarde reunidas no conceito de neuroprogressão –, Kapczinski encontrou o vínculo entre o que seu grupo havia observado e as alterações de volume em algumas áreas do cérebro que equipes estrangeiras detectavam. Essa unificação de conceitos poderia explicar a origem dos sinais clínicos característicos dessas doenças e, além disso, por que as pessoas com transtorno bipolar e depressão podem morrer entre 25 e 30 anos mais cedo do que as pessoas sem distúrbios psiquiátricos. Uma proporção maior das pessoas com transtorno bipolar e depressão desenvolve câncer e problemas cardiovasculares.

Por influência do neurocientista Iván Izquierdo, Kapczinski fez algo pouco comum na área da saúde no Brasil: a formulação de uma teoria para explicar o desenvolvimento e os desdobramentos de doenças psiquiátricas. Como toda tentativa de reproduzir uma realidade a partir dos fragmentos que podem ser identificados e medidos, o modelo teórico idealizado pelo grupo gaúcho continua em constante aperfeiçoamento. Desde a apresentação em Barcelona, Kapczinski e seus colaboradores no Brasil, na Austrália, nos Estados Unidos e na Espanha trabalham para aprimorar essa proposta teórica e ver se estão no caminho certo.

O próprio Kapczinski está pondo sua hipótese à prova ao testar em camundongos uma versão modificada do antidepressivo tianeptina, desenvolvida na UFRGS, com o propósito de aumentar a proteção dos neurônios. Outra forma de verificar se a hipótese está correta é examinar as alterações químicas e celulares em amostras de bancos de encéfalos de pessoas com doenças psiquiátricas, como o que os psiquiatras Beny Lafer e Helena Brentani estão organizando na Faculdade de Medicina da USP. Em outra linha de trabalho, Lafer iniciou recentemente um teste clínico com suplementos do aminoácido creatina, que deve melhorar o funcionamento das mitocôndrias e também pode aumentar a proteção celular.

Ana Cristina Andreazza, atualmente pesquisadora da Universidade de Toronto, onde investiga os efeitos do mau funcionamento das mitocôndrias nas células cerebrais, lembra que uma dieta adequada e rica de antioxidantes também pode ajudar na proteção cerebral.

“A hipótese da neuroprogressão é um dos modelos importantes hoje em dia para explicar a progressão dessas doenças”, comenta Lafer, colaborador do grupo gaúcho. “Há outras hipóteses, baseadas na genética, na interação entre genes e ambiente e na inflamação, mas ainda não existe consenso.”

A partir da Revista Fapesp. Leia no original
Artigos científicos
1 KAPCZINSKI, F. et al. Allostatic load in bipolar disorder: Implications for pathophysiology and treatmentNeuroscience and Behavioral Reviews. v. 32, p. 675-92. 2008.

2 BERK, M. et al. Pathways underlying neuroprogression in bipolar disorder: Focus on inflammation, oxidative stress and neurotrophic factorsNeuroscience and Behavioral Reviews. v. 35, p. 804-17. 2011.

 
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