Sinto muito deixá-los, assim, tão abruptamente. Ouço daqui suas rezas e vibrações. Continuem, pensamentos positivos só vão me fazer bem.
Tive uma vida conturbada, foi mesmo. Tive um pai que me impediu de curtir a infância. Ao perceber meu gosto (e talento) pela música, brilharam cifrões em sua mente. Obedecendo-o, assim como todos os meus irmãos, e sem capacidade de avaliar nada, eu tinha apenas 10 anos, não tive outra escolha. A religião também era uma coisa muito forte dentro de casa. E a estupidez de meu pai desnecessária.
Comecei a trabalhar dia e noite. Era gravação após gravação. Ensaio após ensaio. Eram 3 horas na sala de aula e 18 no estúdio. Entre uma pausa e outra, eu olhava pela janela e via um parque de diversões, onde eu daria tudo para estar. Um grito me tira da fantasia e me traz a realidade. Retorno ao trabalho. Mas eu não queria trabalhar. Queria brincar com meus amigos. E eu apanhava muito.
Fui crescendo nesse clima. Uma criança que quer ser criança, mas com obrigações de adulto. Aos 14 anos, já com um sucesso imenso, parti para a carreira solo. Aos 24, uma incrível sorte e um perfeito plano de marketing, me deixam no topo das paradas de sucesso, colocando-me como o cantor que mais vendeu discos da história da música mundial.
Sucesso, fama e dinheiro. Hoje percebo como esse trio é perigoso. Traz conforto, mas não alimenta a alma.
Com muito dinheiro e uma tendência ao desequilíbrio emocional, fui ousado. Mudei o rumo na vida de muitas pessoas. Apresentei-me em shows bilionários. Arrebatei multidões e corações. Conheci o mundo. As pessoas. Ah! As pessoas. Sempre rodeado de muita gente, produtores, maquiadores, cinegrafistas, repórteres... mas a alma continuava sozinha.
No palco eu me transformava. Encarnava um Deus, um ser superior, invencível, inalcançável e estranho. Sim, fui um cara estranho. Todos diziam, mas eu não me via assim. Meus problemas de pele provocaram polêmica em todo o mundo. Minhas plásticas faciais me deformaram. Meu vegetarianismo obrigou-me a ingerir comprimidos de vitamina. Fui chamado de louco e excêntrico. E com cada vez mais dinheiro.
Nos fundos de minha mansão, montei um parque de diversões, do mesmo jeito daquele que eu via pela janela do estúdio. Chamei-o de Neverland, ou “Terra do Nunca”, a mesma do Peter Pan, o menino que não queria crescer. Eu era um Peter Pan, em carne e osso. Reunia crianças em meu castelo e as deixava soltas, livres, nos brinquedos, exatamente como eu queria ter sido. Mas essas reuniões causaram-me problemas.
Aproveitadores de plantão, como existem em volta de todos que tem muita fama, perceberam que era hora de tirar uma “lasquinha” da minha fortuna. Acusaram-me de assédio sexual contra um garoto. Declarei que preferia “cortar meus pulsos” do que abusar de um inocente. Mas a mídia gostou do escândalo e o alimentou. Isso me prejudicou muito e me deixou cada vez mais fraco psicologicamente.
Para mudar o foco dos jornalistas, já que eu era a bola da vez, casei-me, aos 37 anos. Com Lisa Presley, filha do Rei do Rock. O Rei do Pop genro do Rei do Rock. Pronto, esse era o material para me deixarem em paz por um bom tempo.
A separação veio 19 meses depois. Eu era realmente um cara diferente. Depois, casei-me novamente, com Debbie, com quem tive meus 3 filhos. Porém, nunca moramos juntos. Eu tinha necessidade de ter herdeiros. Eu os cobria para protegê-los. Protegê-los da sociedade. Do mundo. Da maldade. Da inveja. De tudo que eu passei a vida inteira. Não queria o mesmo para eles. Que inocência, não? Acabei deixando-os tão estranhos quanto eu. E assustei o mundo ao balançar meu pequeno na janela do hotel. Não fiz por mal, eu só queria aparecer mais um pouco.
Enquanto isso, mais álbuns foram lançados, porém, nem todos com tanto sucesso. E mais gente querendo aproveitar-se de minha fama. Desta vez, confiei num repórter que passou meses ao meu lado, gravando meu dia-a-dia. Registrou, obviamente, um garoto dormindo em meu quarto, fato que era comum em casa. Sua alegria era tanta que fez seu tumor retroceder enquanto esteve ao meu lado. Só que a edição do documentário não foi bem assim. Mais uma acusação sem fundamento. Mais uma decepção. Mais um sofrimento. Mais um espetáculo midiático. Meu equilíbrio psicológico não era dos melhores, e o fato de eu ter que ir a julgamento, com algemas, acabou com minha já baixa auto-estima.
Passei dias, meses e anos recluso, longe dos holofotes e da maldade humana. Apesar do sucesso, me sentia cada vez mais um fracassado. Minhas dívidas aumentavam. Meu rosto envelhecia. Minha vaidade era atacada.
Mas eu poderia dar a volta por cima. Afinal, eu era o Rei do Pop. E meus filhos poderiam me ver, pela primeira vez, em cima dos palcos. Fechei 50 apresentações. Todos os ingressos vendidos. Que sucesso! Olha só, ainda tenho fãs, ainda sou admirado! Mas sentia que meu corpo não seguia o compasso da mente. Deixe-me enganar pela ilusão de que estava em plena forma. E por que não estaria com 50 anos? É uma idade jovem ainda.
Estaria saudável se eu tivesse respeitado os limites de meu corpo. Se eu tivesse me aceitado do jeito que vim ao mundo. Se eu tivesse permitido a aproximação de familiares que queriam me alertar sobre o fundo do poço. Se eu tivesse compreendido que uma câmera hiperbárica não me traria a juventude de volta. Se eu tivesse compreendido que existe um cara grande aqui em cima, em quem eu deveria ter acreditado.
E numa tarde de junho de 2009, esse mesmo cara grande me chamou. Entrei por uma porta especial, por onde só passam os bons de coração. Mas fui encaminhado a um hospital, onde passarei algum tempo em tratamento. Afinal, minha doença não era apenas do corpo, mas também do espírito.
Continuem rezando por mim. Amo vocês. Até um dia! ( M.J. )
Aviso : Este é um texto de ficção, elaborado pela jornalista Cristiane Tavares, da Rede Nova Brasil FM, em homenagem a Michael Jackson, em junho de 2009. Para escrever para autora, clique aqui.