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ENSAIO COM SIMULAÇÕES DE SUICÍDIO É CRITICADO

7/18/2013

As revistas de moda frequentemente abusam de temas polêmicos par ilustrarem seus ensaios fotográficos. Por mais que algumas fotos chamem a atenção para causas sociais importantes – como a marca italiana Benneton, que já foi alvo de críticas e elogios por com temas como desigualdade social, racismo e AIDS em seus ensaios – não se deve esquecer que o objetivo original de uma campanha publicitária de moda é vender roupas. Além disso, as marcas acabam vendendo também uma imagem a ser seguida, um padrão social e um estilo de vida, e a maioria dos consumidores acabam seguindo esses padrões inconscientemente. Seguem a “filosofia” da marca; e compram não só uma roupa, mas o que ela representa, achando que assim passará também a representar tal coisa.

Isso pode ser extremamente perigoso, pois os consumidores são muitas vezes influenciados a ter certos tipos de comportamento seguindo o que a marca propõe, sem realmente perceber se concordam ou não com isso. Um exemplo claro disso é a quantidade de meninas – e meninos também, em menor proporção – com distúrbios alimentares como anorexia e bulimia ter aumentado depois do padrão de beleza das modelos e atrizes ter passado a ser a magreza extrema. Muitas das modelos são bastante magras por um fator genético, mas, querendo copiar sua natureza, a maioria passou a apresentar obsessão por perder quilos – e isso foi passado para os jovens por ser considerado o certo dentro e o dentro do padrão.

E é por causa dessa grande influência que a mídia possui na formação de opinião, principalmente de jovens, que a edição americana da revista Vice foi tão criticada ao lançar o ensaio “Last Words”. A publicação simulava o momento de morte de importantes escritoras com algo em comum: todas tinham se suicidado. Amplamente criticado por blogs, leitores, organizações anti-suicidas e grupos em prol da saúde mental, as críticas acerca da publicação talvez tivessem sido menores se, junto com as fotos, fosse inserida ao menos uma nota sobre a autora, uma análise sobre sua obra ou qualquer outra coisa que no mínimo mostrasse um mínimo de consideração com sua contribuição literária. Ao contrário disso, o foco da legenda foi o inventário de roupas e a marca/estilista de cada, fazendo com que as fotos perdessem todo o seu teor poético e senso de homenagem que poderiam ter.

Cada foto possuía uma nota com o nome da escritora em referência, suas datas de nascimento e morte e o método suicida utilizado, além, é claro, dos créditos de moda pelo que cada modelo estava vestindo (“vestido Issa, óculos Morgenthal Frederics, sapatos Jenni Kayne”).

O real problema não é o conteúdo das fotos, e sim como ele foi abordado. Não se deve crucificar a revista Vice, apenas alertar que pequenos erros como esse cometidos pelos meios midiáticos podem acarretar em consequências trágicas. Se essas fotografias tivessem sido exibidas em exposições de arte, o impacto no público seria outro. Seriam apreciadas como imagens e avaliadas por sua composição e cor, além da poética. Inseridas em outro contexto, o das revistas de moda, a mensagem muda e acontece uma glamourização do suicídio, como sendo uma atitude que, sendo seguida, te faz estar “dentro dos padrões”, de comportamento e de beleza.

Após ter sido tão criticada pelos meios midiáticos, a Vice tirou o ensaio do ar com um pedido de desculpas a todos que se sentiram ofendidos. Foi publicado no site da Jezebel (leia a entrevista completa em inglês aqui http://jezebel.com/model-from-vice-suicide-shoot-speaks-i-was-uncomforta-514323121) uma entrevista com uma das modelos que participou das fotos acerca da opinião dela sobre o impacto causado pelo ensaio. Paige Morgan, 26, retratou a poeta Elise Cowen no momento de sua morte: caída no chão depois de pular de sete andares de altura. Morgan disse que não teve conhecimento da natureza do ensaio até chegar ao local, e que não sabia que as fotos apareceriam na revista sem nenhum tipo de referência ao trabalho das escritoras. Recebeu o convite com a descrição que o tema seria “escritoras que cometeram suicídio”, mas pensando que as fotos ilustrariam matérias sobre a vida delas, e não com foco na morte.

Questionada na entrevista sobre o porquê dela não ter desistido após saber qual seria a real intenção do projeto, Morgan disse que se sentiu desconfortável, mas que, como modelo, não tinha exatamente o direito de questionar nada. “A modelo é a pessoa com o menor poder nessas questões”, ela esclarece. “Infelizmente, eu sabia muito bem que não era meu trabalho perguntar ‘Bom, o que vocês vão fazer com isso?’ ou ‘Vocês vão colocar catalogar roupas nisso? Qual o nome do editorial?’. Se eles fossem me dar uma resposta, certamente seria: caia fora daqui. E a comunidade fashion, mesmo em Nova York, é muito pequena.  E daí eu seria tipo aquela menina ‘Ela é difícil, apareceu um dia e saiu sem completar o trabalho’”. Morgan ainda disse que se sentiu instigada com o fato de ter a vida toda lutado contra depressão, assim como a poeta Elise Cowen, que além disso viveu na mesma vizinhança que ela.  “E acho que pensei, bom, pelo menos eu sou alguém que sabia quem ela era, que entende onde ela estava. E como todos que também já passaram pela depressão sabem, não é algo que se cura verdadeiramente, você tenta controlar o melhor que conseguir mas isso nunca vai embora de verdade. E talvez no futuro, eu ainda possa ter paz com isso. Porque eu e ela provavelmente olhamos para exatamente a mesma vista fora de nossas janelas.”

Ela ainda completa dizendo que se soubesse do foco apenas nas roupas teria recusado o trabalho e que entende o porquê das pessoas terem ficado tão chateadas com o resultado:

O depoimento de Morgan foi algo que comprova: a revista Vice quase acertou em fazer um ensaio interessante tendo a chance de homenagear importantes escritoras e fazer conhecimento delas e de suas obras para seu público-alvo. Mas o foco no consumismo transformou tudo num erro feio. Suicídio e depressão não são glamourosos e devem ser tratados e considerados com a seriedade devastadora que possuem na vida de alguém, e não como uma atitude fashion.

Julia Tetzlaff Rosas
A partir do site LiteraTortura. Leia no original

Abaixo, as fotos publicadas no ensaio. Particularmente acho que elas possuem um potencial artístico enorme, infelizmente não aproveitado:








LIVRO ABORDA DOLOROSO CAMINHO DA DEPRESSÃO

7/10/2013

Lana Valentim. Foto: Divulgação
Em 2012, a jornalista e escritora Svetlana Valentim deu entrada em um pronto-socorro do Recife tomada pelo desespero. Com as pernas doloridas e inchadas, implorava para os médicos amputá-las. Hoje, ao olhar para trás, ela reconhece que os sintomas eram todos psicológicos, frutos de uma das várias crises depressivas sofridas ao longo da vida. Não por acaso, o último episódio veio à tona justamente quando Lana transformava as agruras do passado em bandeira contra as doenças sociais. O projeto começa a tomar corpo nesta terça-feira (28), com o lançamento de Caminhos de Lana - como venci a depressão (Carpe Diem, 200 páginas, R$ 35).

Por meio de textos escritos durante uma grave crise depressiva, a pernambucana revela as muitas facetas da doença e os caminhos possíveis para a cura. De um lado, estão poesias densas e obscuras, capazes de lançar luz sobre as dores, a falta de interação com o mundo e a impotência diante da enfermidade psíquica. Do outro, as crônicas caminham leves, serenas, e são quase didáticas ao encarar o problema como um desequilíbrio biológico que precisa ser tratado.

“Não escrevi pensando em fazer livro, e sim como uma maneira de interagir comigo mesma e com a vida. Quando estava em crise profunda, me isolava, não falava com ninguém, mal me alimentava. Perdi todo o contato com o mundo”, diz. Após a superação do problema, Lana Valentim decretou como missão de vida o combate aos males da alma. “Quero ajudar o máximo de pessoas que sofrem bastante e muitas vezes nem sabem qual o problema”.

Além da própria doença, Lana Valentim destaca o preconceito como outro vilão de relevância no contexto. Ela própria foi vítima, inclusive dentro de casa. “Você se transforma em um peso. Se antes era uma pessoa produtiva e de repente não tem mais condições de manter o ritmo, ninguém aceita ou entende. O preconceito parte da sociedade e dos amigos, que privilegiam os vitoriosos e se afastam de quem está mal. Isso é desumano”, critica a autora.

Simultaneamente ao lançamento no Recife, entra no ar o portal www.lenteinterior.com.br, para expandir ainda mais o debate acerca da temática. Em seguida, estão agendados eventos de divulgação em livrarias de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília e Salvador. Terminada a maratona, Lana vai lançar novamente o livro, desta vez no formato de história em quadrinhos. “O esforço é no sentido de alcançar todo mundo. Em HQ, teremos um apelo visual maior, e tornaremos a obra mais interessante”.

Ainda na agenda de divulgação do livro e da página na internet, estão palestras em escolas, abrigos e instuições para jovens infratores. “Quero falar também para adolescentes que desde cedo têm a alma machucada, massacrada. São abandonados pela família, cobrados pela sociedade, sofrem diante dos apelos consumistas… e acabam seguindo caminhos errados. Essas são vítimas da vida”. Todas as apresentações serão gravadas e disponibilizadas na internet.

A partir do Diário de Pernambuco. Leia no original

SAIBA MAIS
Outros livros que abordam o tema
  
Sociedade x a depressão (Letras do Pensamento, 184 páginas, R$ 29), Roberto Hristos Ioannou
Depressão e autoconhecimento (Dufaux, 235 páginas, R$ 42), de Wanderley Oliveira
Depressão - teoria e clínica (Artmed, 248 páginas, R$ 79), de Antônio Geraldo Da Silva
Vencendo a depressão (Nossa Cultura, 363 páginas, R$ 44,90), de Richard O'Connor

O SUICÍDIO: UMA DISCUSSÃO FILOSÓFICA

4/18/2013
Imagem por Mikamatto
A "Ilustríssima" (suplemento da 'Folha de S.Paulo') desta semana trouxe uma interessante entrevista com o psiquiatra José Manoel Bertolote, que acaba de lançar um livro sobre a prevenção do suicídio (veja aqui). Não há dúvida de que é preciso tomar medidas para reduzir as mortes autoinfligidas, que, na maioria dos casos, estão associadas a doenças mentais e são uma causa de óbito evitável. Como diz o ditado, "o suicídio é uma solução permanente para um problema temporário".

A crescente medicalização do fenômeno, entretanto, acabou tirando de foco o rico debate filosófico em torno da matéria, que, se não tem lá muita relevância prática, ainda é valioso para a história das ideias.

Na Antiguidade, temos Platão como um ferrenho opositor do suicídio e os estoicos no polo oposto, afirmando que ele sempre é uma opção quando nos vemos impedidos de gozar uma vida pujante.

O cristianismo, mais especificamente santo Agostinho e santo Tomás, porém, faz uma condenação radical da autoquíria, decretando que praticá-la constitui uma ofensa a Deus. Tal posição é majoritária, embora não unânime entre os filósofos mais ou menos até o século 18, quando passa a ser contestada por autores como David Hume e, em seguida, pelos românticos, pelos libertários e por alguns existencialistas.

Mesmo que não se comprem os argumentos pró-suicídio, eles contribuíram para secularizar a questão, diminuindo a carga que pesa contra os que tentam tirar a própria vida, e serviram para revogar medidas legais absurdas que existiam contra eles, como a possibilidade de ser preso e ter os bens confiscados.

É importante seguir com a discussão filosófica, abordando pontos que ainda causam controvérsia, como o direito ao suicídio assistido em caso de doenças incuráveis e até que ponto é legítimo tomar medidas coercitivas para evitar que alguém se mate, mesmo em situações que pareçam menos racionais que a anterior.
A partir da Folha de S.Paulo. Leia no original

VIAGEM SEM VOLTA - O SUICÍDIO E SUA PREVENÇÃO

4/17/2013
Médico psiquiatra lança manual de prevenção ao suicídio e ao comportamento suicida, que passa a figurar em compêndio de transtornos mentais. Ele comenta alguns dos muitos tabus que cercam o assunto, como a divulgação na imprensa, o luto duplicado, as frágeis estatísticas e a relação com doenças.

Imagem por Mikamatto
Prevista para este ano, a inclusão de uma categoria de comportamentos suicidas no novo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o chamado DSM 5, referência na área de saúde mental em todo o mundo, pode ajudar os médicos a quantificar melhor esse fenômeno, em especial as tentativas, cujas taxas podem ser 40 vezes mais altas do que as dos suicídios consumados.

Essa é a opinião do psiquiatra José Manoel Bertolote, que acaba de lançar "O Suicídio e sua Prevenção" [Unesp, 142 págs., R$ 18]. Ele afirma, em entrevista à Folha, que a depressão, o alcoolismo e a esquizofrenia são as três principais causas por trás das mortes autoinflingidas.

Estima-se hoje em 1 milhão o número anual de mortes por suicídio em todo o mundo. Isso o coloca como uma das "três principais causa de óbitos em determinadas faixas etárias de vários países e em várias regiões do globo", escreve Bertolote. No livro, o psiquiatra traça um histórico sobre o tema a respeito do qual já se debruçaram teólogos, juristas, filósofos, sociólogos entre outros, e analisa, sob o prisma da saúde pública, suas causas no Brasil e no mundo.

Bertolote, 65, trabalhou por quase 20 anos na OMS (Organização Mundial da Saúde), onde chefiou a equipe de transtornos mentais e neurológicos. Uma de suas atribuições nesse período era auxiliar países a elaborar políticas de prevenção de suicídio. Hoje, ele é professor voluntário na Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu, na qual se formou em 1971.

Durante a entrevista, Bertolote fez um pedido: gostaria que fosse incluído neste texto o número do telefone do Centro de Valorização da Vida, o CVV: 141.


Como o sr. vê a inclusão da categoria de comportamentos suicidas no novo manual de psiquiatria?

José Manoel Bertolote - Vejo com bons olhos. Hoje há boas estatísticas de mortes por suicídio para cerca de dois terços do mundo, mas não há um registro centralizado de tentativas de suicídio. Se uma pessoa ingere um veneno e vai parar no pronto-socorro, o caso é registrado como intoxicação; se ela corta os pulsos, lesão cortante. A intencionalidade acaba nunca sendo registrada.

A inclusão de uma categoria de comportamento suicida é bem-vinda, pois vai permitir dar uma visão melhor desse quadro. Estudos mostram que a taxa de tentativa de suicídios chega a ser 40 vezes mais alta que a taxa de suicídios consumados.

Como o suicídio se tornou um assunto da medicina?

Até cerca de três séculos atrás, o suicídio era basicamente um problema teológico. O catolicismo considerava o suicídio um pecado grave, o islamismo considera até hoje o pior pecado, pois é a destruição da obra divina. Havia também o interesse de filósofos e, na Inglaterra e em vários outros países, o suicídio era considerado uma morte indigna. O direito o tratava como um crime contra o Estado.

Foi a partir dos séculos 17 e 18 que médicos passaram a se interessar pela questão do suicídio e a considerar que o suicídio tinha uma relação estreita com a saúde, porque eles julgavam que todo suicídio era um ato de loucura. E isso foi ganhando adesão com o tempo. No século 20, consolidou-se a ideia de que o suicídio é um problema de saúde e, sobretudo, de saúde pública.

Há relação entre suicídio e doença?

O suicídio, em primeiro lugar, não é uma doença. Na perspectiva da saúde pública, é um fenômeno social de distribuição irregular na sociedade. Mas há estudos em todo o mundo que mostram que, por trás de grande parte das mortes por suicídio, existem doenças.

A maioria dessas doenças são mentais, mas há também uma grande associação entre suicídio e doenças incuráveis e dolorosas. A mortalidade de portadores de HIV por suicídio, por exemplo, caiu muito depois do advento do coquetel de drogas, quando ela deixou de ser essa doença mortal. As doenças mais associadas ao suicídio são a depressão, o alcoolismo e, um pouco atrás, a esquizofrenia.

Quais são os limites da prevenção do suicídio?

Não acredito que o suicídio possa ser erradicado, pois é um fenômeno humano que existe desde sempre. Há, por exemplo, uma porcentagem de suicídios por trás da qual, por mais se investigue, não se encontra uma doença ou causa clara.

Durkheim, em sua tipologia de suicídios, fala do suicídio altruísta [situação em que um indivíduo está tão conectado a sua comunidade, que abdica de sua individualidade, acreditando que sua morte pode trazer benefícios para a sociedade]. Como é que se vai prevenir isso? Não há o menor sentido. Não é disso que a prevenção do suicídio se ocupa. A prevenção se ocupa dos casos considerados evitáveis, porque decorrentes de um fator que poderia ser removido [como o alcoolismo].

Um dado importante e comprovado é que a maioria das pessoas que tentam o suicídio não quer morrer. São pessoas que querem mudar uma situação, escapar de um problema e, às vezes, a situação é tão tantalizante que a pessoa não enxerga outra saída. Há estudos com pessoas que fizeram uma tentativa de suicídio por um método muito letal e estão próximas de morrer. Elas são entrevistadas nesse momento. A imensa maioria fica desesperada quando percebe que vai morrer e que é irreversível.

A mídia deveria ter um papel nessa prevenção?

A mídia tem um grande papel na prevenção do suicídio. Há um mito de que não se pode tocar no assunto nos jornais. A imprensa pode ajudar ou atrapalhar de acordo com a forma que trata o assunto. Abordar o tema com sensacionalismo, promovendo o ato, explicando métodos etc. só atrapalha, já que sempre existe, em toda população, um certo número de indivíduos suscetíveis. Agora, abordar de uma maneira potencialmente educativa ajuda, sem dúvida.

O que o sr. acha de grupos como CVV e Samaritans [fundação inglesa aberta em 1953 dedicada à prevenção do suicídio]?

Eu já trabalhei com CVVs e Samaritans de vários países do mundo e tenho muita admiração pelo trabalho deles. Um ponto importante a ressaltar é que eles não fazem só a prevenção do suicídio; seu grande mérito é auxiliar uma pessoa em crise. Eles conseguem solucionar uma crise que talvez hoje não fosse suicida, mas que, pela falta de perspectiva, poderia evoluir para uma crise suicida. Penso que eles deveriam ser estimulados pelas autoridades sanitárias.

Como é o suicídio entre as populações indígenas?

As taxas de suicídios em populações indígenas são as mais altas em qualquer país do mundo, segundo estudos. Isso se explica com fatores sociológicos. Em geral populações indígenas são marginalizadas, pobres. Além disso, cada vez mais se identifica nessas populações indígenas o álcool como um fator desagregador, desestabilizador, causando conflitos e levando ao suicídio.

O álcool que havia em populações tradicionais indígenas brasileiras era o cauim, uma bebida de rituais, com baixo teor alcoólico; aí, de repente, eles pegam a cachaça, que tem um teor alcoólico altíssimo. E isso se agrava, pois as populações indígenas da América são de origem asiática, e é muito comum entre os asiáticos uma alteração genética que dificulta o metabolismo do álcool. Juntando todos os fatores, temos uma situação muito trágica numa população pequena de índios.

Pode-se falar de um luto diferente para os parentes de um suicida?

O luto de uma perda inesperada, sobretudo por uma forma inaceitável, é um luto mais complicado que o luto "normal". O suicídio sempre desperta nos que ficam no mínimo dois sentimentos: culpa e raiva. Isso causa um mal-estar tão grande que chega a ser um fator de risco de suicídio. São relativamente comuns suicídios em famílias em que um membro acaba de se suicidar.

Há um importante movimento internacional de sobreviventes, chamado Survivors, fundado por um casal americano que perdeu sua única filha pelo suicídio. Eles se aproximam de famílias em luto para conversar, compartilhar experiências. O resultado é o desenvolvimento de uma solidariedade intragrupal e o sentimento de solidariedade e responsabilidade pelos outros.

Entre 1980 e 2008 a taxa de suicídios de homens brasileiros quase dobrou. Quais são as possíveis explicações para isso?

Foi um aumento muito localizado, em jovens de 16 a 25 anos. O que vou dizer agora é mais uma impressão do que uma afirmação científica. Duas coisas que afetam particularmente esse grupo aconteceram nesse período: por um lado, houve uma explosão do número de usuários de drogas; por outro, houve a reforma psiquiátrica que fechou radicalmente o número de leitos psiquiátricos. Esses leitos foram fechados no momento em que o aumento dos usuários de drogas pedia um número maior. A sociedade nesse período também se tornou mais violenta. Na mesma época, houve aumento do número de homicídios, especialmente entre os jovens.

O que se sabe sobre as bases genéticas do suicídio?

Essa é uma área pobre de resultados. Eu, particularmente, acho muito improvável que alguém encontre o gene do suicídio. O que se sabe é que existem genes da violência. Nos indivíduos com alto risco de violência, isso pode se expressar como um suicídio dramático ou como um homicídio. Casos de pessoas que pegam uma arma, matam vários e depois se matam certamente envolvem pessoas extremamente violentas.

Uma grande dificuldade é que grande parte dos estudos genéticos é feito com gêmeos. Suicídio é um evento relativamente raro; encontrar gêmeos não é tão comum; e encontrar gêmeos nos quais um se matou e outro não é mais difícil ainda, o que torna as análises estatísticas muito pobres. O suicídio é uma coisa muito mais complexa do que pode ser expressada por um gene.

Como o sr. vê o direito ao suicídio?

Eu sou um pouco antiquado, acredito no juramento de Hipócrates, que diz que a tarefa principal do médico é preservar a vida. Claro que existem limites nos quais a preservação da vida não tem mais sentido. Filosoficamente, eu consigo entender alguém que, em plena posse de suas faculdades mentais, queira se matar; medicamente eu não tenho meios de justificar isso.

Vejo o direito ao suicídio com ressalvas, mas sempre fica a pergunta incômoda: quem sou eu para dizer a alguém aparentemente consciente dos seus atos e que quer se matar que ele não deveria fazer isso?
A partir da Folha de S.Paulo. Leia no original

FRASES :
"O suicídio, em primeiro lugar, não é uma doença. O suicídio, na perspectiva da saúde pública, é um fenômeno social que possui uma distribuição irregular na sociedade"

"A mortalidade de portadores de HIV por suicídio, por exemplo, caiu muito depois do advento do coquetel de drogas, quando ela deixou de ser essa doença mortal" 

"O suicídio desperta nos que ficam dois sentimentos: culpa e raiva. Chega a ser um risco. São comuns suicídios em famílias em que um membro acaba de se suicidar"

MÉDICOS ESPÍRITAS ABORDAM DEPRESSÃO EM LIVRO

3/24/2013

Três médicos da Associação Médico-Espírita de Minas Gerais,  publicaram pela AME-BRASIL o livro “Depressão: abordagem médico-espírita” (São Paulo: Associação Médico-Espírita do Brasil, 2ª. edição, 2006. 192 p.). Trata-se de uma coletânea de textos sobre o assunto. Sua abordagem baseia-se em revisões de literatura e publicações sobre o tema de duas fontes distintas: médica e espírita. O livro emprega uma linguagem direta e clara, porque é voltado ao grande público, apesar de tratar de alguns temas técnicos.

Roberto Lúcio (psiquiatra) apresenta o diagnóstico, uma diferenciação conceitual entre depressão, tristeza e melancolia, as alterações orgânicas e neurofisiológicas, a abordagem cognitiva e as diferentes abordagens terapêuticas, incluindo a espírita, que considera a obsessão, os passes, o auto conhecimento e as atividades sociais.

Jáider (psiquiatra) trata da depressão e da ética. Oswaldo Heli (cardiologista) faz uma dissertação breve sobre a associação entre depressão e doença cardíaca, e comenta muitos casos descritos pelo espírito André Luiz.

Há a intenção de se discutir alguns mitos correntes no movimento espírita, oriundos do senso comum. Eles envolvem um desconhecimento sobre a visão psiquiátrica da depressão, que vai do seu conceito às fantasias sobre o tratamento com medicamentos “tarja preta”. Eles defendem a articulação entre o tratamento médico e as propostas do movimento espírita, sem fazer apologia destas.

A experiência dos autores e seu domínio técnico fazem do livro uma referência importante ao movimento espírita, especialmente às atividades de orientação do público que procura os centros espíritas para encontrar alternativas para seus problemas pessoais.
A partir de Espiritismo Comentado. Leia no original

JORNALISTA SE AUTO-MUTILAVA E TENTOU SUICÍDIO

3/22/2013
A vida pode se tornar muito cruel ao ponto de acharmos ser insuportável continuar. A jornalista Emma Forrest passou por isso. No desespero, feria a si própria com gilete e tentou se matar. Mas seu destino era outro. Aos 22 anos, a jornalista, escritora e roteirista Emma parecia levar uma vida maravilhosa: havia deixado a casa dos pais em Londres, cidade onde foi criada, para morar em Nova York, tinha um contrato com o jornal britânico The Guardian e estava prestes a publicar seu primeiro livro.

Mas, por trás da aparência bem-sucedida, havia uma jovem com sérios problemas psiquiátricos, que se cortava com gilete, sofria de bulimia e era extremamente autodestrutiva. Em Sua voz dentro de mim, Emma apresenta suas memórias, sem medo de expor o lado mais escuro que guarda dentro de si.

O livro começa com a autora descrevendo sua obsessão pelo quadro Ofélia, de Millais, em exposição na Galeria Tate, em Londres. Aos 13 anos, Emma passava as tardes observando a pintura, que retrata a namorada suicida de Hamlet, personagem da obra de Shakespeare.

Conforme lista outras de suas peculiaridades, bem como alguns aspectos curiosos de sua família, Emma direciona os leitores para a conclusão a que ela mesma chegou quando morava em Nova York: havia cruzado a fronteira que separa os excêntricos dos maníaco-depressivos.

Ao chegar ao ponto em que não sentia quase nada, somente dor e tristeza, Emma começa a frequentar o consultório do psiquiatra a quem se refere como Dr. R. Ainda assim, após algumas sessões, ela tenta o suicídio e vai parar na emergência de um hospital.

Levada pela mãe para terminar de se tratar na Inglaterra, a autora continua a ver o Dr. R quando volta aos Estados Unidos. Durante oito anos, ela é paciente dele, que tem papel fundamental em sua recuperação.

Quando tudo parecia bem – as visitas ao Dr. R tinham se tornado esporádicas e ela achava que havia encontrado o amor de sua vida –, a notícia da morte do médico cai como uma bomba e pode ameaçar seu progresso.

Sua Voz Dentro de Mim também fala dos relacionamentos amorosos de Emma. Um deles, em especial, chama a atenção: o namoro com o ator Colin Farrell, cujo nome não é citado no livro. Ela se refere a ele como seu “Marido Cigano”, ou simplesmente MC, e revela que se trata de uma estrela do cinema. Os dois ficaram juntos durante cerca de um ano, viveram uma história intensa e chegaram a fazer planos de ter um filho, mas Farrell decidiu botar um ponto final no caso, tempos depois da morte do Dr. R.

Sem o psiquiatra para apoiá-la, Emma terá que reunir forças para superar sozinha mais essa perda.
Apesar de toda a dor e do mergulho profundo na depressão e na autodestruição que permeiam o livro, Emma Forrest consegue explorar a beleza do amor e falar de superação ao longo das páginas. De quebra, ela ainda faz refletir sobre a relação que temos com nós mesmos. Ainda neste ano, Sua Voz Dentro de Mim deve chegar às telas do cinema, com a atriz Emma Watson no papel de Emma e o ator Stanley Tucci como o Dr. R.
A partir do R7. Leia no original

NO FUNDO DO POÇO NÃO TEM MOLA

3/20/2013
Divulgação
“No Fundo do poço não tem mola” (Editora Letra Livre) é o quarto livro da carreira da autora sul-mato-grossense Theresa Hilcar. Nesta obra a autora trata da depressão como patologia e seus aspectos filosóficos e sociais. O livro teve investimento do FIC (Fundo de Investimentos Culturais). O lançamento será hoje,19 de março, na livraria Leparole, às 18h30.

O livro retrata um pouco do universo da autora, um conjunto de crônicas de uma mulher que assume sem pudores fazer parte das estatísticas cujos números apontam a existência de milhares de mulheres com a mesma patologia. A depressão, segundo a autora, é tratada sempre com reservas e no mais absoluto silêncio pela maioria das pessoas É quase um despir-se existencial, um diário que se torna público.

As crônicas de Theresa Hilcar escritas como exercício de exorcizar a dor, tem o mérito de quebrar este silêncio e trazer à superfície questões como preconceito e os estigmas impostos pela sociedade que obriga as pessoas a serem felizes o tempo todo. A tristeza, segundo a autora, é algo incômodo para quem não a compreende. Questionamentos mais profundos a respeito da vida e das suas vicissitudes são explorados na obra. Apesar de tratar da tristeza, o livro não é enfadonho, mas leva o leitor a se deliciar com um texto preciso e ao mesmo tempo reflexivo.

Theresa Hilcar
Os leitores serão quase cúmplices de Theresa Hilcar, conhecendo segredos quase inconfessáveis da jornalista. No prefácio escrito pela professora Maria Adélia Menegazzo ela escreve:”... Há, no entanto, um aspecto nestas crônicas que as torna memoráveis. Theresa Hilcar toca a poesia na medida em que impõe cadência às palavras e que, numa certa medida, obriga-se ao uso de frases curtas, sem excessos, com pouca adjetivação. Desta forma, provoca uma leitura quase que vertical de suas frases, como se fossem versos. Filtra, assim, pela razão, a emoção, o sentimento lírico. A crônica é tanto melhor, quanto mais explore este aspecto, quanto mais revista o cotidiano e suas circunstâncias deste repensar subjetivo e raro” tipifica Menegazzo.

A autora já publicou três livros “O outro lado do peito”, “Tereza toda terça” e “No trem da Vida”. A jornalista é cronista no Jornal Correio do Estado. Thereza Hilcar é membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
A partir de Midiamax. Leia no original

LIVRO FALA DO SUICÍDIO E SUA PREVENÇÃO

2/05/2013
A Editora Unesp acaba de lançar o livro "O Suicídio e sua Prevenção", de José Manoel Bortolote ( 142 págs., R$18,00), obra na qual o autor trata de algumas perguntas que ainda não tiveram resposta ao tratar sobre o tema. Afinal, o suicídio sempre existiu, mas continuará fazendo parte da experiência humana para sempre? O “direito” ao suicídio deveria ser assegurado? Ou, ao contrário, a sociedade deve se mobilizar cada vez mais para tentar evitar os comportamentos suicidas? Por trás de questões como estas existem dados alarmantes, que explicam porque o suicídio se tornou um problema de saúde pública: a taxa de ocorrências está em crescimento no mundo, que já contabiliza cerca de um milhão de suicídios por ano. Essas mortes trazem consequências sérias para cinco a dez milhões de “sobreviventes”, entre familiares e amigos, além de perdas econômicas expressivas.


Nesta obra, o médico José Manoel Bertolote, que recebeu o prêmio Ringel Service Award, da International Association for Suicide Prevention, órgão da Organização Mundial de Saúde (OMS), aborda o assunto de forma analítica e do ponto de vista da prevenção, a partir de uma perspectiva holística acerca das causas dos comportamentos suicidas. Ele resgata as formas como a humanidade interpretou o suicídio ao longo da história e integra essas visões, criando um paradigma biopsicossocial que agrega aspectos culturais e sua influência sobre os comportamentos suicidas em diferentes países.

Bertolote constata que as taxas de suicídio variam de país para país e são maiores ou menores conforme vários fatores, como a religião dominante e a disponibilidade de meios para que o suicida concretize seu objetivo – armas de fogo e pesticidas, por exemplo. Já a predisposição se relaciona a gênero (em geral há três a quatro suicidas homens para cada mulher), idade (o suicídio predomina entre os idosos, mas agora cresce entre os jovens), depressão, uso indevido de álcool, esquizofrenia.

O autor defende, assim, que é possível mapear as pessoas que estão passando por comportamentos suicidas, identificá-las e ajudá-las a superar a situação que poderia levá-las a dar fim às próprias vidas. Ele reproduz em parte e comenta os programas de prevenção ao suicídio criados recentemente pela Organização das Nações Unidas (ONU) e OMS, onde ele foi coordenadorda equipe de transtornos mentais e neurológicos. Adotados por vários países, inclusive o Brasil, mas ainda pouco assimilados, esses programas dirigem-se principalmente a profissionais da saúde, da educação e da mídia.
José Manoel Bertolote
Graduado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (Unesp), onde leciona, no Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria. Tem mestrado em Psiquiatra Social e Transcultural pela McGill University de Montreal, no Canadá, e foicoordenador da equipe de transtornos mentais e neurológicos na sede da Organização Mundial da Saúde, em Genebra. Recebeuo prêmio Ringel Service Award, International Association for Suicide Prevention, da OMS.

'FERIDAS DA ALMA' TRATA DAS ANGÚSTIAS HUMANAS

9/29/2012
A sociedade está em alerta. A cada ano aumenta o número de pessoas com alguma doença do grupo dos Transtornos do Humor. A depressão, por exemplo, é uma das doenças que mais incapacita pessoas no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior prevalência da doença no último ano, com 10,8% da população apresentando o distúrbio mental.  Já o transtorno Bipolar atinge cerca de seis milhões de pessoas no planeta.  

Diante dessas enfermidades que afetam drasticamente a sociedade, o Padre Reginaldo Manzotti, após ouvir relatos das angustias de milhares de pessoas, pesquisou muito sobre o tema. Apesar do aumento de casos no século XXI, ele descobriu que essas doenças não são males da modernidade. Elas vêm desde muito antes de Jesus Cristo, apenas não eram conhecidas com os nomes atuais.

Para alentar aqueles que sofrem desse mal, o padre, que reúne multidões, decidiu escrever o livro “Feridas da Alma”. A obra, que propõe uma reflexão sobre nossas angústias e afirma que para todos esses problemas há uma solução, foi lançado neste mês, em Curitiba (PR). No mais recente livro, Padre Reginaldo procura responder aos diversos questionamentos sempre com uma linguagem simples e otimista. “Quem já não sentiu os medos e dores da angustia, depressão e muitos males que afligem a nossa alma? O que nos mantém encurvados? O que tem sido um peso em nossos ombros e nos impede de termos uma posição de esperança e confiança? Qual é o impedimento para vivermos melhor? Essas são algumas das perguntas que tento desvendar”, explica. 

Ele acredita que não há inimigos para a fé. “A Palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo é atual e serve para todos nós. Ele nos diz: ‘mulher, homem, estás livre da tua doença. Eu te liberto da depressão. Eu te liberto da angustia. Eu te liberto desse jugo’”, completa o padre. 

Sobre Padre Reginaldo Manzotti

Uma figura religiosa de destaque no Brasil atualmente, o Padre Reginaldo Manzotti é natural de Paraíso do Norte, no interior paranaense. Nascido em 1969, foi ordenado sacerdote aos 25 anos. Atualmente, é pároco da Igreja Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba, e coordena a Associação Evangelizar é Preciso, que possui milhares de membros em todo o país. Já são 15 anos de sacerdócio em que, colocando-se como instrumento de Deus, o padre por suas palavras inspiradoras e seu carisma, atrai muitas pessoas . 

LIVRO TRAZ RELATO SOBRE SUICÍDIO DE SWEIG

7/27/2012
Foi lançado no Brasil o livro "Stefan e Lotte Zweig - Cartas da América", obra, organizada pelos historiadores Darién J.Davis e Oliver Marshall, e que reúne cartas que estavam sob a guarda de Eva Alberman, filha de Hannah e Manfred Altmann, irmão de Lotte. A correspondência, em boa parte direcionada aos pais de Eva, apresenta aspectos do cotidiano e da intimidade do casal e serve como crônica da decadência física e mental que os levaria à morte. O livro também traz, como pós-escrito, uma carta da poeta e diplomata chilena Gabriela Mistral sobre o suicídio do casal publicada em março de 1942 no jornal argentino "La Nación" e resgatada após décadas no esquecimento.

Outra obra lançada na onda das efemérides ligadas a Zweig é a história em quadrinhos "Les Derniers Jours de Stefan Zweig" (os últimos dias de Stefan Zweig), publicada na França em fevereiro e atualmente sendo analisada por editoras do Brasil. A HQ é uma adaptação do livro homônimo (e semificcional) escrito pelo francês Laurent Seksik.

* * * 
Veja abaixo a carta da poeta e diplomata chilena Gabriela Mistral sobre o suicídio do casal, publicada em março de 1942 no jornal argentino "La Nación" sobre o suicídio de Stefan Zweig.

Leia a íntegra da carta abaixo:


Eduardo Mallea:
Capa do livro "Les Derniers Jours de Stefan Zweig"

Seguem anexos comentários de alguns dias atrás, onde você encontrará um recado do nosso Stefan Zweig. Não podia enviá-los hoje, 24 de fevereiro, sem acrescentar algumas palavras sobre o terrível dia 23. Fui ao centro de Petrópolis às 11h30; meu ônibus deve ter passado pela casa de nosso amigo ao meio-dia: a essa hora ele e sua mulher agonizavam ali, sozinhos, sem que ninguém soubesse dessa agonia.

A empregada estava acostumada a que seus patrões dormissem até as 10; ela não estranhou, ao se aproximar da porta ao meio-dia, o fato de não ouvir "a respiração do senhor Zweig".

Somente às quatro horas a pobre mulher se atreveu a abrir a porta. Avisou à polícia; estava tão transtornada que, ao atender um arquiteto francês que foi visitar o casal, respondeu assim: "Sim, eles estão em casa, mas estão mortos."

A polícia chamou o presidente do PEN Clube, Dr. De Souza, a quem estava endereçada a carta do mestre para seus amigos e que talvez você já tenha lido.

O doutor foi comunicar pessoalmente a tragédia ao presidente --que ordenou que se fizessem as exéquias por conta do Estado-- e informou à imprensa do Rio. Nós soubemos da tragédia por um telefonema de M. Dominique Braga, às 21h. Eu já havia me recolhido para dormir e ouvi, sem entender, o seguinte diálogo: "Não consigo ouvi-lo, senhor Braga; fale mais alto. O telefone está muito ruim. Continuo sem ouvir nada. Não consigo lhe ouvir."

E depois: "Que coisa horrível!" E o choro não deixava Connie falar, e o mesmo acontecia com M. Braga. Achei que se tratava de um acidente de automóvel e pensei nos meus amigos de Petrópolis. Pensei em todos, menos neles. Porque eles levavam a vida mais calma do mundo, e a mais doce na aparência, e a mais linda de se ver.

Eu tinha tanto medo de saber, meu amigo, tinha tanto temor, que não queria perguntar. Connie subiu chorando como uma criança. Nós três aqui sentíamos mais do que simplesmente carinho, sentíamos ternura por esse homem simples como uma criança, tão terno na amizade que não sei como descrevê-lo, e era realmente adorável. Você sabe que nós nos víamos com muita frequência. Ai!

Só agora percebo que muito menos do que seria necessário para conhecer-lhes o segredo e poder ajudá-los, se fosse possível ajudá-los, meu Deus!

Viajamos para Petrópolis com uma sensação de sonâmbulos que fazem coisas absurdas: não podíamos aceitar que estavam mortos, e menos ainda que tivessem cometido suicídio. A pequena casa de colunas, no meio da colina, cuja porta sempre nos esperava subir lentamente as escadas, estava guardada pela polícia. Lá em cima encontramos o doutor De Souza e sua boa mulher, o presidente da Academia de Petrópolis, um grupo de judeus, o editor brasileiro de Zweig e os mais conhecidos representantes da imprensa nacional e estrangeira.

Nós continuávamos falando e ouvindo tudo isso como se fôssemos sonâmbulos. Finalmente entrei no quarto e lá fiquei não sei quanto tempo sem levantar a cabeça. Eu não podia nem queria ver. Em duas camas de solteiro juntas estavam o mestre, com sua bela cabeça alterada apenas pela palidez. A morte violenta não lhe deixou nenhum sinal de violência.

Dormia sem o seu eterno sorriso, mas com uma grande doçura e uma serenidade maior ainda. Parece que ele morreu antes dela. Sua mulher, que deve ter visto sua morte, protegia a cabeça dele com seu braço direito e seu rosto estava exatamente em cima do rosto dele. Ao ser separada do corpo do mestre, ela ficou com o braço e a mão retorcidos e rígidos, que terão de ser recolocados no lugar quando seu corpo for depositado no ataúde. O rosto dela estava muito parecido com o rosto dele. Não tem nada que apague de minha mente essa imagem.

Ele tinha 61; ela, 33. Ele sempre dizia: "Em anos, sou mais velho que seu pai." Ela soube acompanhá-lo, deixando para trás uma vida inteira.

Pensei durante muito tempo no seu gesto e no prodigioso enfraquecimento do veneno ou da angústia da última hora: quando o viu morto ao seu lado.

Mantenho toda a minha concepção cristã sobre o suicídio, meu amigo, mas acredito que essa crença não me proíbe de sentir a dor profunda do amor dessa mulher por um homem velho que amou com paixão e amizade.

Ela cuidava dele com tal zelo, que não o abandonava nem por dez minutos: do ar frio, do muito escrever, do muito andar --que era seu único vício-- do desalento: de tudo ela o protegia. Em meu país eu teria rogado para que fossem sepultados juntos, como os Berthelot. Zweig dormia já sem sonhos, aliviado para sempre do tempo e do mundo vergonhoso que lhe coube viver na velhice.

Minha surpresa e a de todos que compartilhávamos de sua amizade é imensa. Hoje posso apenas lhe contar sobre o nosso penúltimo encontro. Ele nos convidou para almoçar, junto com Hortensia Rio Branco, que estava em sua casa. Achei que estava um pouco abatido, mas de ânimo mais alegre que de costume. Informei-lhe sobre a vinda de Waldo Frank, anunciada em sua carta, e comentei sobre a minha proposta para que ele viesse para uma casa em Petrópolis, para fugir do calor. Então ambos [Stefan e Lotte] me responderam que compartilharíamos a visita de Frank, que poderia passar uns dias com eles e outros comigo. E assim ficamos combinados.

Contou sorridente que havia preparado um almoço austríaco completo, desde a sopa até a sobremesa. E ele o serviu com seu jeito lindo de ser, que nunca se sabia se era de uma pessoa muito velha ou de uma criança. Falou um pouco da Bélgica com doña Hortensia, que há muito residia naquele país. Depois do almoço fomos para a varanda, onde ele gostava de trabalhar, mas Stefan me deteve ao passar por sua mesa de trabalho, para ler uma linda carta de Martin du Gard, o novelista.

Lia e repetia frases e mais frases, fazendo-me sentir o perfeito, o belo estado de espírito dessa outra alma que sofria. Saímos para a varanda falando das pessoas que estavam vivendo sua tragédia particular sem perder um pingo de decoro e de elegância em sua conduta.

Então, ele me disse, olhando-me de uma forma especial e destacando bem as palavras: "É preciso que se faça um alerta sobre o perigo de se começar na América uma perseguição aos alemães; sei que há alguns sinais disso, o que me deixa muito alarmado." E eu o tranquilizei assegurando que não haveria, por parte dos nossos povos, inquisição, nem coisa parecida às orgias sangrentas da Europa.

E começamos uma longa conversa sobre o índio, o negro e o povo mestiço. Ouvi dele um elogio comovido reconhecendo os méritos dos missionários portugueses. Eu já havia tentado, antes dessa conversa, aguçar seu interesse pelos missionários do continente sul-americano como tema para um livro dele, e que isso poderia ajudar muito os nossos índios. Ele exaltou a bondade do negro, "que se identifica perfeitamente", disse ele, "com sua alegria".

Acrescentou belíssimas observações sobre o temperamento brasileiro, na piedade e no equilíbrio emocional. Depois de elogiar o povo, passou a elogiar a terra, e insistiu para caminharmos juntos pelos arredores de nossa cidade, e eu prometi fazê-lo. Ele achava que eu entendia muito de plantas, só porque me viu cultivar uma parte do jardim de minha casa. "Gabriela Mistral", me disse ele, "eu tenho um pedido que você precisa me conceder. Conversaremos melhor sobre isso caminhando pelo campo."

Faz uns dez dias que tudo isso aconteceu: tento recordar com mais detalhe a parte referente a Frank e a última parte, porque são dois compromissos assumidos por ele de livre e espontânea vontade. Tenho certeza que ele não estava me enganando --por que o faria?-- e de que não tinha ainda a intenção de se suicidar.

Pouco depois me telefonou para perguntar se eu iria a uma recepção oficial da Prefeitura (ou Gobernacíon) de Petrópolis, porque ele recebeu um convite, mas não tinha com quem ir. E lá fomos, e ele ficou à vontade, apesar de não apreciar muito a vida mundana.

Não acredito nessas conjeturas que alguns fazem sobre a situação econômica do mestre Zweig. Seu editor as desmentiu categoricamente ontem à noite, a dois passos do falecido. As grandes edições de suas obras lançadas pela maior editora ianque, mais alguns artigos solicitados por publicações norte-americanas, podiam garantir-lhe pelo menos alguns anos de um bem-estar modesto, mas suficiente.

Por outro lado, não se pode nem imaginar que tenha passado por um momento de desvario ou loucura: escritor mais sensato, mais senhor de sua alma, menos delirante (apesar de ter descrito o delírio como ninguém), talvez não se possa encontrar em nossa geração.

Eu penso, sem pretensão de adivinhar tudo, que as últimas notícias da guerra o deprimiram terrivelmente e, em especial, o começo da guerra no Caribe, o afundamento de navios sul-americanos. Ah! Ele já havia visto acontecer coisas demais com a guerra! Podemos acrescentar a última informação que recebeu: a dos acontecimentos no Uruguai.

Também isso se parecia muito com o que ele já havia visto acontecer na Europa, embora admiti-lo possa doer. Estava farto do horror, já não podia aguentar mais.

Meu amigo: sei o que as pessoas superficiais dirão para condená-lo --e até alguns estoicos--, que Zweig tinha uma dívida conosco, e que sua fuga da tragédia a que estamos submetidos foi uma grande fraqueza. E dirão muito mais. Lembrarão que ele não acreditava no sobrenatural e lembrarão talvez da famosa covardia israelita.

Eu prefiro aguardar sua autobiografia, escrita aqui mesmo na nossa Petrópolis, que ele amava tanto quanto eu. Porque não podemos nem imaginar o que esse homem vinha padecendo há uns sete anos, desde que o escritor alemão fiel à liberdade passou a ser um animal de caça. Sua sensibilidade superava a que ele mostrava em seus livros: era uma sensibilidade feminina no melhor sentido da palavra; poderíamos dizer "inefável".

Quando falávamos da guerra, eu observava em seu rosto, com todos os detalhes, seu coração em carne viva e ia medindo o que eu podia dizer, coisa que nunca me aconteceu antes com nenhum homem de letras.

E o problema não era que ele pudesse perder em algum momento seu rigoroso controle; era que os acontecimentos brutais, ou simplesmente penosos, não pareciam ser ouvidos, mas sentidos por ele no mesmo instante em que os escutava, se estampando em seu rosto uma tristeza sem limites que o envelhecia de imediato. (Você se lembra de seu aspecto juvenil; tudo isso desaparecia quando o assunto guerra entrava na conversação.)

Sua repugnância pela violência não era apenas verdadeira; era absoluta.

Ele se interessava por todos os povos e se havia apegado muitíssimo aos nossos. Esteve a ponto de mudar-se para o Chile, respondendo a um convite de Agustín Edwards; mas permaneceu no Brasil, país que homenageou com um livro exemplar sobre seu território, história e povo. Achou os Estados Unidos muito ásperos ou duros, não sei. Preferia o sul porque, afinal de contas, um homem de 60 anos precisa de um clima de muita doçura.

Sua melancolia mais visível era a perda da língua materna. Em sua primeira visita a esta casa ele me disse que nada no mundo poderia consolá-lo de não voltar a ouvir ao seu redor a língua de sua infância. "Esta", disse ele, "é a única perda irremediável."

Ele, naquele momento, esperava, com absoluta certeza, a derrota do hitlerismo; mas havia comprado uma casa na Inglaterra e, possivelmente, como muitos desterrados, acreditava que ao regressar carregaria com ele as feridas provocadas pelo ditador, além das feridas provocadas pelos pseudoamigos que traem ou consentem.

Seu equilíbrio para julgar a própria pátria pareceu-me completo; jamais proferiu uma injúria, nem mesmo uma palavra mais dura, sua contenção verbal fazia parte de sua fidalguia. (O seu tipo de nariz não era judeu; lembrava mais o do espanhol, inglês ou francês.)

Não conseguimos fazer nada por ele, além do fato de que nós três, nesta casa, o amávamos, porque era a coisa mais natural do mundo ter por ele não só admiração, mas também uma ternura profunda.

Ah! Que os religiosos não removam esses ossos de quem já fugiu duas vezes e que renunciem à tentação do julgamento superficial de um morto que deixa empobrecida toda a humanidade, e certamente os melhores. Nele havia o mel de Isaías, também a chama de São Paulo, e a ambrosia de Ruth.

Adeus. G. M.

QUEM FOI STEFAN ZWEIG

7/27/2012
"Antes de deixar a vida, de livre vontade e juízo perfeito, uma última obrigação se me impõe: agradecer do mais íntimo a este maravilhoso país, o Brasil, que propiciou a mim e à minha obra tão boa e hospitaleira guarida."
Retrato do escritor e poeta austríaco Stefan Zweig 
Foram precisos 70 anos para que o país voltasse a fazer jus aos agradecimentos que Stefan Zweig (1881-1942) deixou em sua carta de despedida: no domingo, dia 29, a casa em que o escritor austríaco passou seus últimos meses, em Petrópolis (RJ), será aberta ao público como museu.

A inauguração da Casa Stefan Zweig é o principal evento comemorativo de uma série de efemérides que se sucedem desde o ano passado: os 70 anos do clássico ufanista "Brasil, País do Futuro", os 130 anos do nascimento de Zweig e os 70 de seu suicídio ao lado da mulher, Lotte.

O projeto, orçado em R$ 1,2 milhão, foi bancado por amigos e admiradores do austríaco, um "bando de loucos", como define o jornalista Alberto Dines, biógrafo do escritor e presidente da casa. Ele diz ter recebido "suporte simbólico" dos governos austríaco e alemão e da Prefeitura de Petrópolis, mas nada do governo brasileiro. O único órgão que fez algo, segundo Dines, foi a TV Brasil (na qual ele apresenta o "Observatório da Imprensa"): um documentário sobre Zweig, que vai ao ar em setembro.

"A gente quer recuperar a memória dele, fazer com que a importância que ele tinha nos anos 1930 e 1940 seja reavaliada e mantida", diz. Dines lembra que o descaso oficial com a memória do escritor vem de longe: logo após sua morte, o cunhado de Zweig ofereceu ao Brasil "acervo de valor inestimável""Eram 560 volumes, todas as obras no original, além de manuscritos, anotações para futuros trabalhos, alguns móveis e objetos pessoais, fotos autografadas de seus amigos íntimos, como Freud, Toscanini, Strauss", afirma Dines. A oferta foi encaminhada ao Ministério da Justiça em 1943, "que não se mexeu, porque estava infestado de integralistas e não achou importante", diz o jornalista.

BANGALÔ COM VARANDA

Zweig, um dos escritores mais respeitados do período entreguerras, com uma produção que inclui ficção, biografias, ensaios e poemas, chegou ao Brasil em 1941, fugindo da ascensão nazista. Mudou-se com a mulher, Lotte, para uma casa apertada, que descreveu em carta como "pequeno bangalô com sua grande varanda coberta, que é nossa sala de estar"É esta casa, situada numa encosta íngreme, que o público vai poder conhecer. "Será um centro de memória baseado nesses princípios modernos de usar interatividade, materiais audiovisuais. Nós não temos grandes documentos, mas queremos trazer o clima, para as pessoas sentirem isso", diz Dines.

Como parte do "clima" a que se refere o jornalista, foi mantido o quarto em que o escritor se envenenou, ao lado da mulher. Nele, haverá apenas uma reprodução do texto de despedida, escrito em alemão, com título em português ("Declaração"). O presidente da casa destaca como peça mais importante a máscara mortuária de Zweig, feita por um escultor amador de Petrópolis. "Os herdeiros dele a doaram."

SUICÍDIOS : O FUTURO INTERROMPIDO

7/13/2012
Livro discute a realidade sombria dos que escolhem partir – e dos que são deixados para trás

Depois do suicídio do pai e da morte do irmão,
Paula Fontenelle decidiu investigar por que algumas
pessoas tiram a própria vida e escreveu o
livro Suicídio, O Futuro Interrompido:
Paula Fontenelle tem alguma experiência com suicídios. Seu pai se matou e seu irmão morreu num acidente de asa-delta, depois de um longo flerte com a auto-destruição. Matou-se também o irmão de um namorado. É uma cota bem maior do que a maioria de nós já teve de suportar. Como lidar com um peso desses? Como espantar os demônios da culpa e do medo? Para Paula, a resposta foi um livro: Suicídio, O Futuro Interrompido, lançado pela Geração Editorial. 

Escrito na primeira pessoa, o livro é um passeio pelas obsessões da autora. Ela mergulha fundo na própria biografia e na história familiar para (tentar) entender por que seu pai fez o que fez. Também vasculha, laboriosamente, a literatura médica, preocupada em descrever a construção do suicídio, seus sinais e as tendências apontadas pelas estatísticas. Entrevista médicos para compreender as doenças que acometem quem desiste (depressão, acima de todas) e coleta relatos tocantes dos que chegaram às portas do suicídio sem tê-lo consumado. Enfim, Paula cerca o tema por todos os lados com o objetivo declarado de aboli-lo. Se precisasse de outro título, o livro poderia chamar-se: Suicídio, como evitar. 

Há várias maneiras de olhar para o resultado desse trabalho. A primeira é a originalidade: escreve-se muito pouco sobre suicídio. O assunto é tabu bíblico e foi tornado ainda mais marginal por uma sociedade em que o sucesso e a felicidade são obrigatórios. Paula e seu livro nos lembram que as coisas não são assim. As pessoas sofrem e se matam em número cada vez maior, inclusive no Brasil, e é importante que saibamos disso. 

O segundo aspecto importante do livro é a desglamurização do suicídio. Ele não é romântico, não é bonito, não é nobre e raramente – talvez nunca –, representa uma opção filosófica ou existencial. Suicídio é sinônimo de doença, de falta de socorro, de solidão e desespero. Kurt Cobain e Virginia Wolf – dois suicidas famosos, dois grandes artistas – dão ao ato uma aura de legitimidade intelectual que ele não tem. Dos relatos de Paula emergem mentes confusas, cabeças mal pensantes, pessoas tornadas quase incomunicáveis pelas circunstâncias da vida ou por patologias mentais. 

Por fim, há os que ficam – e deles Paula fala com largueza e com generosidade. Parece haver em todo suicídio um componente de agressão que reverbera de forma duradoura na vida dos que estão ao redor. O livro relata o caso do rapaz que encerra uma discussão com a irmã, dirige-se à varanda do prédio e salta para a morte. A irmã ainda não se recuperou dessa brutalidade, talvez nunca se recupere. Essa dor é a grande herança dos suicidas. 

Voluntarioso e desigual, mas útil, imensamente útil, Suicídio, O Futuro Interrompido, não é uma leitura agradável e nem leve. De forma dura, abre o diálogo com milhares que pessoas que sofreram com essa tragédia ou vivem sob a sua ameaça. Servirá aos que tentam entender o que já ocorreu e aos que tentam evitar o que pode vir a ser. É um livro honesto e laborioso, sobre um tema gravíssimo, que não é romântico e nem elevado, apenas trágico. Talvez o livro ajude a chamar a atenção para a tragédia e reduzi-la.

A partir da Revista Época. Leia no original

PARALISADA, ELA VIVE NUMA CAMA HÁ 36 ANOS

4/26/2012

Em 1976, pouco antes de completar dois anos de idade, Eliana Zagui chegou ao Hospital das Clínicas de São Paulo. Vítima da poliomielite, ficou paralisada do pescoço para baixo e sobrevive com ajuda de um respirador artificial. Eliana Zagui vive internada na UTI desde que foi vítima de poliomielite. Em "Pulmão de Aço", Eliana reúne memórias de 36 anos vivendo em uma cama de hospital e conta como é a vida na "horizontal", como ela mesmo se refere.

"Quem vive numa cama não tem a mesma perspectiva das outras pessoas. Depois de tanto tempo deitados, não conseguimos mais ver o mundo na vertical. No meu caso, principalmente, a perspectiva é toda horizontal. Há anos, por problemas respiratórios, não posso mais usar nem travesseiro. Vejo o mundo de baixo para cima ou de lado. Não sei o que é olhar para baixo", conta no livro.

Paulo Machado, 43, com quem convive desde a infância, foi colocado em raras oportunidades no chão. Eliana conta que, quando ele ainda era um menino, o amigo queria saber se o solo era realmente duro e jogava objetos no solo, como se fosse um teste. "A experiência não aplacou sua curiosidade, e ele resolveu torná-la mais concreta: atirou-se no chão. Descobriu da maneira mais difícil que o chão era mesmo duro: duas pernas fraturadas e meses de imobilização."

O título da edição faz referência à máquina chamada "pulmão de aço", usada para exercer pressão negativa sobre o tórax e facilitar a respiração. No caso de Eliana, o tratamento não foi adequado, obrigando-a a usar o respirador artificial.

Abaixo, leia o depoimento de Eliana Zagui sobre a sua experiência no pulmão de aço. O trecho faz parte de seu livro de memórias.
*
Claro que não me recordo de quase nada de meus primeiros dias aqui no hospital. Mas tenho vagas lembranças de crianças dentro dessas geringonças. Lembro me também de espelhos colocados sobre nossas cabeças, presos aos pulmões de aço ou mesmo às cabeceiras de nossas camas. Não sei de quem foi a ideia, mas a achei genial. Por meio dos espelhos pude ver que não estava só. Ao meu lado, dezenas de outras crianças encontravam se na mesma situação.

Minha estreia no pulmão de aço durou cinco dias. A máquina era considerada muito eficiente. Ela revertia o quadro de insuficiência respiratória em quase 90% dos casos, diziam os médicos. Mas não foi capaz de solucionar o meu.

Mais de 60% de meus pulmões estavam definitivamente comprometidos. A pólio havia também paralisado completamente o diafragma e afetado a deglutição. Caso raro e grave. Nessas condições, a única alternativa era conectar o paciente a um respirador artificial. Ainda dentro da máquina, fui ligada por uma sonda nasal a um pequeno respirador mecânico conhecido como AGA.

Na verdade, AGA era a fabricante do aparelho. O equipamento é, de certa forma, rudimentar. Parece um quadradinho de ferro com um mecanismo dentro semelhante a uma panela de pressão. Não é mais utilizado.

Essa combinação - respirador e pulmão de aço - costumava funcionar, pelo menos de forma emergencial, em 99% dos casos de insuficiência respiratória grave. Não funcionou comigo. Restou me a alternativa de ser ligada, pela traqueostomia, a uma máquina de ar comprimido. Uso respirador artificial até hoje. 
Naquela época, das mais de cem crianças que chegavam aqui por mês com paralisia, apenas 1% precisou ser submetida ao procedimento. Ou seja, uma média de uma criança por mês. Era sempre uma coisa que os médicos tentavam evitar ao máximo. Dessas dezenas de meninos e meninas que foram traqueostomizados, quase ninguém sobreviveu.

*
"Pulmão de Aço"  -  Autor: Eliana Zagui
Editora: Belaletra   -  Páginas: 240
Quanto: R$ 31,00 (preço promocional*)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

A FELICIDADE NÃO ESTÁ NO OUTRO

4/20/2012
A vida é busca. De prazer e de sentido. Vivemos um surto hedonista. As pessoas consumindo por prazer. O mundo pós-moderno, embora já conectado em rede, é caracterizado, paradoxalmente, pelas experiências individuais. 

A doença do século 21 é a depressão (“o câncer é o suicídio das células”) porque as pessoas perderam a capacidade de sentir prazer ou se envergonham dela. Clarice Lispector que tem um livro fundamental “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” falando de alguém sofrendo da vida e de amor disse: “Não procure alguém que te complete. Complete a si mesmo e procure alguém que te transborde”

A tal felicidade não está no outro. Está dentro de nós. “Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Aquele que olha para fora sonha. Aquele que olha para dentro desperta”, disse Carl Gustav Jung. 

No entanto, é a busca de dar um sentido a vida que faz ela valer a pena. “A pedra tem mais sossego que a planta. A planta tem mais repouso que o réptil. O réptil é mais sonolento que o leopardo. O homem, este é pura insônia — trabalho futuro, vôo e flecha.” (Hélio Pellegrino, Minérios Domados). O sentido é quem pacifica a alma, eterniza. 

O prazer é uma canção de liberdade, mas não é a liberdade, que somente o sentido pode dar e, ainda, vencer a morte, a indesejada. Que o digam homens como Mandela, Gandhi e Luther King. Venceram os seus medos e foram livres. O tempo é a única coisa que existe no mundo igual para todos: 24 horas por dia para viver. 

A questão do tempo está interligada a necessidade de prazer, de viver o presente (Carpe Diem), de lutar contra a morte. Luxo é ser dono e usufruir o seu tempo. Todo homem é um tempo, um lugar e deveria ser uma causa. E no final da jornada é um regresso de onde partirmos: do ventre da mãe para o ventre da Terra. Dê sentido a sua vida, compartilhe os seus sonhos, seu viver, e faça disso um prazer.

A SUFOCANTE VIDA INTERIOR DE VIRGÍNIA WOOLF

3/16/2012
Virginia Woolf – A medida da vida (Cosac Naify, 584 pgs. R$77) não é uma biografia convencional. Concentrando-se nos últimos 10 anos da existência da escritora – da criação do ambicioso romance As Ondas até seu suicídio, em 1941 – Herbert Marder parece menos preocupado em reconstituir em minúcias a trajetória de Virginia – empreendimento, aliás, já realizado por outros autores, começando por Quentin Bell (sobrinho de Virginia) – que em realizar uma investigação psicológica de determinados temas recorrentes em sua vida e em sua obra. Dessa forma, a cronologia dos capítulos que se sucedem também se torna peculiar, como se fossem camadas nos quais Marder buscasse elementos e um núcleo comuns, expondo com cada vez mais intensidade a fragilidade emocional e a angústia essencial que se tornou uma segunda natureza para a autora de Orlando, Entre os atos e Ao farol.

Como pano de fundo histórico, Marder apresenta uma Inglaterra em crise, nos anos em que a Europa testemunhava a ascensão do totalitarismo e avançava inexoravelmente para a guerra. Contrastadas com essa atmosfera coletiva de crescente tensão e violência, as crises depressivas de Virginia ganham um sentido político, ainda que ela abominasse a política. Em seus diários, em mais de um momento ela demonstrou intuir a gravidade da situação com mais clareza que seus amigos intelectuais do grupo de Bloomsbury, sinal da crescente consciência social da escritora e de sua percepção do risco coletivo iminente. O seu colapso pessoal refletia o colapso do mundo em que ela vivia.

Virgínia Woolf em 1927
Virginia Woolf É com base principalmente nesses diários e na correspondência de Virginia que Marder sugere que seu suicídio foi ensaiado e simbolicamente encenado diversas vezes, ao longo daqueles anos. Reforçando a tese, olivro inclui um apêndice com cartas reveladoras, e desconhecidas até a publicação original da biografia, trocadas entre Virginia e Octavia Wilberforce, sua prima e médica. As cartas mostram também a obsessão de Virginia pelo trabalho: ela enxergava na escrita uma espécie de porto seguro de uma existência que carecia de alicerces emocionais e de sentido prático, assombrada pelo medo do fracasso e da loucura até os últimos dias, medo só atenuado pela dedicação dos amigos e do marido, Leonard.

Elegantemente escrito, com um estilo envolvente e sinuoso que em alguns momentos lembra a literatura de sua personagem – o que valoriza a tradução de Leonardo Fróes – A medida da vida é bem-sucedido em humanizar e mostrar as contradições e dificuldades da mulher Virginia Woolf, sobretudo sua incapacidade de administrar os sentimentos, seus problemas com os criados, seus recorrentes mergulhos na prostração e na impotência diante do mundo. Suas emoções parecem sempre mal graduadas, a ponto de ela se culpar por não sentir suficientemente a morte da mãe e de pessoas próximas, como Roger Fry e Dora Carrington, outra suicida, após viver um caso platônico com Virginia.

Desdenhando as convenções das narrativas jornalísticas, Herbert Marder – professor na Universidade de Illinois e autor de ensaios sobre feminismo e literatura – mergulha assim na sufocante vida interior de Virginia Woolf, investindo numa interpretação pessoal de suas motivações e idiossincrasias, seus impasses e angústias.

LEIA TAMBÉM:
Virginia Woolf de Alexandra Lemasson. L&PM, 192 pgs. R$16.

“Não quero ser célebre nem grande”, escreveu Virginia Woolf. “Quero avançar, mudar, abrir meu espírito e meus olhos, recusar ser rotulada e estereotipada. O que conta é liberar-se por si mesma, descobrir suas próprias dimensões, recusar os entraves.” Para Virginia (1882-1941), os livros eram o único refúgio, e a literatura a última salvação. Fundadora, ao lado do marido, de uma das mais influentes editoras britânicas do século XX, a Hogarth Press, Virginia viveu e escreveu atormentada por alucinações e por sucessivas crises depressivas. Em março de 1941, decidiu abreviar a vida deixando-se levar pelas águas.

 
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