Não quero que fiquem tristes com esta carta. Que adiantam, essas considerações? Eu, por mim, aceito tudo. Mas dôi-me o mal que o Fernando se fez. Às vezes, eu não acredito. Parece-me que estamos apenas à distância. Que ele chegará, logo mais. Mas eu o vi. E revolta-me estar viva, tendo-o visto assim. Ah! decididamente, não se morre de dor! Tive de vir para longe, com as crianças — pobrezinhas! Tomei um apartamento na praia, em Copacabana, onde se pode descansar um pouco entre a montanha e o mar. Estou sozinha com as pequenas, e uma amiga que me acompanhou em tudo isto. Mas sinto que necessito ficar ainda mais só. A solidão tem sobre mim um grande poder. Purifica-me. Exalta-me, interiormente.
Eu queria que ele ressuscitasse, para me explicar porque fez isto
(...) Estou com vontade de escrever agora um livrinho sobre a viagem'-'1. Talvez com um nome assim 'Lembrança-A A Raquel diz que gostava daquele "ar não se importa" do Fernando... Eu gostava do seu desinteresse por certas coisas; mas foi o "ar não se importa" que o matou. Ele viu a vida com uma simplicidade que ela não tem. Passou de leve pelos amigos, sem se dar conta. Dedicou-se aos que nunca o entenderam nem amaram, — apenas o aproveitaram. Por estes sacrificou muito. E nenhum deles agora me apareceu. Andou sempre um pouco longe da verdade -- porque a verdade tem uma aparência mentirosa, também. Teve tudo nas mãos. E não soube fazer nada com o que tinha. Eu queria que ele ressuscitasse, para me explicar porque fez isto. Porque eu o amei sobre todas as coisas, e não o entendi completamente, nem servi de nada. no único instante em que vale a pena servir a alguém.
Peço a V. V. todos que me desculpem esta carta imensa e triste... É como se estivesse conversando com v. v. todos, aqui perto. Escrevam-me quando puderem. Sobra outras coisas. Como antigamente. Façamos de conta que a vida é a mesma. Nem creio que venha a mudar. (...) Depois escreverei com mais vagar. Saudades a todos. Com a maior amizade,