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DEPRESSÃO AOS 50 AUMENTA RISCO DE ALZHEIMER

7/14/2013
A depressão, especialmente a não tratada, é fator de risco para a doença de Alzheimer da mesma forma que a pressão alta aumenta o risco de infarto. E esse risco aumenta consideravelmente nos casos de depressão após os 50 anos de idade. A conclusão é de uma meta-análise de 23 estudos envolvendo 50 mil pessoas publicada esta semana pelo British Journal of Psychiatry e que tem o brasileiro Breno Satler Diniz como um de seus principais autores. Diniz é colaborador do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e professor adjunto do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo mereceu destaque no jornal The New York Times.

Imagem : sxc.hu
A pesquisa mostra que pessoas com mais de 50 anos com depressão têm chances 65% maiores de desenvolver Alzheimer e duas vezes mais risco de ter demências vasculares no futuro. Isso significa que 31 a cada 50 depressivos nessa faixa de idade podem ter Alzheimer e 36 a cada 50 podem sofrer de demência vascular.

“Não é uma relação de causa e efeito, mas uma associação importante,” afirma o pesquisador. “Depressão não é uma doença benigna que afeta apenas o humor, mas uma doença com consequências sérias”, alerta. A depressão eleva os níveis de cortisol, que age sobre o hipocampo, em áreas responsáveis pelo aprendizado e memória de curto prazo. Além disso, ela produz inflamação crônica que afeta os vasos sanguíneos do cérebro e reduz os níveis de fatores neurotróficos, substâncias que protegem os neurônios.

“Importante ressaltar que a depressão não é único fator de risco para essas doenças, mas é um componente de peso”, explica Diniz, destacando a necessidade de tratamento. O próximo passo da pesquisa é entender e detalhar como isso acontece e determinar que marcadores biológicos estão envolvidos no processo.

O estudo pode ser lido através deste link.

DEPRESSÃO: USP TESTA TRATAMENTO COM CHOQUE

3/06/2013
Pesquisadores da USP testam uma alternativa indolor, de baixo custo e com poucos efeitos colaterais para o tratamento da depressão. Trata-se da estimulação com corrente elétrica contínua. E, ao que indica um estudo publicado pelo grupo no "Jama Psychiatry", revista da Associação Médica Americana, a técnica é eficaz.

Na pesquisa, 120 pessoas com depressão foram divididas em grupos para avaliar a eficácia da técnica, do antidepressivo sertralina (um inibidor da recaptação da serotonina) e da combinação dos dois tratamentos. Drogas e estimulação tiveram resultados similares e, juntas, um resultado ainda melhor. Entre os que usaram as terapias combinadas, 63% tiveram alguma melhora. Desses, 46% tiveram remissão, ou seja, a ausência completa de sintomas.

Segundo André Brunoni, psiquiatra do Hospital Universitário da USP e principal autor da pesquisa, esse é o primeiro estudo a comparar o tratamento com antidepressivos e a combiná-los. A explicação para o sucesso dessa soma ainda precisa ser confirmada por exames de imagem, mas os pesquisadores imaginam que a estimulação e o remédio atuem em diferentes regiões do cérebro ligadas à depressão. A técnica, ainda experimental, tem poucos efeitos colaterais (no estudo, foram observados vermelhidão na área da cabeça onde os eletrodos foram posicionados e sete episódios de mania) e custo relativamente baixo.

O aparelho é simples de ser fabricado, pode ser portátil e custa de R$ 500 a R$ 1.000, segundo Brunoni. Um aparelho de estimulação magnética transcraniana (técnica de neuromodulação não invasiva mais estudada e que recebeu o aval para depressão no Brasil em 2012) chega a custar de US$ 30 mil a US$ 50 mil (R$ 59 mil a R$ 119 mil).

Convincente

A estimulação por corrente contínua não é novidade --pesquisas em humanos para depressão e esquizofrenia são feitas desde a década de 1960. Os estudos foram retomados a partir de 1990, mas a quantidade é pequena. "Até esse estudo da USP, os resultados desse tipo de estimulação não eram muito convincentes. Talvez isso se modifique agora", afirma Marcelo Berlim, professor assistente do departamento de psiquiatria da Universidade McGill, em Montréal, Canadá, e diretor da clínica de neuromodulação da instituição.

"É um avanço importante, mas não significa que vamos usar amanhã na prática clínica. Precisamos de mais estudos", diz Brunoni. Berlim afirma que um dos entraves para que sejam feitas pesquisas maiores para a aprovação da técnica é a falta de investimento de grandes fabricantes do aparelho. "Como ele é simples e barato, não há interesse por parte da indústria em desenvolver pesquisas de milhões de dólares", afirma o psiquiatra.

Eletrochoque

Bobinas e eletrodos na cabeça não são exclusividade da estimulação elétrica por corrente contínua. Duas técnicas similares, que têm em comum a ausência de medicação, são usadas e aprovadas para depressão no país. A eletroconvulsoterapia, conhecida como eletrochoque, é a mais invasiva. O paciente recebe anestesia geral, e os eletrodos induzem uma corrente elétrica no cérebro que provoca a convulsão, alterando os níveis de neurotransmissores e neuromoduladores, como a serotonina.

Ela é indicada para depressão profunda e em situações em que o paciente não responde aos medicamentos. Seus efeitos cognitivos, porém, são indesejáveis e incluem perda de memória. Os defensores da técnica dizem que o problema é temporário.

Já a estimulação magnética é indolor e não requer anestesia, assim como a que usa corrente contínua. Uma bobina, que é apoiada na cabeça do paciente, gera um campo magnético que afeta os neurônios, ativando-os ou inibindo-os. As ondas penetram cerca de 2 cm.

Em maio de 2012, o CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovou a técnica para tratamento de depressões uni e bipolar (que pode causar oscilações de humor) e de alucinações auditivas em esquizofrenia e para planejamento de neurocirurgia. O IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP), centro pioneiro em pesquisas com estimulação magnética no país, estuda a aplicação para depressão desde 1999. "A estimulação por corrente contínua está hoje onde a estimulação magnética estava há 15 anos", afirma o psiquiatra André Brunoni.
A partir da Folha de S.Paulo. Leia no original

O ELO ENTRE ALZHEIMER E A DEPRESSÃO

1/12/2013
Cientistas brasileiros descobriram o mecanismo responsável pela associação entre doença de Alzheimer e depressão. Na prática clínica, observa-se que uma das manifestações psiquiátricas mais comuns do paciente com Alzheimer são transtornos depressivos, que também atuam como fatores de risco importantes para a doença degenerativa. O que não se conhecia até agora era o mecanismo molecular exato por trás dessa relação.

O estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concluiu que neurotoxinas chamadas oligômeros de abeta, presentes em maior quantidade no cérebro dos pacientes com Alzheimer, são capazes de levar a sintomas de depressão em camundongos. O tratamento desses roedores com antidepressivo reverteu o quadro depressivo e melhorou a memória.

A descoberta, que abre a possibilidade de investigar mais a fundo a eficácia da indicação de antidepressivos em fases iniciais do Alzheimer, foi publicada na revista Molecular Psychiatry, do mesmo grupo que publica a Nature. Os oligômeros, estruturas que se agregam formando bolinhas, atacam as conexões entre os neurônios, impedindo o processamento de informações. Como são solúveis no líquido que banha o cérebro, eles se difundem, atacando o órgão em várias regiões. Pesquisas anteriores demonstraram que os oligômeros são os principais responsáveis pela perda de memória nas fases iniciais da doença.

Para testar a hipótese de que eles também provocam depressão, os cientistas aplicaram a toxina nos cérebros de camundongos. Após 24 horas, os animais foram submetidos a testes que identificaram comportamentos depressivos. Mediante o tratamento com fluoxetina, o quadro foi revertido.

“Uma boa surpresa do estudo foi que a fluoxetina também teve efeitos positivos na memória”, diz um dos líderes do estudo, o pesquisador Sergio Ferreira, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

Segundo o neurologista Ivan Okamoto, membro da Academia Brasileira de Neurologia, quem não tem histórico de depressão e desenvolve um quadro depressivo com idade mais avançada tem de três a quatro vezes mais risco de desenvolver Alzheimer.

Agora, de acordo com Ferreira, o desafio é entender por que os oligômeros levam também à depressão. “Observamos que eles induzem uma reação inflamatória no cérebro dos animais. É possível que essa reação esteja levando à depressão, mas os dados ainda não permitem garantir isso.”

Para o neurologista Arthur Oscar Schelp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é difícil reproduzir o Alzheimer em modelos animais, por isso a transposição do que se descobre nos roedores para os seres humanos ainda é difícil. Ele observa que a depressão predispõe ao surgimento de muitas doenças.

A partir do Estadão. Leia no original


*   *   *
Ouça abaixo entrevista concedida pelo médico Rodrigo do Carmo Carvalho, dos hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz, à Rádio Joven Pan.

ENTÃO VOCÊ QUER SE MATAR ?

9/30/2012
Marcela Bossiger
Eu quero me matar, Marcela.

"Então você que ser matar? Porque ninguém liga pra você. Sua família te odeia. Certo? Não. Seu pais entram no seu quarto de manhã e encontram um cadáver. Se esforçam ao máximo para não pensar negativo, e pra pensar que você só está brincando. Então eles começam a te chacoalhar. Porque você não está respirando? Eles ficarão arrasados. Lágrimas. Muitas lágrimas. Mais lágrimas do que você já chorou sua vida inteira. Foram eles? Eles foram a razão de você ter feito aquilo? Mais lágrimas. Dor. Todo dia. Toda noite. Todo segundo do dia. Culpa. Mais culpa. E os seus melhores amigos? Eles não vão ligar. Certo? Não.

Qual será a primeira coisa que virá à mente deles quando o seu diretor entrar na sala e avisar à turma que você não está viva? Sua melhor amiga se senta aos prantos. Aquela garota para a qual você sorria mas com quem nunca conversava? Ela está chorando agora. O menino que te chutava debaixo da mesa só pra te irritar? Ficará chocado. Ficará devastado. Irá se culpar. E a sua professora? Pensamentos cruzando sua mente. Ela se perguntará se você se matou porque ela não tornou a escola confortável o bastante para você. Dor. Devastação. Tudo junto. Quem organiza seu funeral? 
'Curta cada minuto da sua vida como se fosse o último."

Quem vai pegar suas coisas? Roupas? Cadernos? Algumas das garotas mais velhas que costumavam te irritar na escola? Se sentirão arrependidas. Irão se culpar. Veja, se você se matar hoje, jamais saberá o que pode acontecer amanhã. Jamais saberá porque estará morta. Completamente morta. Sem respirar. Sem vida. Só morta. Sua família se odeia por isso. Sua melhor amiga entra em depressão. Lágrimas. Lágrimas. Mais lágrimas que em um rio. Tudo por que você se matou por pensar que ninguém ligava pra você. Certo? 


Você é amada. Por muitos. Alguém nesse instante está pensando em você. E agora, estou pensando em todos que pensaram ou estejam considerando o suicídio. Você é linda. Não importa se é negra, branca, homossexual, alta, baixa, gorda ou anoréxica. Você é linda. Quer se matar? Pense nisso antes. Não há volta. E eu juro que, se você o fizer, não estará apenas se ferindo; estará ferindo muitos. Está criando mais lágrimas do que já se permitiu chorar. Está tornando todo mundo infeliz e fazendo-os se sentir culpados e com dor. Eles jamais se sentirão plenos como se sentiam quando tinham você. Você é linda. E nunca está sozinha."

Depoimento no Ask. Leia o original
Desde que descobriu que estava com câncer,
 ela criou esta página no Facebook para
 compartilhar experiências com velhos e, cada vez mais, novos amigos

'FERIDAS DA ALMA' TRATA DAS ANGÚSTIAS HUMANAS

9/29/2012
A sociedade está em alerta. A cada ano aumenta o número de pessoas com alguma doença do grupo dos Transtornos do Humor. A depressão, por exemplo, é uma das doenças que mais incapacita pessoas no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior prevalência da doença no último ano, com 10,8% da população apresentando o distúrbio mental.  Já o transtorno Bipolar atinge cerca de seis milhões de pessoas no planeta.  

Diante dessas enfermidades que afetam drasticamente a sociedade, o Padre Reginaldo Manzotti, após ouvir relatos das angustias de milhares de pessoas, pesquisou muito sobre o tema. Apesar do aumento de casos no século XXI, ele descobriu que essas doenças não são males da modernidade. Elas vêm desde muito antes de Jesus Cristo, apenas não eram conhecidas com os nomes atuais.

Para alentar aqueles que sofrem desse mal, o padre, que reúne multidões, decidiu escrever o livro “Feridas da Alma”. A obra, que propõe uma reflexão sobre nossas angústias e afirma que para todos esses problemas há uma solução, foi lançado neste mês, em Curitiba (PR). No mais recente livro, Padre Reginaldo procura responder aos diversos questionamentos sempre com uma linguagem simples e otimista. “Quem já não sentiu os medos e dores da angustia, depressão e muitos males que afligem a nossa alma? O que nos mantém encurvados? O que tem sido um peso em nossos ombros e nos impede de termos uma posição de esperança e confiança? Qual é o impedimento para vivermos melhor? Essas são algumas das perguntas que tento desvendar”, explica. 

Ele acredita que não há inimigos para a fé. “A Palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo é atual e serve para todos nós. Ele nos diz: ‘mulher, homem, estás livre da tua doença. Eu te liberto da depressão. Eu te liberto da angustia. Eu te liberto desse jugo’”, completa o padre. 

Sobre Padre Reginaldo Manzotti

Uma figura religiosa de destaque no Brasil atualmente, o Padre Reginaldo Manzotti é natural de Paraíso do Norte, no interior paranaense. Nascido em 1969, foi ordenado sacerdote aos 25 anos. Atualmente, é pároco da Igreja Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba, e coordena a Associação Evangelizar é Preciso, que possui milhares de membros em todo o país. Já são 15 anos de sacerdócio em que, colocando-se como instrumento de Deus, o padre por suas palavras inspiradoras e seu carisma, atrai muitas pessoas . 

SAIA DO ESCURO. A DEPRESSÃO TEM TRATAMENTO

9/28/2012
Portugal lança no dia 1 de outubro sua nova campanha nacional sobre a depressão, contando com o apoio de várias sociedades científicas e associações de doentes. Sob o título de "Saia do escuro. A depressão tem tratamento", esta nova campanha englobará várias iniciativas relacionadas com uma patologia que afeta actualmente 20% da população portuguesa. O arranque inicia-se por várias cidades do país e que pode ser acompanhado através do site www.saiadoescuro.pt.

A depressão é uma das doenças psiquiátricas mais comuns na nossa sociedade, sendo que cerca de 20% dos portugueses sofrem desta patologia. A meta é alertar e esclarecer para os diversos tipos de depressão e salientar que esta doença tem tratamento.

A idéia original é dar cor ao cenário negro da depressão, como demonstra o cartaz da campanha, onde várias pessoas se juntam para colorir um muro onde estarão inscritos alguns sintomas da depressão.

Manifestando-se de forma diferente de pessoa para pessoa, a depressão não escolhe idade nem sexo, apresentando-se em várias dimensões ao nível dos sintomas emocionais, físicos e físicos dolorosos. Tristeza, desinteresse, falta de apetite, cansaço, falta de energia, insônia ou dores musculares e de costas, são alguns dos sintomas da depressão que não devem ser desvalorizados.

António Palha, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), revela que "a depressão é um flagelo que atinge cada vez mais portugueses como mostrou o estudo epidemiológico apresentado há dois anos onde se salienta a alta prevalência da depressão. A campanha «Saia do escuro. A depressão tem tratamento» dentro da perspectiva psico-educativa, pode ajudar aqueles que sofrem de depressão a perceberem que esta é uma doença tratável e que se os doentes forem bem acompanhados podem ter de fato uma melhor qualidade de vida."

Neste sentido, o presidente da SPPSM diz que "este tipo de campanha é de grande importância já que ajudam os doentes e as suas famílias a perceberem melhor o que é a depressão e como lidar com esta patologia, fazendo-os sentir que podem estar apoiados na doença. Por outro lado, é igualmente necessário, nos dias de hoje, a divulgação e identificação dos sintomas e, também, o respectivo tratamento."

João Relvas, presidente da Associação Portuguesa de Psiquiatria Biológica, explica que a compreensão da depressão passa pelo entendimento da interacção de diferentes factores biológicos, psicológicos, culturais e sociais e dos seus efeitos recíprocos.

"De uma maneira geral o grande público desconhece estes aspectos estando muitas vezes a depressão associada a fraqueza de carácter, falta de força de vontade e outros mitos que tendem a promover falsos conceitos e uma visão estereotipada que favorece a estigmatização da doença psiquiátrica em geral e da depressão em particular", enfatiza ainda.

Por outro lado, o médico destaca também que é importante dar a conhecer as diversas possibilidades de tratamento, mostrando que a remissão é possível. "O tratamento deve ser feito depois de uma avaliação clínica correcta. A terapêutica pode ter várias vertentes, das quais as principais são as medicações psicofarmacológicas e as psicoterapias, em particular a psicoterapia cognitivo-comportamental. Actualmente, a ênfase do tratamento é colocada na remissão e recuperação do episódio depressivo actual e na prevenção das recaídas e recorrências futuras. Os anti-depressivos têm um papel importante nesta estratégia terapêutica, devido aos seus menores efeitos secundários e a uma maior aceitação e adesão por parte dos doentes."

No idoso a depressão é também uma realidade, estando muitas vezes associada a casos de suicídio. Lia Fernandes, presidente da Associação Portuguesa de Gerontopsiquiatria, confirma que "a depressão é ainda o problema de saúde mental, mais frequentemente ligado ao suicídio na idade avançada. Contudo, nem todos os idosos que se suicidam estão deprimidos, e nem todos os deprimidos se suicidam. Apesar disto, detectar precocemente e tratar a depressão ajuda a reduzir o risco individual de suicídio. De facto, entre as causas mais frequentes de suicídio nos idosos em Portugal, destacam-se sobretudo as doenças físicas, institucionalização, viuvez, baixo suporte social e doenças psiquiátricas (depressão e alcoolismo). Só assim se compreende que o suicídio seja actualmente uma realidade em crescimento, nos mais velhos (correspondendo a ¼ do total de suicídios do país)."

Para Delfim Oliveira, presidente da Associação de Apoio aos Doente Depressivos e Bipolares (ADEB), "a doença depressiva pode ter graves consequências na qualidade de vida da pessoa, particularmente nos casos em que não é tratada adequadamente. Assim, acções como a campanha «Saia do escuro. A depressão tem tratamento» têm a capacidade de sensibilizar a população para a gravidade que a depressão tem no quotidiano dos doentes e, ao ser percebida como doença, criar maior receptividade para os tratamentos, por serem eficazes e melhor tolerados, que possibilitam mais ganhos de saúde e consequentemente maior qualidade de vida."

Na opinião de Filipa Palha, presidente da Encontrar-se, o negativismo associado à depressão é um dos principais problemas relacionados com a área da saúde mental. Neste sentido é fundamental ter uma atitude positiva de procurar ajuda e encarar a doença com normalidade: "o estigma associado à doença mental ainda é um dos maiores obstáculos à promoção da saúde mental. Desta forma é fundamental combater todos os preconceitos e negativismo associados a problemas mentais e encará-los como qualquer outro tipo de problema de saúde. Aceitando sem vergonha, procurando ajuda e tratamento. Infelizmente, os doentes depressivos ainda têm receio de serem rejeitados, rotulados, discriminados, não respeitados. Poucas pessoas têm a coragem de partilhar as suas experiências, de demonstrar que não perderam a sua identidade e que, apesar de tudo, continuam o seu percurso de vida dentro da normalidade."

DEPRESSÃO E ESTRESSE PODEM ENCOLHER O CÉREBRO

9/25/2012
A depressão grave e o estresse crônico podem encolher o cérebro, bloqueando a formação de novas conexões nervosas. Isso foi o que apontou um estudo americano divulgado no jornal Daily Mail. Segundo a pesquisa, esses problemas interrompem circuitos associados com o funcionamento mental e emotivo.

Isso poderia explicar porque pessoas com grande transtorno depressivo sofrem de perda de concentração e memória e têm suas respostas emocionais prejudicadas. De acordo com os cientistas, esses pacientes apresentam vários genes envolvidos na construção das sinapses, pontos de conexão entre as células cerebrais, suprimidos. Esse processo contribuiria para a retração do córtex pré-frontal do cérebro.

Os pesquisadores analisaram o tecido cerebral de pacientes que morreram após serem diagnosticados com grande transtorno depressivo. Eles descobriram sinais moleculares de atividade reduzida em genes necessários para a função e estrutura das sinapses no cérebro. As evidências apontam para o envolvimento de um único "interruptor" genético, ou fator de transcrição, uma proteína chamada GATA1.

"Nós queríamos testar a ideia de que o estresse provoca uma perda de sinapses cerebrais em humanos. Então, mostramos que os circuitos normalmente envolvidos na cognição são interrompidos quando este fator de transcrição único é ativado", afirmou Ronald Duman, professor da Universidade de Yale e líder do estudo. A pesquisa foi publicada na última edição da revista Nature Medicine.

Outros estudos em ratos mostraram que quando GATA1 foi ligada, os roedores mostraram sinais de depressão. Isso sugere que a perda de sinapses no cérebro pode estar ligada a sintomas depressivos, bem como perturbações mentais. "Esperamos que através do reforço de conexões sinápticas, seja com medicamentos novos ou terapia comportamental, poderemos desenvolver terapias antidepressivas mais eficazes", acrescentou Duman.
A partir do Portal Terra. Leia no original

TEMPESTADES DO CORPO E DA ALMA

7/18/2012
Desde 2009 o psiquiatra Rodrigo Bressan e outros pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) acompanham um grupo de adolescentes com alto risco de desenvolver doenças mentais graves como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Eles querem descobrir o momento adequado para agir antes que os problemas se manifestem e, assim, tentar evitar que se instalem. Ao mesmo tempo, procuram ensinar os adolescentes e seus familiares a lidar com situações estressantes que podem disparar as crises. Assim que possível, Bressan e os psiquiatras Elisa Brietzke e Ary Araripe Neto querem ver se compostos anti-inflamatórios, antioxidantes ou neurotróficos poderiam proteger as células cerebrais e, quem sabe, reduzir o risco de desenvolver essas doenças mentais.

A estratégia de tentar proteger o cérebro com esses e outros compostos se baseia na hipótese de que os neurônios e outras células cerebrais sofrem danos gradativos a partir do primeiro episódio mais intenso da doença – há quem suspeite de que os danos podem começar até mesmo antes. Estudos recentes indicam que nesses distúrbios o cérebro produz certos compostos em níveis nocivos que atrapalham o funcionamento das células e podem causar danos irreparáveis à medida que se sucedem, levando à deterioração das capacidades de raciocínio, planejamento e aprendizagem e até a uma alteração leve e definitiva do humor. Simultaneamente ao aumento na concentração dessas substâncias, haveria também uma diminuição nos de compostos neuroprotetores naturalmente produzidos pelo organismo.

Um dos pesquisadores que ajudou a desenvolver essa hipótese é o psiquiatra Flávio Kapc-zinski, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Translacional. Ele está convencido de que a evolução dramática dos casos graves de transtorno bipolar e de depressão é consequência de alterações fisiológicas causadas pelas crises recorrentes.

As crises que de tempos em tempos atormentam a mente também intoxicam o corpo, acredita Kapc-zinski. Elas seriam como tempestades químicas que desfazem o equilíbrio das células cerebrais e liberam compostos que, carregados pelo sangue, inundariam o organismo – às vezes levando a um grau de intoxicação quase tão grave como o enfrentado por quem desenvolve uma infecção generalizada (sepse). Repetidas ao longo de anos ou décadas, essas avalanches tóxicas precipitadas por surtos de depressão ou de mania produziriam um desgaste lento e progressivo do cérebro e de todo o corpo, reduzindo a capacidade de recuperação e acelerando o processo de envelhecimento.

Kapczinski começou a elaborar esse modelo teórico com base em experimentos feitos por sua equipe e por outros grupos para explicar como e por que a depressão e o transtorno bipolar, uma vez instalados e sem o tratamento adequado, seguem um padrão de agravamento progressivo que pode culminar com a morte precoce por problemas cardiovasculares e até câncer. De acordo com o modelo, as outras doenças que aparentemente nada têm a ver com o que se passa no cérebro poderiam evoluir como resultado dos desequilíbrios orgânicos gerados pelos episódios severos de depressão e mania.

Apresentada inicialmente em 2008 na Neuroscience and Behavioral Reviews, essa hipótese vem ganhando reconhecimento internacional. No último ano os estudos de Kapczinski já foram citados cerca de mil vezes em outros trabalhos. O psiquiatra australiano Michael Berk, da Universidade de Melbourne, acompanha essas pesquisas e, com Kapczinski, chamou esse novo modelo de neuroprogressão.

“Sabemos que esses distúrbios são progressivos e essa proposta teórica explica por quê”, diz Berk. Para ele, a interpretação de que essas doenças se agravam a cada surto pode gerar um impacto importante no tratamento por indicar a necessidade de diagnóstico e intervenção precoce e por sugerir que terapias neuroprotetoras possam atenuar o efeito desses problemas.

 “A ideia está posta”, diz o pesquisador da UFRGS. “Agora é possível trabalhar para tentar confirmá-la ou refutá-la.” Ele sabe que o modelo é ousado e que é necessário reunir mais evidências para demonstrar que ele representa de modo adequado a evolução da depressão e do transtorno bipolar. “Temos trabalho para umas duas décadas”, diz Kapczinski.

Conceito e realidade
Segundo alguns especialistas, o conceito de neuroprogressão explica bem os sintomas clínicos, mas é possível questionar se essas alterações biológicas de fato ocorrem, uma vez que as evidências ainda são incipientes. Exames de imagens que indicam redução no volume de algumas áreas cerebrais em geral são feitos com pacientes de idades diferentes, que passaram por números distintos de surtos de mania e depressão. Provas mais consistentes exigiriam o acompanhamento de pacientes por vários anos, com a realização de exames de tempos em tempos para avaliar a evolução do problema.

Ainda que esteja longe de ser comprovada, essa proposta está abrindo caminhos para a busca de terapias mais específicas e eficientes e para o desenvolvimento de estratégias que permitam identificar precocemente as pessoas com risco de desenvolver esses problemas, como vem fazendo a equipe da Unifesp.

Se estiver correta, pode ajudar a entender como uma doença que de início se manifesta com um quadro relativamente benigno, em alguns anos deteriora a capacidade de raciocínio, planejamento e aprendizagem e altera definitivamente o humor a ponto de impedir uma pessoa de levar uma vida normal, como Kapczinski e outros médicos estão habituados a ver.

“Esse é um dos múltiplos mecanismos de progressão da doença”, afirma o psiquiatra norte-americano Robert Post, autoridade internacional em transtorno bipolar. “A evidência mais clara [de que pode estar correto] é que o número de episódios precedentes de depressão ou mania está correlacionado com o grau de disfunção cognitiva”, afirma Post, com quem Kapczinski colabora desde 2008.

Em um artigo publicado em maio deste ano no Journal of Psychiatric Research, Post, Kapczinski e Jaclyn Fleming analisaram quase 200 trabalhos com evidências de que a disfunção cognitiva aumenta, as alterações em algumas regiões cerebrais se intensificam e o tratamento perde eficiência à medida que cresce o número de crises e a duração da doença. No artigo, os pesquisadores reconhecem que não é possível saber se toda essa transformação é causa ou consequência da doença. Mas sugerem que, do ponto de vista clínico, parece prudente pensar em iniciar o tratamento o mais cedo possível e mantê-lo por um período mais prolongado.

“De acordo com essa visão, um surto de mania ou depressão pode ser entendido da mesma forma que o infarto”, diz Elisa Brietzke, ex-orientanda de Kapczinski. “Todos são eventos agudos, resultado de alterações que surgiram no organismo bem antes.” Ante essa interpretação, completa Araripe, “o objetivo do tratamento deixa de ser apenas a remissão dos sintomas e passa a ser evitar a recaída e auxiliar na manutenção da capacidade funcional”.

Danos às células
O modelo sobre a progressão das doenças mentais proposto por Kapczinski e seus colaboradores representa um avanço em relação aos anteriores. A proposta teórica mais aceita considera os transtornos mentais resultado da interação entre as condições sociais, econômicas, psicológicas e culturais em que o indivíduo vive (os fatores ambientais) e sua propensão a desenvolver o problema, determinado por suas características genéticas.

Essa abordagem mais antiga começou a ser construída há uma década pelos psicólogos Avshalom Caspi e Terrie Moffit, pesquisadores do King’s College, em Londres, a partir dos resultados de estudos em que acompanharam 1.037 crianças dos 3 anos de idade até os 26 anos. Nesses trabalhos, eles observaram que certas alterações em genes responsáveis pela produção de mensageiros químicos do cérebro (neurotransmissores) aumentavam o risco de uma pessoa desenvolver comportamento antissocial ou depressão.

Além da influência dos genes e do ambiente, Kapczinski e seus colaboradores incluem no modelo novo um terceiro elemento: os danos às células do cérebro e de outros órgãos causados pelos surtos da própria doença psiquiátrica. Esses surtos em geral se iniciam como uma resposta do organismo a um evento estressante, que pode ser intenso e breve, como um assalto a mão armada, ou mais ameno e duradouro, a exemplo daquele vivido por quem trabalha o tempo todo sob tensão. Repetidos muitas vezes, os episódios de mania ou de depressão acabariam por minar a capacidade do corpo de lidar com novos eventos estressantes. “Nossa hipótese é que a doença se realimenta”, conta Kapczinski.

Essa proposta parece explicar melhor o agravamento dos distúrbios psiquiátricos marcados por crises sucessivas, como a depressão e o transtorno bipolar. Nessas enfermidades, a influência de fatores ambientais sobre a propensão genética seria fundamental para disparar os primeiros episódios de mania ou de depressão. Mas esses fatores perderiam importância à medida que a doença avança e os surtos se tornam cada vez mais frequentes e prolongados – em alguns casos, mesmo com o uso de medicamentos – e o intervalo entre eles menores. Com o tempo, em geral a partir da décima crise, os surtos ganham autonomia e podem se tornar independentes das condições estressantes que antes os disparavam (ver infográfico).

Tormenta química
Transtorno bipolar
Há tempos se sabe que em cada episódio leve ou intenso de estresse, provocado por um perigo real ou imaginado, o organismo reage liberando o hormônio cortisol. Produzido por glândulas situadas sobre os rins e lançado na corrente sanguínea em pequenas quantidades e por pouco tempo, o cortisol aumenta os batimentos cardíacos, eleva a pressão arterial e acelera a produção de energia. Enfim, prepara o corpo para fugir do perigo ou enfrentá-lo. Mas, em doses altas e por períodos prolongados como pode acontecer antes das crises, o cortisol começa a lesar os órgãos, entre eles o cérebro (ver Pesquisa FAPESP n° 129).

Pouco tempo atrás pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos verificaram que, no interior das células cerebrais, em especial os neurônios, os níveis elevados de cortisol danificam as mitocôndrias, compartimentos em que o açúcar dos alimentos é convertido em energia. E danos nas mitocôndrias significam problema na certa. Elas produzem 85% da energia que as células consomem para se manterem vivas. Ainda que de modo indireto, o excesso de cortisol faz surgirem poros nas paredes das mitocôndrias, por onde vazam compostos tóxicos que avariam os lipídeos e as proteínas e alteram a estrutura da molécula de DNA no núcleo das células. Toda essa transformação aciona os mecanismos de apoptose, a morte celular programada.

Por meio de uma técnica que permite avaliar as milhares de proteínas produzidas pelo organismo em certo momento, o biólogo brasileiro Daniel Martins-de-Souza, pesquisador do Instituto Max Planck para Psiquiatria, na Alemanha, também obteve indícios de que o funcionamento dessas organelas está alterado nas doenças psiquiátricas. Em especial, na depressão verificou diferenças na fase final da produção de energia, a chamada fosforilação oxidativa ou respiração celular, que ocorre no interior das mitocôndrias.

As consequências dos danos às mitocôndrias não se restringem às células. Os compostos liberados por elas alcançam a corrente sanguínea e ativam proteínas do sistema de defesa que disparam a inflamação, como a interleucina-6 (IL-6), a interleucina-10 (IL-10) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa). Chegando ao cérebro, essas proteínas ativam outras reações bioquímicas que causam a morte de mais neurônios. Segundo Kapczinski, esse processo realimenta a destruição celular, reforçada por outro fenômeno típico do transtorno bipolar: a superprodução do neurotransmissor dopamina, que também aciona a apoptose.

Foi medindo os níveis desses compostos no sangue que o grupo de Kapczinski identificou um fenômeno ao qual pouco se dava atenção: os surtos causam uma toxicidade sistêmica. Segundo ele, durante os episódios de mania e depressão, o nível de compostos associados à inflamação era bem mais elevado que o normal no sangue de pessoas com transtorno bipolar – em alguns casos, era semelhante ao de pessoas internadas em unidade de terapia intensiva com infecção generalizada (sepse).

Em roedores, já foi demonstrado que a toxicidade que se vê no sangue corresponde às alterações nas células cerebrais. Mas isso ainda precisa ser comprovado em seres humanos. “O melhor teste para comprovar os efeitos tóxicos dos episódios seria fazer uma intervenção para evitá-los e verificar se essa intervenção seria capaz de evitar alterações neurobiológicas”, diz Post.

A maioria das células parece sobreviver a essa tormenta química, ainda que com danos. Imagens do cérebro em funcionamento e exames de microscopia do tecido cerebral post mortem indicam que, nas crises de mania ou de depressão, algumas regiões perdem 10% a 20% mais neurônios do que em condições normais. De acordo com psiquiatras e neurologistas, esse nível de perda não é suficiente para classificar os transtornos de humor como doenças neurodegenerativas. Tanto no transtorno bipolar como na depressão o problema maior é que os neurônios que sobrevivem não permanecem íntegros: eles aparentemente perdem prolongamentos chamados neuritos, que os conectam com outros neurônios.

Muitos pesquisadores da área acreditam que é a perda de conectividade neuronal que compromete o funcionamento das regiões cerebrais mais afetadas nos distúrbios do humor. O fato de serem alterações sutis pode explicar por que o neuropatologista alemão Alois Alzheimer, que descreveu 100 anos atrás os danos neuronais típicos da doença que leva seu nome, não encontrou alterações importantes no cérebro de pessoas com depressão – razão por que se passou a dizer na época que a neuropatologia era o túmulo dos psiquiatras. “Apesar de sutis, essas transformações seriam suficientes para causar uma reorganização patológica do cérebro”, afirma Kapczinski.

As transformações anatômicas do cérebro nas doenças do humor começaram a ficar evidentes há cerca de 10 anos, quando Grazyna Rajkowska e seu grupo na Universidade do Mississípi verificaram uma redução no volume do córtex pré-frontal de pessoas com depressão. A diminuição de volume nessa área e também na região dos ventrículos vem sendo confirmada por exames de imagem também no transtorno bipolar. Localizado na parte anterior do cérebro, o córtex pré-frontal é responsável pela estruturação do raciocínio, pela tomada de decisões e pelo controle do comportamento. Essa alteração morfológica permite explicar por que, com o avanço da doença, quem tem transtorno bipolar perde progressivamente a capacidade de planejamento e aprendizado. Essas pessoas também se tornariam mais impulsivas e suscetíveis às emoções por ocorrer simultaneamente um aumento do volume da amígdala, que coordena a resposta ao medo e às emoções negativas.

Hipótese em formação
Kapczinski começou a colecionar evidências de que uma tormenta química se instala no organismo de quem sofre de transtorno bipolar em 1997, quando retornou de seu doutorado na Inglaterra e de um período de estágio no Canadá. Na época o grupo chefiado por ele no Laboratório de Psiquiatria Molecular da UFRGS havia notado que pessoas com transtorno bipolar, além das alterações psicológicas e cognitivas em geral observadas pelos psiquiatras, apresentavam no sangue níveis elevados de compostos que indicam danos nas células cerebrais e taxas baixas de fatores que protegem essas células. “As moléculas que estudamos funcionam como biomarcadores [indicadores de alterações biológicas] que permitem distinguir se a doença se encontra num estágio inicial ou avançado”, afirma Kapczinski.

E conhecer o estágio da doença é importante para se indicar o tratamento adequado – e essa nova hipótese pode ajudar a aprimorar o uso dos medicamentos. Há evidências de que o controle da enfermidade logo após os primeiros episódios de depressão ou de euforia preserve a capacidade de recuperação do organismo, impedindo a degradação psicológica e cognitiva. Os medicamentos – estabilizadores do humor, antidepressivos, antipsicóticos e anticonvulsivos, usados sozinhos ou em combinação – em geral são eficazes em 80% dos casos de transtorno bipolar e de depressão e, comprovadamente, produzem efeito neuroprotetor, em especial o lítio, um estabilizador do humor barato e eficiente, que antes era usado para combater estresse, gota e pedras no rim.

Mas os psiquiatras nem sempre conseguem acertar a medicação e a dose na primeira tentativa. Um estudo norte-americano recente, conduzido por pesquisadores da Escola Médica Mount Sinai com 4.035 pessoas com transtorno bipolar, verificou que 40% delas, em especial aquelas com quadros depressivos mais graves, só conseguiam manter a doença sob controle tomando três ou mais medicamentos.

Kapczinski acredita que, em geral, essas doenças atingem um estágio muito mais difícil de ser controlado após a décima crise, que costuma ocorrer por volta de 10 anos após as primeiras manifestações da doença. Por essa razão, os psiquiatras consideram fundamental iniciar o tratamento com medicamentos o mais cedo possível. Também já se havia observado que o lítio, um dos medicamentos mais usados para tratar o transtorno bipolar, perde eficácia após o décimo surto (ver gráfico).

As pessoas com transtorno mental normalmente só vão ao psiquiatra muito tempo depois de surgirem os primeiros sinais da doença. Podem correr anos até um especialista fazer o diagnóstico correto e receitar os medicamentos adequados. No caso do transtorno bipolar, o período decorrido entre a primeira manifestação do problema e início do tratamento varia de 5 a 10 anos, tempo suficiente para surgirem complicações no trabalho, na convivência com a família e os amigos e a vida se desestruturar.

As partes e o todo
Foi analisando as variações nos níveis desses biomarcadores no sangue de pacientes que Kapc-zinski sentiu necessidade de buscar uma explicação mais abrangente, que permitisse associar os sinais clínicos da doença às alterações fisiológicas e anatômicas que a ciência começava a detectar no cérebro de pessoas com transtorno bipolar, que em média atinge 1% da população – calcula-se que até 8% possam apresentar formas mais leves –, e outro distúrbio do humor bem mais comum: a depressão maior ou unipolar, que quase 15% dos adultos desenvolvem ao longo da vida.

Kapczinski viu que não estava satisfeito com o que tinha em mãos quando recebeu um convite para apresentar os resultados de seu grupo em um simpósio internacional no Hospital Clínic de Barcelona, na Espanha, em meados de 2006. “Faltava uma cola teórica que mostrasse como os dados se encaixavam”, diz Kapczinski.

Ele e sua equipe haviam coletado amostras de sangue de pessoas com transtorno bipolar durante os períodos em que se experimentam os estados extremos de humor, que variam de uma tristeza intensa e baixa autoestima a uma grande vitalidade e energia muito além do normal. Em uma bateria de testes, o psiquiatra Angelo Miralha da Cunha, então na UFRGS, observou um fenômeno novo tanto nas crises depressivas como nos episódios de mania: os níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), de ação neuroprotetora, eram ao menos 25% mais baixos do que nas pessoas que não apresentavam o transtorno ou que o mantinham sob controle com a ajuda de medicamentos.

Ao mesmo tempo, Ana Cristina Andreazza e Elisa Brietzke, que integravam a equipe de Kapc-zinski, detectaram taxas mais elevadas de proteínas indicadoras de inflamação, além de níveis mais altos de radicais livres, moléculas altamente reativas, com potencial para lesar as células, durante os períodos de alteração do humor. Esses dados sugeriam que o sangue poderia guardar pistas do que se passava no cérebro. Mas, àquela altura, não era possível saber com segurança o que essa alteração significava nem por que ocorria.

Cola teórica
Kapczinski encontrou a cola teórica que procurava nos estudos do neurocientista norte-americano Bruce McEwen. Em 2000 McEwen havia proposto a hipótese de que situações estressantes obrigam o organismo a fazer ajustes para recuperar a estabilidade perdida. McEwen chamou essa adaptação de alostase, uma mudança necessária para restabelecer o equilíbrio (homeostase). E disse mais. Ao longo do tempo essa adaptação cobrava um preço: causava o desgaste do organismo.

As propostas teóricas do psiquiatra Robert Post completavam essa ideia. Na década de 1980, Post havia sugerido que os sinais clínicos do transtorno bipolar se tornariam mais intensos a cada crise, em consequência da maior sensibilidade dos circuitos cerebrais afetados nos episódios anteriores. O fenômeno, chamado em inglês de kindling, havia sido descoberto duas décadas antes por Graham Goddard, neurocientista inglês que estudava a epilepsia. Durante testes com roedores, Goddard notou que estímulos elétricos de baixa intensidade, inicialmente incapazes de causar danos ao animal, passavam a disparar crises epilépticas depois de repetidos algumas vezes – sinal de que o cérebro havia se tornado mais sensível.

“A partir desses experimentos, outros autores começaram a conceituar a ideia de que o cérebro aprendia a ficar doente também em outras situações, em especial no transtorno bipolar”, conta o neurofisiologista Luiz Eugenio Mello, da Unifesp. “De acordo com essa ideia, modificações no sistema nervoso central, possivelmente no nível das sinapses [conexões entre as células cerebrais], seriam capazes de transformar um cérebro pouco doente em muito doente”, explica.

Ao analisar seus dados à luz da ideia de alostase e de sensibilização – mais tarde reunidas no conceito de neuroprogressão –, Kapczinski encontrou o vínculo entre o que seu grupo havia observado e as alterações de volume em algumas áreas do cérebro que equipes estrangeiras detectavam. Essa unificação de conceitos poderia explicar a origem dos sinais clínicos característicos dessas doenças e, além disso, por que as pessoas com transtorno bipolar e depressão podem morrer entre 25 e 30 anos mais cedo do que as pessoas sem distúrbios psiquiátricos. Uma proporção maior das pessoas com transtorno bipolar e depressão desenvolve câncer e problemas cardiovasculares.

Por influência do neurocientista Iván Izquierdo, Kapczinski fez algo pouco comum na área da saúde no Brasil: a formulação de uma teoria para explicar o desenvolvimento e os desdobramentos de doenças psiquiátricas. Como toda tentativa de reproduzir uma realidade a partir dos fragmentos que podem ser identificados e medidos, o modelo teórico idealizado pelo grupo gaúcho continua em constante aperfeiçoamento. Desde a apresentação em Barcelona, Kapczinski e seus colaboradores no Brasil, na Austrália, nos Estados Unidos e na Espanha trabalham para aprimorar essa proposta teórica e ver se estão no caminho certo.

O próprio Kapczinski está pondo sua hipótese à prova ao testar em camundongos uma versão modificada do antidepressivo tianeptina, desenvolvida na UFRGS, com o propósito de aumentar a proteção dos neurônios. Outra forma de verificar se a hipótese está correta é examinar as alterações químicas e celulares em amostras de bancos de encéfalos de pessoas com doenças psiquiátricas, como o que os psiquiatras Beny Lafer e Helena Brentani estão organizando na Faculdade de Medicina da USP. Em outra linha de trabalho, Lafer iniciou recentemente um teste clínico com suplementos do aminoácido creatina, que deve melhorar o funcionamento das mitocôndrias e também pode aumentar a proteção celular.

Ana Cristina Andreazza, atualmente pesquisadora da Universidade de Toronto, onde investiga os efeitos do mau funcionamento das mitocôndrias nas células cerebrais, lembra que uma dieta adequada e rica de antioxidantes também pode ajudar na proteção cerebral.

“A hipótese da neuroprogressão é um dos modelos importantes hoje em dia para explicar a progressão dessas doenças”, comenta Lafer, colaborador do grupo gaúcho. “Há outras hipóteses, baseadas na genética, na interação entre genes e ambiente e na inflamação, mas ainda não existe consenso.”

A partir da Revista Fapesp. Leia no original
Artigos científicos
1 KAPCZINSKI, F. et al. Allostatic load in bipolar disorder: Implications for pathophysiology and treatmentNeuroscience and Behavioral Reviews. v. 32, p. 675-92. 2008.

2 BERK, M. et al. Pathways underlying neuroprogression in bipolar disorder: Focus on inflammation, oxidative stress and neurotrophic factorsNeuroscience and Behavioral Reviews. v. 35, p. 804-17. 2011.

YOGA 'TRABALHA A MENTE' CONTRA DEPRESSÃO

7/08/2012

A depressão é um estado que tem como característica principal nos sentirmos mal. Nestes momentos, nossa energia está em estado vibracional muito baixo. Estamos envoltos por uma energia que não é visível para maioria das pessoas, mas que vibra constantemente dentro de nós e ao nosso redor. A depressão é uma experiência energética que se apossou de sua vida, mas felizmente não de sua identidade, porque é possível que você a modifique, fazendo, evidentemente, um esforço. Os (seus) pensamentos negativos subconscientes e conscientes alimentam a energia negativa. A maioria das pessoas com depressão tem uma tendência a pensamentos negativos, mesmo que seja livre para escolher os seus pensamentos. Mesmo quando experimentamos uma desagradável energia negativa, sempre é possível pensar positivamente. É necessário afirmar: “não necessito desse pensamento em minha vida”.

Muitas pessoas chegam a este mundo desejando ir embora e quando adultos não têm certeza se desejam ou não permanecer aqui. Têm a percepção de que o mundo não é um lugar seguro e que não há amor suficiente para eles. A depressão transforma-se em uma amiga que está sempre à disposição quando delas necessitam. Se você estiver deprimido há muito tempo, o corpo começa a crer que estar vivo é sentir-se dessa maneira. No entanto, é possível reeducar a nossa mente para que essa opere em uma frequência mais elevada de energia, de modo que se redescubra a luz.

Considera-se a possibilidade que a origem de muitas de suas depressões esteja relacionada com o seu nascimento. Se a sua mãe estava ansiosa, deprimida ou preocupada durante a gestação, possivelmente você recebeu muito desta carga de energia negativa. Muitos carregam essa energia tentando processá-la. Se você teve uma gestação ou um parto complicado é possível que uma parcela disso tenha ficado impresso em sua psique. Nós temos centros de armazenamento de energia e de padrões energéticos em nosso corpo chamados de Chakras, em sânscrito. Podemos armazenar padrões de eventos que ocorreram ontem ou há muitos anos atrás. Alguns desses padrões são memórias felizes, outros desagradáveis. Muitas vezes enterramos esses padrões de memória desagradáveis na profundidade dos Chakras que estão em nossas auras (campo luminoso de energia que envolve nossos corpos), e tratamos de esquecê-los, mas na realidade eles nunca desaparecem e, cedo ou tarde, aparece uma doença, que nada mais é do que o desequilíbrio da energia. A cura reside em equilibrar a nossa energia. Então, a doença é um problema diretamente do indivíduo, não um problema do médico; é de sua responsabilidade, você tem tudo a ver com ela. A medicina não pode ser a arte de “passar a bola para o médico”, só porque esse está sendo pago.

Ao longo de nossas vidas experimentamos variadas formas de energia negativa, como o medo, raiva, culpa, incertezas, criticismos e muitas outras. Porém, depende exclusivamente de nós não nos identificarmos com esses padrões e dirigir a nossa energia para a paz e para a felicidade. Existem muitas maneiras de equilibrar a energia. Uma delas é intencionar ser o mais amoroso possível. A energia amorosa dissolverá aquelas partes de si mesmo que estiverem desequilibradas. Outra forma é reconhecer o problema que afeta você e deixar de tentar controlá-lo. A chave é desprender-se da ideia de como as coisas deveriam ser; e permitir que um poder mais elevado se manifeste e se encarregue do curso das coisas. Todo este processo pode ser acelerado se você contar com um bom terapeuta Reikiano ou um bom massoterapeuta para trabalhar com você em um nível mais profundo.

A depressão afeta o estado de ânimo. Produz raiva e frustração, outros sintomas podem ser o aumento ou diminuição do apetite, desordens do sono, baixa autoestima, fadiga, irritabilidade, agitação, sentimentos relacionados com o suicídio e dificuldade de concentração. Para a pessoa que está passando por um período de melancolia associado a perda de algum ente querido ou com o término de uma relação afetiva, ou perda de trabalho, ficar deitado não é benéfico, a não ser que seja à noite para dormir. A pessoa deprimida passa horas ‘dando voltas’ em sua mente com os problemas que a afetam. Dirigir a mente ao corpo é uma ótima forma de começar a trabalhar a depressão. O problema é que a depressão pode tornar-se um círculo vicioso. Quando alguém está deprimido necessita mover o corpo, mas muitas vezes é impossível encontrar energia para fazê-lo. Como sou fanático pelo Yoga, para mim o melhor antídoto para a depressão é a prática da “Saudação ao Sol”, uma série dinâmica de posturas que estão no coração de qualquer prática de Yoga. Não é necessário praticar outras posturas, especialmente se não houver tempo para isso. A prática da “Saudação ao Sol” é eficiente pois trabalha tanto o corpo quanto a mente e geralmente ela é a chave para abrir emoções bloqueadas. Para estimular a prática, podemos utilizar um truque, que é apoiar os antebraços sobre o assento de uma cadeira e apoiar a cabeça sobre as mãos. Isso aumentará o fluxo de sangue para a cabeça e é o incentivo que precisamos para iniciar a prática da saudação.

Recomendo começar com seis ciclos de saudações e aumentar gradativamente o número de repetições. Ao terminar, descanse na postura da criança (Balasana) por alguns minutos.
Gustavo Ponce
Criador do método
Sattva Yoga, estuda e utiliza Yogaterapia
A partir do site Yoga pela Paz. Leia no original

O MUNDO DOÍA EM YOÑLU

6/10/2012
Sites na internet incentivam adolescentes como o gaúcho Yoñlu a se matar e ajudam a escolher o método

"Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o da felicidade nos momentos mais sombrios’’
Essa frase é de um adolescente de 16 anos. Um garoto que amava Radiohead, Mutantes e Vitor Ramil. Foi escrita no dia de seu suicídio. Era parte de sua carta de despedida. Ele dizia aos pais que a música era a melhor maneira de enfrentar o desespero que viria. Antes de começar a morrer, colou a carta no lado externo da porta do banheiro. Acima dela, um cartaz: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono”. Vinícius ligou o aparelho de som – “porque é bom morrer com música alegre” – e entrou (Reportagem publicada em fevereiro de 2008, na Revista Época).

Vinícius Gageiro suicidou-se com a ajuda de internautas, aos 16 anos
Essa frase escrita na morte se transformou num legado de vida ao ser impressa no encarte do CD que será lançado ainda em fevereiro pela Allegro Discos, com 23 músicas de sua autoria. Parte delas foi entregue aos pais na forma de uma herança às avessas: “Deixei na mesa do computador um envelope vermelho da Faber-Castell que contém um CD com algumas de minhas músicas”. Yoñlu, o título do CD, é o nome com o qual batizou a si mesmo no mundo em que circulava com mais desenvoltura: a internet.

Ambos, Vinícius e Yoñlu, morreram por asfixia por volta das 15h30 de uma quarta-feira de inverno, 26 de julho de 2006. Vinícius foi estimulado ao suicídio e auxiliado por pessoas anônimas na internet. Ele é a primeira vítima conhecida no Brasil de um crime que tem arrancado a vida de jovens de diferentes cantos do mundo – uma atrocidade que poderia ser chamada de Suicídio.com.

Encobertos pelo anonimato da rede, internautas de diferentes nacionalidades têm dito em várias línguas a pessoas muito frágeis, a maioria delas adolescentes: “Mate-se”. O suicídio de Simon Kelly, de 18 anos, em Cornwall, na Inglaterra, foi um dos primeiros sinais de que algo de macabro estava acontecendo no reino da internet. No verão de 2001, o garoto aproveitou uma viagem dos pais para acessar sites sobre suicídio com detalhes técnicos de como poderia se matar. Morreu de overdose enquanto conversava com “amigos” virtuais em uma sala de bate-papo. A banalidade dos diálogos travados enquanto o adolescente tirava a vida é chocante. Ninguém tentou dissuadi-lo ou buscou ajuda. Um internauta procurou apenas convencê-lo a dar uma última olhada no mar antes do fim. Simon respondeu: “Fiz isso no domingo. Vejo vocês do outro lado”. A morte foi transmitida pela câmera do computador.

Yoñlu anunciou na internet
 que seu suicídio
 começaria a partir
 das 11 horas de 26/07/07
 
Somente em 2005, 91 pessoas, a maioria entre 20 e 30 anos, suicidaram-se no Japão, estimuladas por sites na internet. Apenas em um mês, março de 2006, houve três casos de suicídios coletivos combinados em fóruns virtuais no país: 13 internautas morreram. Desde o ano passado, 14 jovens da região de Bridgend, no sul do País de Gales, se mataram. Alguns deles estavam ligados por um site de relacionamento que difundia uma idéia “romântica” do suicídio. O mais velho tinha 26 anos. Nos últimos seis anos, a Papyrus, entidade dedicada à prevenção do suicídio, registrou 27 mortes incentivadas pela internet apenas na Grã-Bretanha. A vítima mais jovem tinha 13 anos.

LEGADO PRECOCE

No mundo virtual não há nenhuma perversão nova, apenas as velhas modalidades que já assombravam as ruas da realidade. A diferença é que, na internet, qualquer um pode exercer seu sadismo protegido pelo anonimato, na certeza da impunidade. Basicamente, a idéia é: “Se ninguém sabe quem eu sou, não só posso ser qualquer um, como posso fazer qualquer coisa”. Megan Meier, uma adolescente americana de 13 anos, foi uma vítima da mais banal das maldades, cuja potência de destruição foi multiplicada na internet. Depois de receber mensagens hostis de um “amigo” virtual no site de relacionamento MySpace, Megan subiu ao 2o andar da casa e se enforcou com um cinto no closet. Josh Evans, um garoto musculoso de 16 anos, louco por pizza, tinha dito a ela: “Você é uma pessoinha de m.... O mundo seria bem melhor sem você nele”. O detalhe: Josh nunca existiu. Era uma criação coletiva de suas vizinhas para se divertir com a menina gordinha.

O brasileiro Vinícius Gageiro Marques deixou o inventário de seu suicídio. Documentou sua morte na carta de despedida impressa em papel e no registro virtual da internet. Seguindo seus passos, é possível chegar ao impasse de uma época em que adolescentes habitam dois mundos – mas os pais só os alcançam em um.

Yoñlu compunha, fazia os arranjos, tocava piano e violão.
 Acima, o CD póstumo lançado pela Allegro Discos
Como Yoñlu, ele marcou seu suicídio no mundo virtual para as 11 horas de 26 de julho de 2006. No mundo real, Vinícius estava havia dois meses em internação domiciliar por determinação de seu psicanalista. Ele era um garoto superdotado, descrito como “extraordinariamente inteligente” e “extremamente sensível”. Filho único do casamento de um professor universitário que foi secretário de Cultura do Rio Grande do Sul com uma psicanalista, ele teve todo o estímulo para desenvolver inteligência e sensibilidade. Alfabetizou-se em francês quando a mãe fazia doutorado em Paris com a historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan. Mas o mundo doía em Yoñlu, como mostram as letras de muitas de suas músicas. Sua questão não era morrer, mas fazer a dor parar.

Os fones de ouvido eram o caderno dele. Não levava nada, não ouvia o professor e depois passava por média em tudo’’. GENOVEVA GUIDOLIN, orientadora educacional do Colégio Rosário
Vinícius criou uma fantasia para enganar os pais: a de um adolescente “normal”. Disse a eles que queria fazer um churrasco para os amigos, que estava interessado numa “guria”, que preferia não ter os pais por perto. Dias antes, pediu ingresso para um show que aconteceria depois de sua morte, iniciou um tratamento de pele, foi ao supermercado comprar a carne. Simulou um futuro onde não pretendia estar.

Vinícius parecia “curado” no mundo real. Na internet, porém, Yoñlu pedia instruções sobre o melhor método de suicídio. Em 23 de junho, comentou que adiaria sua morte porque muita gente estava elogiando suas músicas. A faixa 10 do CD, “Deskjet Remix”, em parceria com um DJ escocês, tocava em festas eletrônicas de Londres. O mundo virtual de Yoñlu alcançava gente de vários países em sites de suicídio e fóruns de música, com quem conversava num inglês desenvolto.

MÉDICO CRITICA 'CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA MORTE'

6/10/2012
O psicanalista Mário Corso só aceitou dar esta entrevista porque tem convicção de que Vinícius Gageiro Marques, o Yonlu, foi vítima de um crime. E por que esse crime, praticado nas “ruas escuras da internet”, segue levando adolescentes frágeis à morte. Foi uma decisão difícil. Corso era o psicanalista do garoto de 16 anos que se suicidou ao se trancar no banheiro com duas churrasqueiras em chamas em julho de 2006. Seu paciente planejou a própria morte com a ajuda de sites na internet e a transmitiu em tempo real, incentivado por participantes de um chat. Quando Corso chegou ao apartamento da família, em Porto Alegre, Yonlu já estava morto.

O psicanalista Mário Corso
É terrível para qualquer pessoa falar sobre a perda de uma vida. E é preciso muita coragem para um psicanalista submeter-se à tremenda exposição que é falar sobre a perda de um paciente. Depois de conversar com a mulher, a também psicanalista Diana Corso, e as duas filhas, ele aceitou dar entrevista em nome do interesse público. Mário Corso acredita que é preciso caçar aqueles que incitam pessoas ao suicídio, encobertos covardemente pelo anonimato da rede.

Ao longo da entrevista de mais de duas horas, em seu consultório na capital gaúcha, a dor do psicanalista era exposta. A da família também. Sua mulher ligou três vezes para saber se ele estava bem. Diana tinha razão para preocupar-se. A taquicardia era perceptível, em muitos momentos ele ficava ofegante, a voz quase sumia. Mário Corso sofria. Não só porque doía falar sobre algo tão brutal, mas também porque ele sente saudades de Yonlu.

ENTREVISTA
Mário Corso
QUEM É 
Psicanalista, casado, tem duas filhas e 48 anos. Nasceu em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. É professor e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa)
O QUE PUBLICOU 
Monstruário (Tomo Editorial) e Fadas no Divã (Artmed), em co-autoria com sua mulher, a psicanalista Diana Corso
Por que você aceitou dar essa entrevista? 
Mário Corso – Porque esses suicídios seguem acontecendo, incitados por pessoas na internet, pessoas que não sabemos quem são e que não são responsabilizadas pelo que fazem com adolescentes, pelo que dizem a pessoas fragilizadas. Decidi dar essa entrevista porque isso é um crime e precisa parar. Temos um CVV, Centro de Valorização da Vida. E na internet há um CVM, Centro de Valorização da Morte. Talvez a gente nem saiba sobre outros suicídios que aconteceram por aí, que tiveram como fator decisivo algum tipo de CVM. Essas coisas não são tão fáceis de saber. Mas precisamos ter com essas pessoas a mesma preocupação que temos com outros criminosos. Já existe uma preocupação grande com a pedofilia, uma caça aos pedófilos na internet. Eu decidi dar esta entrevista porque acho que a gente tem de caçar essa gente também. Antes que eles matem mais. Eu acho que temos de aprender a lidar com o fator mórbido da internet, que são esses grupos de auto-ajuda que servem para não deixar de ficar doente, para não deixar de usar drogas, para não parar com a bulimia, com a anorexia. E temos de aprender a lidar com essa gente covarde que diz a um adolescente para se matar. A gente tem de criar formas de responsabilizar quem faz esse tipo de coisa.

Na carta que deixou aos pais, Vinícius escreveu que você poderia ajudá-los a entender as razões do suicídio. Por que ele se suicidou? 
Esse menino estava numa crise prolongada de angústia. Não foi a primeira tentativa de suicídio dele. Ele já havia tido crises anteriores que conseguiu contornar. Uma vez ele se sentou na beira da cobertura e me ligou. A gente ficou falando um bocado de tempo sobre se valia a pena pular ou não. E ele não pulou. Ele precisava ouvir a voz de alguém que o lembrasse da sua ligação com a vida, dos laços que tinha com os que o rodeavam. Não havia uma outra voz dizendo para ele pular. E acredito que isso fez toda a diferença.

A internet parece tê-lo auxiliado no suicídio em dois momentos: nos sites que ensinavam métodos de tirar a própria vida e nos chats em que ele discutia seu desejo de se suicidar. Na hora do suicídio ele escreveu no chat que estava se suicidando e pediu ajuda porque não suportava o calor das chamas. Neste momento, o que essa voz na internet representou? 
O que a internet faz é dar suporte a uma idéia. Namorar a idéia do suicídio é uma coisa que muita gente faz, é fantasia comum na adolescência e visitante freqüente dos desesperados. Chegar à beira de se matar também é algo que ocorre muito mais do que se admite publicamente, mesmo com pessoas que estão bem acompanhadas na vida, que possuem vínculos sólidos. Mas poucos chegam a se matar. Na hora, falta uma energia extra. Há uma força vital que nos segura no último momento. Essa força que nos prende ao grupo, às outras pessoas, ao quanto os outros gostam da gente e ao quanto nós gostamos dos outros. Isso tece uma rede, uma teia que nos suporta na vida. Muitas vezes, quando o sangue aparece nos pulsos cortados, as pessoas acordam do seu transe mortífero e pedem ajuda. Para dar esse último passo, se suicidar, é preciso de um desespero, de uma desesperança muito forte ou de alguém que te puxe para baixo.

A polícia entendeu que não existem provas de incitamento ao suicídio, portanto não houve crime. O que você acha? 
Eu acredito que para o Vinícius foi absolutamente decisivo o fato de alguém cortar essa teia que o prendia à vida. Ele brincava com a idéia de morrer como uma saída para as crises de angústia e desespero. Mas tinha laços fortes com a vida que podiam resgatá-lo. Sem aquele último estímulo ele não teria tido coragem para se matar, como não teve das outras vezes. Talvez a polícia tenha se sentido impotente frente ao tamanho da tarefa a fazer. Porque realmente seria muito difícil encontrar e responsabilizar essa gente. Sentiram-se impotentes e chegaram a essa conclusão brilhante. Que o culpado era o suicida.

Por que ele se suicidou de uma forma “assistida”? Ele chegou inclusive a botar uma foto das churrasqueiras com fogo na internet. O que significou esse suicídio ao vivo pela internet? 
Ele é de uma geração que se criou dentro da internet. Essa é a questão que foi subestimada por mim – e eu não posso falar por eles, mas talvez tenha sido subestimada pelos pais também. Com 11 anos ele freqüentava grupos de discussão onde se apresentava tendo 26. E ele passava por 26 anos. Esse menino era superdotado, extraordinariamente inteligente, e cresceu numa família muito estimuladora, intelectualmente rica, com um pai e uma mãe muito cultos. Ele sugou essa cultura rapidamente. O Vinícius herdou do pai a profundidade política, social, e da mãe a perspicácia emocional. Tinha o que poderíamos chamar de excesso de lucidez. Mas sem condições de suportar essa carga por causa da pouca idade. Era um menino que tinha uma capacidade de compreender profundamente o mundo, mas não tinha a consistência emocional para dar conta do que via, do que decodificava. Reduzido a si mesmo, via-se deformado, feio, pequeno. Ele tinha uma hipersensibilidade ao mundo que lhe fazia bastante mal. Como se ele vivesse um pouco o noticiário, o mundo como ele acontece. Era uma caixa de ressonância do mundo.

Isso significa que ele era mais afetado pelas grandes tragédias do mundo ou pelas pequenas misérias ao seu redor? 
Ele sofria com a brutalidade do mundo. Este era um tema caro para ele: sofria vendo as pessoas sendo humilhadas, sofria com a hierarquia. Ele tinha uma compreensão hiperbólica do mundo. Era como se para ele a escravidão não tivesse acabado no Brasil. Ele ficava imaginando como era a vida da empregada, do porteiro. Ele fica tentando imaginar como essa vida era e como eles cabiam nessa vida que ele achava pequena e estreita. E como sofriam por isso.

Ao mesmo tempo, ele é descrito por algumas pessoas do colégio como alguém que não se relacionava muito com os outros, alguém que se dava bem com todo mundo e ao mesmo tempo com ninguém, que vivia numa espécie de mundo próprio. 
Houve várias fases dele. Ele teve dois tratamentos comigo. O primeiro foi iniciado quando ele tinha 11 anos. Ele me procurou por uma certa fragilidade que tinha. Já tinha esse desencaixe, essa precocidade extraordinária. É difícil viver numa sala de aula quando você entende muito o que está acontecendo. Imagina se você fosse adulta e tivesse de voltar para o primeiro ano. Aqueles empurrões e cotoveladas, aquelas maldadezinhas. Ele estava sempre um pouco à frente do seu tempo e isso fazia diferença para os colegas dele. Ele ficou comigo dos 11 aos 13 anos na primeira vez. Fez progressos muito importantes e saiu bem. Nessa época ele se aproximou muito do pai e ficou mais extrovertido. Melhorou também na sala de aula, ficou mais popular, ganhou até um apelido, Pipoca. Eu tinha notícias esparsas dele e ele estava bem. Em 2004 foi um período ótimo, em 2005 não foi tão bom e ele retornou.

Desde quando você sabia que havia risco de suicídio e que tipo de providência foi tomada? 
Eu soube desde o começo. Ele disse na primeira vez que me procurou que havia pensado em se matar. Isso no segundo tratamento. Eu mantive isso comigo até sentir que a situação poderia escapar das minhas mãos. Então eu comuniquei aos pais. E nós combinamos que ele ficaria em internação domiciliar. Nesses casos sempre há alguém com o paciente, ele não fica sozinho em momento algum. Os pais já tinham desconfiança sobre isso, entenderam logo e passaram a não desgrudar dele. Mas enquanto a gente cuidava dele, tinha alguém que puxava ele para baixo. Aí entrou o fator extra, que nós desconhecíamos. Não sabíamos que ele tinha alguém que o incentivava a achar que a vida não vale a pena. Ele havia me dito que entrava na internet para ver formas de suicídio, a gente discutiu muito sobre os suicídios que estavam ocorrendo no Japão. Mas eu não sabia que ele discutia abertamente o valor da sua própria vida na internet.

Ele era depressivo? Usava algum tipo de medicação? 
Corso – Não usava. E eu não vejo razão para classificações aqui. Isso não é relevante para essa discussão ou para o público que está lendo a revista.

Por que ele dizia que queria se matar? 
Ele não falava que queria se matar. Ele falava que era impossível viver, que não se sentia com forças para viver, o que é um pouco diferente de ter vontade de morrer. Ele tinha uma vontade de desaparecer, de que algo cessasse a dor constante que ele sentia.

Há quanto tempo ele estava nessa internação domiciliar? 
Começou dois meses antes do suicídio.

Vocês sabiam que havia risco de suicídio, você e a família estavam cuidando dele, mas ao mesmo tempo havia um outro enredo se desenrolando a partir da internet, dentro de um mundo virtual. Como é isso? 
Este foi o erro, o engano. Subestimar o papel da internet. Eu uso a internet, mas eu não a habito, eu não moro dentro da internet. Tem gente que mora.

Ele morava dentro da internet? 
Ele habitava nela. Não vamos achar que a internet é uma coisa ruim a priori. Ele construiu a obra dele na internet, a troca de músicas que resultou no disco interessante que ele fez foi graças à internet. A internet pode ser extraordinariamente interessante, ela possibilita encontros que não estavam colocados antes. É o paraíso dos solitários, das pessoas tímidas. Tem proporcionado a construção de laços entre pessoas distantes. Agora, por outro lado, a internet possibilita também o contato de outro tipo de coisa que nunca aconteceria sem ela. A internet não criou nenhum tipo de doença mental, todas elas pré-existiam. Mas ela possibilita o incremento de certas morbidades por uma possibilidade de compartilhar e, a partir disso, criar uma identidade. Um exemplo é o que acontece com a anorexia, uma doença gravíssima, muitas meninas morrem disso. Antes da internet, uma não encontrava a outra. Com a internet o que elas conseguem? Trocam idéias sobre a anorexia não no sentido da auto-ajuda, mas da manutenção da patologia. E da glamourização dela. Encontram alguém que as apóia em permanecer nessa atitude doentia, a construir uma identidade a partir dela. Outro exemplo: imagina um sujeito pedófilo numa cidadezinha no interior onde provavelmente ele era o único pedófilo. Antes ele era uma aberração aos olhos da comunidade e dele mesmo. Na medida em que ele consegue compartilhar isso com outras pessoas na internet e descobre que há um monte de gente como ele, isso faz com que tenha coragem de se pensar enquanto grupo. Não como doente, mas como um estilo. A internet possibilita uma série de coisas extraordinárias, mas também uma série de coisas doentias.

E como isso funciona no caso do suicídio? 
A internet tem de tudo, mas ela ainda é muito fraca e medíocre no seu conteúdo. Com exceções, ela é muito tola, não tem profundidade para quase nada. Ela é o livro de areia que o (Jorge Luis) Borges imaginou, mas sem profundidade, onde uma página não tem nada a ver com a outra. Vale lembrar que, no conto, ele ficou horrorizado e abandonou o livro. É isso que não devemos fazer. Um dos problemas da internet é também que a nossa geração não está lá da mesma maneira, não tem uma geração anterior a que está na internet. Ainda não há uma tradição ali dentro, a internet é raramente habitada por pessoas com um pouco mais de maturidade. Os jovens estão muito sós nesse mundo virtual, meio entregues à própria sorte. Então, além de empobrecedor, o ambiente é também mais frágil e mais perigoso pela falta de adultos.

E o que podemos fazer? Nós vivemos numa espécie de esquina histórica. Os pais de hoje pertencem à geração que só conheceu a internet depois de adultos. Seus filhos habitam a internet desde a infância. Os pais vêem os filhos dentro do quarto, sentados, sozinhos, digitando no computador, e ficam tranqüilos porque não poderiam estar mais seguros: dentro de casa e sozinhos. Mas naquele momento os filhos estão no mundo, sujeito a pedófilos e perversos de todo o tipo, e sem pai nem mãe. Mesmo os pais que conhecem os riscos estão impotentes porque não dominam os códigos desse mundo virtual. Provavelmente quando essas crianças e adolescentes forem pais, esse gap geracional, pelo menos no sentido da internet, não vai mais existir. Mas hoje, agora, o que podemos fazer? 
Eu resolvi dar essa entrevista para que se comece uma discussão sobre isso. Não acredito em controle, acho que a internet é incontrolável. É algo como tentar proibir o papel. É inócuo, inútil, estúpido. Mas ela está aí e a gente vai ter de inventar formas para lidar com isso. Acho que o único jeito é a velha teoria de sempre. Se você quer cuidar de seus filhos, fique perto deles, tenha consciência do abismo que separa as gerações na forma de se relacionar com esse meio de comunicação. Procure dialogar com eles sobre o que ocorre também em seu mundo virtual. Para a nossa geração não está ocorrendo nada sério ali, mas para os mais jovens amores, destinos e até a vida e a morte podem estar sendo decididos na internet. Essa diferenciação entre o real e o virtual não é tão radical para eles. Há um portal em que eles transitam, lá onde nós somente vemos uma linha divisória, uma parede. É como a TV. A TV pode ser muito nefasta se ela for a única via de acesso ao conhecimento de uma criança. Mas se ela ficar diluída com a escola, com os pais, ela é um estímulo a mais. Quem vai ficar mais exposto à internet é quem tem menos laços reais com o mundo, quem constrói laços prioritariamente virtuais. O Vinícius estava num momento de muita fragilização com o mundo. Então ele se voltou para a internet. Embora ele também sofresse na internet, nos grupos de discussão. Não era uma vida fácil nem no mundo virtual. Mas a internet é um bom mundo para quem tem problemas com o corpo. O corpo não está ali, ali é só a palavra. Para quem é só corpo a internet não funciona.

Por que você acha que alguém faz um site de suicídio, com métodos para tirar a própria vida? É possível construir um perfil desse tipo de pessoa? 
É gente doente que exerce sua morbidez, seu sadismo. Eu acredito que deve ter algum grau de sinceridade nessa negatividade do mundo. O problema é que eles não sabem com quem estão falando. Não têm consciência da fragilidade das pessoas. Esse é o drama da internet. Acho que nenhum adulto conseguiria chegar para um adolescente e dizer, cara a cara: a vida não vale a pena, te mata. A internet tem um valor moderno importante que é a abolição das diferenças. Todo mundo tem o mesmo peso lá dentro. Então as opiniões mórbidas, idiotas, têm um peso muito grande também. Não há uma hierarquia de informação, vale tudo. Acho que estamos num período inicial da internet, que talvez seja o período mais pobre, onde você pode encontrar uma opinião séria ao lado de grandes besteiras. Para certos medíocres é um paraíso, porque lá é o único lugar em que sua voz é ouvida. Por exemplo, para cada site careta, mal escrito, falando que drogas trazem problemas, você encontra uma centena de depoimentos glamourizando as drogas. Ou seja: você perde de goleada. Talvez a questão seja entrar na internet para dizer o que achamos sobre algumas questões, com uma linguagem e um conteúdo consistente. Precisamos aprender a usar a internet, habitá-la. Talvez a gente tenha de andar nessas ruas escuras. Talvez este seja um movimento necessário. Talvez não dê para esperar pela geração seguinte. Talvez tenhamos de entrar para ajudar quem está lá. A nossa falta de saber técnico de entrar não desqualifica toda a outra sabedoria que a vida nos deu para sair destas ciladas mais banais que a internet coloca. Na verdade os discursos sobre estas coisas são muito bobos, são filosoficamente muito pobres. Você não encontra um (Albert) Camus falando sobre suicídio. Só encontra idiotas falando sobre suicídio. Aliás, a gente poderia perguntar para esses sujeitos: “já que a morte é tudo de bom, por que você não se mata antes?” Acho que essa pessoa faria bem menos falta ao mundo do que o Vinícius.

Você diz que subestimou o papel da internet. Mas sabendo o que sabe hoje, se tivesse um paciente exatamente igual ao Vinícius, o que você poderia fazer? 
Eu acho que um psicanalista, às vezes, tem de andar de mão com o paciente no inferno. Só que eu não sabia da totalidade desse inferno. Acho que se eu soubesse eu teria ido lá junto. Teria vivido nessa comunidade. Era preciso ter entrado, ou eu ou a família dele, nesses sites, nesses chats. Era preciso ter ido atrás dele. Nós achávamos que ele estava bem cuidado. Que naquele momento de crise mais aguda ele estava sob a nossa influência. Mas tinha um inimigo na trincheira que a gente não enxergou.

Esse tipo de pessoa manipula que tipo de sentimento num adolescente? 
De uma forma simplificada, banal e rasteira, a idéia de suicídio é uma idéia de negação do mundo. É fácil, portanto, tentar vender a idéia de aliar o suicídio a uma recusa radical do mundo. E essa recusa radical do mundo é em si um pouco simpática. Desse mundo que está aí fora, que não fui eu que fiz, eu não quero saber. Ele está todo errado. Eu recuso ele em bloco, eu vou-me embora. Dessa idéia inicial, que tem um aspecto até um pouco contestatório, interessante, para um passo mórbido, não há muita distância. É isso que começa a fascinar alguns jovens. E acontece num momento da vida em que para crescer é preciso sair do olhar dos pais. Além disso, não vivemos um bom momento civilizatório. Há uma geração que está se criando sem utopia e sem religiões. É complicado. As religiões dão razões para estar no mundo, critérios do modo correto de fazê-lo, embora o preço seja uma alienação muito grande. As utopias também. Mas a ausência delas pode ser bastante dura para um adolescente. Um adolescente se dá conta da sordidez e da dureza do mundo e praticamente não encontra muitas razões para entrar na arena. Uma psicanalista francesa, Françoise Dolto, falava da adolescência como “complexo da lagosta”, porque estes animais soltam a carapaça para poder crescer e secretar uma nova carapaça. Enquanto isso ocorre eles estão vulneráveis, desprotegidos. O adolescente é mais ou menos assim. Há um momento da vida que para poder crescer a gente perde as defesas momentaneamente até constituir novas. E é nesse momento de enorme vulnerabilidade que este “por que não se mata” é escutado como uma grande sugestão. O que é dito nesses sites é que vale a pena morrer. E o que nos mantêm vivos às vezes é mais tênue do que a gente imagina. O que nos mantêm vivos é uma rede de pessoas que dependem de nós e que a gente depende delas. Uma rede amorosa, afetiva, de compromisso. Essa rede de suicídio é uma outra rede, que diz que não precisa estar aqui. Ela faz um contraponto a este coletivo que diz “viva”. É um coletivo que diz “morra”. O Vinícius precisou de ajuda para se suicidar. E essa voz foi muito sedutora.

Você acha que ele gostaria desse CD lançado no mundo real? 
Eu tenho certeza. Ele tinha toda uma dinâmica de busca de reconhecimento e é isso que o CD significa. Postumamente ele conseguiu o lugar no mundo real pelo qual tanto brigava.

Ele deixou o CD como legado? 
Creio que esse mérito é dos pais dele. O CD não estava organizado. Eu mesmo tinha algumas músicas no meu computador. Foi o pai que organizou o CD e o fez com a ajuda de alguns amigos. Este CD é um re-encontro do pai dele com ele e acho bem corajoso o que ele está fazendo. A resposta mais comum nesses casos é a depressão e o apagamento, o esquecimento do filho. Eu vi tantos casos em que os filhos são cortados das fotos, como se nunca tivessem existido, como se estes pais nunca tivessem passado por isso. Acho que é uma atitude digna, corajosa, bem-vinda para o Vinícius, para os pais, para a música, para todo mundo.

Perder um paciente deve ser terrível. É uma sensação de fracasso? 
É uma sensação completa de fracasso, que coloca em xeque tudo o que a gente pensou e estudou. A gente segue falhando, mais do que gostaria, mais do que aprende a admitir. Então é mais uma derrota. Mas nem todas as derrotas são tão catastróficas como essa. E quando isso acontece a missão não terminou, porque temos que cuidar de quem ficou. A gente está arrasado, mas o jogo não acabou.

Como foi viver essa situação? 
Foi pior depois. Eu tenho um ar-condicionado no cérebro para questões de emergência. Depois é que vem o rebote. Eu tinha de suportar, eu tinha de ajudar os pais. Se eu estava arrasado, imagina como eles estavam. Eles também estavam destruídos, mas numa outra potência. Eu tenho uma filha da idade do Vinícius e consigo me colocar no lugar deles, consigo imaginar o tamanho do rombo que essa morte deve ter feito. E há um grau de responsabilidade nisso. Era eu que estava ali. E eu falhei.

Mas há um limite... 
Sim, há um limite, há uma onipotência. A gente não pode ganhar todas, curar todos. Mas era eu que estava lá quando a coisa não funcionou. E isso é duro. Se os pacientes não são um número, isso é muito duro. O Vinícius era um paciente diferente. Como ele era extraordinariamente inteligente, ele dizia coisas desconcertantes, que nem todas as pessoas conseguem nos dizer. Então fazia uma marca. Era um desafio analisar o Vinícius. Como é que você consegue passar o valor da vida para um sujeito muito inteligente, sem ser piegas? Eram discussões praticamente filosóficas sobre o valor da vida. Eu tenho saudades dele. Durante meses eu pensava no Vinícius todos os dias. Em algum momento do dia me vinha algo que ele tinha falado.

Em algum momento deu vontade de desistir de ser analista? 
Sim. E não só por causa dele. Um analista é um sujeito que tem de ter uma dose extra de resistência à frustração para suportar sua própria impotência. É muito difícil mudar as pessoas. Mesmo quando elas precisam desesperadamente disso.

E por que você nunca desistiu? 
Por que ainda não senti que inventaram algo melhor que a psicanálise. Tem aquela frase do (Winston) Churchill que eu gosto muito, em que ele diz que a democracia é a pior forma de governo excetuando todas as outras. Pois a psicanálise é a pior forma de terapia excetuando todas as outras. Se os nossos resultados são parcos, eles ainda são melhores que todos os outros, são mais humanos. A verdade é que a gente vive num estágio curioso da civilização. A gente tem conquistas tecnológicas extraordinárias, avanços, mas as ciências que cuidam do homem são muito precárias nas suas ferramentas de análise, de resolução de problemas no âmbito pessoal.

Mudou seu jeito de lidar com a internet? 
Mudou. Eu tenho tentado aprender com as minhas filhas e com meu genro a entrar mais, saber como é esse mundo e como ele funciona. Mudou muita coisa. Eu tenho de conviver com um buraco dentro de mim, como com qualquer perda que a gente tem. Os psicanalistas apanham bastante. E algumas cicatrizes são para sempre. 

 
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