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'SE DISSÉSSEMOS O QUE REALMENTE DESEJAMOS, TODOS SERÍAMOS LOUCOS'

3/29/2015
A realizadora austríaca fala sobre “Amor Louco”, o filme sobre um pacto de suicídio duplo que ganhou o grande prêmio do Lisbon Estoril Film Festival



O poeta Heinrich von Kleist procura companhia para o suicídio e acaba por encontrar Henriette Vogel, casada com um parceiro de negócios e a quem foi diagnosticada uma doença incurável. A história verídica ideal para que Jessica Hausner deitasse para o lixo o seu antigo argumento sobre um suicídio que corre mal e remexesse nos baús da Alemanha no início do século xix. “Amor Louco”, o filme da realizadora austríaca de 42 anos, estreou em Cannes o ano passado na secção “Un Certain Regard”, foi premiado no Lisbon & Estoril Film Festival e chega agora a Portugal. Num hotel em Lisboa, a realizadora fala ao i sobre loucura, suicídio e como tentou fazer um filme que fugisse aos clichés históricos.

De onde surgiu a ideia para um filme sobre um suicídio a dois?

O primeiro rascunho do argumento para este filme foi feito há muito tempo. Há uns dez anos, por aí. O plano inicial era contar a história de um suicídio duplo e lembro-me da primeira história que escrevi, a de um casal que tenta matar-se em conjunto mas que não consegue. Um deles morre antes do outro e o outro não morre de todo… Era qualquer coisa deste género, uma história sobre o falhanço do plano, passada nos dias de hoje.

Mas acabou por concentrar-se num episódio real e histórico.

Não gostava deste argumento porque era muito trágico e pesado. Então fiz outro filme [“Lourdes”, de 2009, que ganhou o prémio de Melhor Filme em Veneza] e só depois voltei a concentrar-me no suicídio. Foi nessa altura que encontrei um artigo sobre a morte de Heinrich von Kleist e Henriette Vogel.

O que a fascinou na história?

O facto de Kleist ter perguntado a várias pessoas se queriam morrer com ele. Primeiro perguntou ao melhor amigo, mas ele não estava interessado. Depois perguntou à prima, Marie, mas ela não queria morrer com ele. E só então encontrou Henriette Vogel, que pensava que ia morrer de qualquer forma por causa da doença que tinha e disse-lhe que sim.

Abandonou então o argumento antigo.

Sim, depois nem toquei no outro argumento. Comecei do início. Até porque gosto que seja uma coisa histórica, ajuda-me a ter alguma distância sobre os acontecimentos e a estudar tudo o que está à volta. Não gosto de contar só uma história individual, gosto de perceber o grupo ou a sociedade em que estas pessoas vivem. E aqui tenho distância em relação a 1800, posso ver como era a situação nessa altura, é por isso que o filme fala dos dois lados de um acontecimento, que é verdadeiro e falso ao mesmo tempo.

Leu muita coisa sobre a época e sobre a vida de Heinrich von Kleist ou preferiu ter a sua própria interpretação das coisas?

Não li muitas biografias de Kleist porque não queria influenciar a minha interpretação da história. Mas li muita correspondência dessa altura, muitos diários e cartas, artigos de jornal e ensaios filosóficos para aprender como era a linguagem. Também fui muito influenciada por pinturas. Por exemplo, por Vermeer mas também por pintores do Renascimento.

Já que fala em pinturas, o filme é mais colorido que os filmes da época a que estamos habituados. Foi propositado?

Quisemos ser rigorosos nos detalhes históricos, mas não quisemos que fosse um filme histórico clássico. O guarda-roupa, por exemplo, foi influenciado por detalhes de moda dos dias de hoje. Mesmo os filmes clássicos que tentam replicar o que aconteceu em determinada altura não conseguem ser rigorosos. Ninguém estava lá nessa altura. E a partir do momento em que se percebe isso há uma certa liberdade para seres diferente, por isso tentámos investigar detalhes e imagens que não são muito comuns. Na maior parte destes filmes sobre o início do século XIX na Alemanha vês cores como o preto, o branco, o castanho e o cinzento. E pensámos: porque não fazer o contrário, com cores? E o material está lá. Os tapetes, as cores, é tudo de 1800, por isso é tudo uma questão de liberdade de escolha.

Como é que têm sido as reações ao filme?

Na Alemanha as pessoas já conheciam a história porque o Kleich é muito conhecido. Estive a seguir as estreias em várias cidades por todo o mundo [a seguir a Lisboa estará na Coreia] e as reacções têm sido diferentes. Riem-se por causa da obsessão de Kleich pelo suicídio. Em geral gostam do humor, já que o filme não está escrito de uma maneira trágica.

É por isso que decidiu chamar-lhe uma “comédia romântica”?

Sim, é uma espécie de piada. Mas algumas pessoas ficaram chocadas com a ideia de que a Henriette ainda queria dizer alguma coisa [antes de Kleich a matar]. O que acho interessante é que as pessoas têm sempre muitas interpretações. Já tinha experimentado isso também com outros filmes meus, todos eles têm alguma ambiguidade e por isso há espectadores muito certos de uma coisa e outros que dizem o contrário.

O que lhes costuma dizer?

Digo que estão todos certos. O filme está aberto a várias interpretações e era isso que queria. É essa a razão principal para fazer filmes, para dar a conhecer esta abertura numa altura em que tentamos sempre arranjar títulos ou categorias para as coisas. Elas podem ser muito contraditórias.

Algumas pessoas acham que Kleist era doente mental. Qual é a sua interpretação?

Consigo percebê-lo muito bem. Acho que ele, de alguma forma, é louco. Mas todos nós o somos de alguma maneira. Uns escondem-no melhor que ele. Ele diz o que quer e isso é muito estranho. Mas, sinceramente, acho que se disséssemos o que realmente desejamos os resultados seriam incríveis. Todos nós seríamos loucos. Nós só nos adaptamos melhor ao que é esperado. Ele é um homem teimoso que não tem nenhuma incapacidade, por isso até o percebo e gosto dele.

E Henriette?

Ela é o oposto. É tão inconsciente de si própria e do que ela quer que se torna o oposto. Ela é levada a fazer alguma coisa [neste caso ao suicídio] mas ainda assim não é uma vítima.

Ganhou o prémio de Melhor Filme no Lisbon & Estoril Film Festival. Como reage a premiações como esta?

Não estive cá durante o festival, mas fico feliz quando os filmes que faço têm algum sucesso, até porque sou uma pessoa muito autocrítica e por isso é bom para mim.

A partir do Jornal I. Leia no original

UMA COMÉDIA QUE NÃO FAZ RIR

3/29/2015
Treze anos depois de escrever Febre no Estádio (1992), o britânico Nick Hornby assinou Um Grande Salto (2005), obra cuja estranha premissa acompanha uma passagem do ano e quatro estranhos que se dirigem ao Topper's House, o local mais popular para a prática do suicídio do Norte de Londres, para colocarem um fim nas suas vidas.
Depois de Alta Fidelidade (2000) e Era uma vez um Rapaz (2002), este Um Grande Salto chega aos cinemas sob a liderança de Pascal Chaumeil, cineasta francês que não tinha deixando grandes recordações após duas comédias românticas subaproveitadas: O Quebra Corações (2010) e Um Plano Perfeito (2012). Ainda não é com este filme que o realizador se redime nem larga a sua visão de cinema mais próxima do mundo da publicidade, mesmo havendo aqui um apelo tão universal e emocional que certamente atrairá o público habituado a cinema ligeiro e de consumo fácil, os curiosamente apelidados de "filmes de domingo à tarde".
Martin (Pierce Brosnan), Maureen (Toni Collette), Jess (Imogen Poots) e JJ (Aaron Paul) são quatro pessoas insatisfeitas com o rumo das suas vidas. Se uns querem regressar à ribalta, outros querem apenas ser notados. Também há quem queira apenas um pouco da paz. É no topo desse edifício que todos se vão confrontar e encontrar um novo rumo para as suas vidas, nem que seja darem uma nova oportunidade a si mesmos, pelo menos até ao dia dos namorados (14 de fevereiro).
Com um elenco recheado de nomes conhecidos,  Um Grande Salto perde logo alguns pontos em relação à obra literária em que se baseia, em particular no tom negro do humor, caindo paralelamente e por diversas vezes em arranjos demasiado simplistas e apressados, reviravoltas típicas de uma narrativa forçosamente leve, e um sentido de previsibilidade em doses extremas. Curiosamente, acaba por ser Brosnan e Collette que se destacam, ele como um apresentador famoso caído em desgraça e ela como uma mulher presa a uma vida onde pouco mais pode fazer que cuidar do filho.
Se procuram um filme ligeiro que entretenha e sirva como guião de auto-ajuda, então talvez esta seja uma boa opção, mas com um tema tão sério estranha-se que tantas neuroses sejam tratadas mais como caprichos do que assuntos verdadeiramente exasperantes capazes de levar alguém ao topo de um edifício. Chaumeil tinha aqui a hipótese de realmente dar um grande salto e estatelou-se no chão.
A partir de C7nema. Leia no original

FILME FRANCÊS TRATA COM LEVEZA A DEPRESSÃO

3/27/2015

Mais do que falar sobre a depressão, o diretor Pierre Salvadori (de “Uma Doce Mentira”, 2010), que assina também o roteiro, mostra a crueza de uma crise que envolve seus protagonistas em “Um Pátio de Paris”.

Ele desenvolveu personagens que vivem à deriva, cujas perspectivas lhes foram roubadas, não apenas pela doença em si, mas por recusa de seus círculos íntimos de entender o que realmente ocorre. O filme estreia em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.O primeiro, e o mais performático, é o músico Antoine (Gustave Kervern), que deixa carreira, esposa e literalmente o palco, para trabalhar como zelador de um condomínio parisiense. Afeito a bebidas e drogas (único meio que lhe permite dialogar com outras pessoas), vê ali uma oportunidade de se entregar aos poucos a um inevitável fim.

No entanto, lá conhece a aposentada septuagenária Mathilde (Catherine Deneuve), que começa, passo a passo, a perder a noção de realidade. Um trabalho, aliás, brilhante da atriz, que se entrega ao papel, mesmo perdendo sua aura de realeza francesa, como o fez em “Ela Vai” (em 2013). Tragicamente perdido em seus devaneios, seu marido Serge (Féodor Atkine) não percebe o gradativo estado depressivo ao qual ela se encaminha.

Como se a torta relação entre Antoine e Mathilde não bastasse, Salvadori ainda coloca no caminho Stéphane (Pio Marmaï), um ex-atleta, que vive enfurnado em seu apartamento consumindo heroína e outras drogas, saindo ocasionalmente para roubar bicicletas. O trio, aparentemente trivial, consome a si, tendo Antoine, que nunca consegue dizer não, como ponte.

Apoiado em seu elenco afinado, o diretor evita carregar demais nas dores de seus protagonistas, incluindo aí doses ocasionais de humor para abarcar de maneira leve o tema. Mesmo assim, não se trata de uma história de superação, mas sim uma bem-pensada, tecnicamente, forma de assimilação do que é a depressão, com estágios, sintomas e enfrentamentos muito diferentes.

Em determinado momento, Antoine (percebendo que há algo de errado com sua amiga) diz que precisa falar algo para ela, mas não sabe como. Na cena em que ela segura sua mão, entendendo a ele e a si mesma, Salvadori mostra uma sensibilidade social, tão marcante como a grandeza cênica, de quem pensa através de imagens e metáforas. É, enfim, um forte pensamento figurativo, comovente e, até, útil.

A partir do G1. Leia no original

NINGUÉM ME CONHECE DE VERDADE

3/26/2015
Ano passado eu fui demitida de dois bons empregos por causa do meu comportamento instável, nunca fui muito sociável e trabalhar em equipe pra mim é um grande sacrifício!

Logo depois de ser demitida do segundo emprego eu entrei num poço tão fundo que quando não tinha mais pra onde ir, comecei a cavar mais fundo ainda...

Desisti de tudo, dos meus poucos amigos, da faculdade, de arrumar outro emprego, de sair de casa...
Eu me acho a pessoa mais fracassada do planeta, quem perde dois empregos em 6 meses???

Sempre tive complexo de inferioridade e nunca acreditei em que eu tinha potencial, mas nunca tinha pensado em desistir, até o ano passado.

Eu pensei em tantas maneiras de acabar com minha vida, mas eu sofria por minha família... 

Eu sempre me mostro feliz e sorridente, aparentemente sou calma e tranquila, como se eu não tivesse problemas na vida... 

Ninguém me conhece de verdade.

Eu não deixo as pessoas se aproximarem pq tenho medo que elas me desprezem, me confundem com uma pessoa antipática e arrogante quando na verdade eu só não quero me expor e deixar os outros descobrirem que tipo de monstro eu me tornei.

Sempre fui tão vaidosa e feminina, mas me abandonei.

Não uso mais maquiagem, cortei meu cabelo, minhas unhas crescem sem nenhum cuidado...

Estou tentando dar agora uma revira volta em minha vida, sou carioca e moro no RJ, vou pra Bahia tentar me afastar de tudo isso e recomeçar, quem sabe encontrar o que me falta... 

Vou arrumar um outro emprego e me cuidar mais...

Essa é minha última chance, se não der certo, farei parecer um acidente.

A.M.
A partir da Comunidade QM

'EU TINHA UM CACHORRO PRETO. SEU NOME ERA DEPRESSÃO'

3/23/2015


"Depressão é frescura!"

Esta é uma afirmação totalmente distante da realidade. Entre outras "explicações" para a depressão, também são atribuídos a preguiça, corpo mole, e até "falta de pegar no batente". 

Nada poderia estar mais longe da verdade: a depressão é um dos grandes tópicos de atenção da Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo estatísticas constatadas pela OMS, a depressão é uma psicopatologia que aflige mais de 350 milhões de pessoas no mundo inteiro. Dessas, menos da metade recebe ou já recebeu alguma espécie de tratamento para a doença. Podemos imaginar que o preconceito de que "depressão é frescura" é em parte responsável pela ausência de tratamento de tantas pessoas em necessidade. De fato, a depressão tem tamanha importância e urgência de tratamento a ponto de projeções feitas pela OMS indicarem-na como a possível doença mais comum (entre todas as doenças existentes) a partir do ano de 2030. 

Existem vários tratamentos efetivos para a doença, sendo a psicoterapia um deles. Apenas assumir (para si próprio e para um outro alguém) a existência do problema e a necessidade de lidar com ele já pode iniciar um efeito transformador. Se você ou alguém próximo a você sofre de depressão, procure ajuda profissional. Esse pode ser o primeiro passo em direção a uma grande mudança.

FONTE: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs369/en/index.html

'ATENÇÃO PLENA' NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

3/18/2015

Aproveitar todos os momentos do dia a dia, dedicar a máxima atenção a cada atividade, guardar uns minutos para estar com os seus pensamentos... soa a autoajuda. Mas Mark Williams, investigador da Universidade de Oxford, apoia-se em estudos científicos que nos provam que o mindfulness não é só para místicos


Investigador e professor emérito de psicologia clínica na Universidade de Oxford, Mark Williams, 62 anos, é uma referência no estudo e aplicação de mindfulness, ou atenção plena. O método que desenvolveu foi incorporado pelo Sistema Nacional de Saúde britânico no tratamento e prevenção da depressão, diminuindo para metade o risco de recaída, em pacientes de alto risco. Começou por ser um cético, mas acabou por se render à técnica que compara a um exercício de ginásio - mas para a mente. Veio esta semana pela primeira vez a Portugal para lançar o seu livro Mindfulness e para dar uma conferência, tão concorrida como um concerto de pop rock, na Fundação Champalimaud. Atento e atencioso, conseguiu convencer uma cética a experimentar o seu método. "Afinal, são só oito semanas."

Afinal, o que significa mindfulness?
Significa ter consciência do que se passa, momento a momento. A maioria das pessoas está quase sempre em piloto automático, o que implica que estejamos muito stressados - logo, não estamos em controlo sobre o que acontece ao nosso corpo, à nossa mente e à nossa vida. Não fazemos pausas suficientes para descansar ao longo do dia, para refletir, para estar em sintonia com o tempo, com o que estamos a fazer ou com o que pretendíamos estar a fazer... Mindfulness é um treino que utiliza técnicas simples de meditação, que já são conhecidas e usadas há vários séculos, e que podem ser utilizadas num contexto secular para permitir que as pessoas aprendam a prestar atenção a cada momento, e que o façam intencionalmente. Estando em controlo, sem se autocensurarem ou sem se julgarem a si próprias - reações que por vezes nos motivam a não querer parar para pensar. É o contrário de mindlessness (mente vazia, falta de propósito ou significado). 

E como se aplica no dia a dia?
Quando se está em piloto automático, não sabemos a que sabe a comida, caminhamos sem reparar por onde andamos, ouvimos sem escutar, porque a mente está a divagar. Desperdiçamos momentos da nossa vida porque não estamos despertos. A palavra meditação significa "cultivar". Não cultivar um jardim ou um terreno, mas sim cultivar uma forma de estar presente, de estar acordado para todos os aspetos da vida. Enquanto estamos abstraídos a pensar, a planear, a recordar, é frequente que diferentes estados de espírito se aglutinem, agregando-se a tristeza, preocupação, ansiedade, sem sequer nos apercebermos. Ao meditarmos, passamos a estar conscientes da forma como nos sentimos e podemos reagir antes que seja demasiado tarde.

Passar a ferro é muito aborrecido. Qual o interesse em estar consciente deste ato?
O mindfulness dá-lhe uma escolha, não é uma obrigação. Se acha alguma coisa aborrecida, não tente ignorar essa sensação. Repare no que consiste. Pense como se fosse um detetive - e Portugal é famoso pelos seus exploradores que navegaram pelo mundo. Explore o seu corpo e a sua mente, dentro desse espírito de descoberta. Aborrecimento é uma noção muito interessante, costuma vir ligado a um ligeiro desconforto. Onde é que sente desconforto no seu corpo? 
Na minha mente...

Porque está desligada do seu corpo. A maioria de nós vive dentro da sua mente grande parte do tempo. Mas provavelmente vai haver alguma dor, alguma contração algures no corpo que reflete esse aborrecimento. Se mudar a atenção da sua mente para o seu corpo pode descobrir que há algo em que não tinha reparado antes. Através desse processo de curiosidade pode descobrir todo um tipo de padrões semelhantes entre o corpo e a mente, e da próxima vez que estiver aborrecida pode aceitar esse sentimento com mais compaixão. O aborrecimento pode levar a algo mais, como comer algo que não precisava de comer... Reconhecer estes sinais permite-lhe evitar fazer algum disparate. Ou seja, é um modo de estar presente, reconhecendo que até os estados de espírito que são desagradáveis, como o aborrecimento, são afinal compostos por várias camadas que merecem ser descortinadas.

É mais difícil para pessoas distraídas?
Fez-se uma pesquisa com alunos do primeiro ciclo e percebeu-se que as crianças menos atentas foram as que apresentaram melhores resultados. Então montamos um programa, adotado em escolas públicas, que começou com rapazes de 14 e 15 anos, e depois se estendeu. A dada altura do programa, enviavam mensagens de telemóvel uns aos outros a dizer "para e respira". O grupo meditava antes de dormir, seguia a técnica de pés no chão e rabo na cadeira, habituaram-se a fazer pausas ao longo do dia. Contaram-nos que usavam estas técnicas quando se sentiam assustados, quando os pais discutiam, antes de marcarem um penalty ou entrarem num palco. Os miúdos que se encontravam deprimidos, ansiosos ou preocupados passaram a sentir-se melhor. Também houve benefícios em quem não tinha nenhum problema especial. 

Em crianças mais novas, também resulta?
Há uma meditação que se chama Body Scan e que pratico com o meu neto, de 7 anos, quando ele não consegue dormir. Focamo-nos primeiro nos dedos do pé e vamos subindo pelo corpo. Geralmente adormece antes de chegar aos joelhos...

O mindfullness está muito associado aos fenômenos 'new age'. Não devia?
Sim, é verdade... Em 1992, quando comecei, era bastante cético. Pensava que era apenas para pessoas religiosas ou que viviam na Califórnia. Só que vi os seus efeitos em pessoas com dor física profunda, e que, através da meditação, conseguiam recuperar as suas vidas. ?A dor física não acabava, mas deixava de ser tudo. Então, adaptámos a técnica ao tratamento da depressão e hoje foi integrada no Sistema Nacional de Saúde britânico. Mas mindfulness é sobretudo prevenção, de ocorrência de novas crises depressivas. 

Vários estudos relacionam a meditação com uma série de benefícios, também ao nível do envelhecimento, ou da imunidade.

O estado que se alcança através da meditação pode ter impacto na nossa estrutura de ADN, nomeadamente nos genes que influenciam o envelhecimento ou o aparecimento de doenças como o cancro. Pessoas que meditam mais vezes e durante mais tempo registam mudanças permanentes no cérebro, ficam mais focadas, com uma memória melhor. ?O que acaba por ser do senso comum. Se aprendemos algo novo, como tocar um instrumento, o cérebro vai sofrer alterações. ?O mesmo acontece através da meditação.

O mindfulness surge como ponto de equilíbrio nesta era do multitasking?
Vivemos num estado de ameaça constante. Nas pessoas que estão sempre em múltiplas tarefas, a amígdala [estrutura cerebral ligada à resposta ao perigo] está cronicamente em estado de alerta - como se estivéssemos a ser perseguidos por um leão, o tempo todo. Por exemplo, se soletrar a palavra multitasking, demora uns 5 segundos. A palavra tem 12 letras, se contar até 12, demora cerca de 3 segundos. Ao todo, são 8 segundos. Agora tente alternar entre soletrar e contar. Veja se ainda demora 8 segundos. Não, demora muito mais. Chamo a isto o custo de alternar. Precisamos de aprender a fazer uma atividade de cada vez. Há técnicas que nos permitem realizar todas as tarefas, sem nos sobrecarregarmos deste modo. O mindfulness é uma dessas técnicas.

O que diz aos céticos?
Que tentem. Isto é como ir ao ginásio - parece fácil, mas afinal é complicado. Sobretudo conseguir que a pessoa não desista. Quando se começa a meditar, passado 30 segundos a mente dispersa-se. Muitas pessoas pensam que deveriam estar a limpar a mente e que estão a fazer algo de errado. Mas meditar não se trata de limpar a mente, mas sim de reconhecer os padrões da nossa mente, como esta opera. A maioria das pessoas não está atenta e segue erroneamente a sua mente, sendo absorvidas por aquilo que ela dita. Quando se medita, o processo simplifica-se - dá à sua mente apenas uma coisa para fazer. Por exemplo, foca-se apenas na respiração. Mais tarde ou mais cedo, as pessoas aprendem o que significa pensar. É como se tivéssemos um balão na mão, o deixássemos ir com o vento e o apanhássemos novamente. Peço às pessoas que sejam elas próprias cientistas e que experimentem, que tirem conclusões. São apenas 8 semanas, não tem nada a perder. 

O que fez o mindfulness por si?
Teria de perguntar à minha esposa e à minha família [risos]. O tempo, que parecia passar cada vez mais depressa, de repente abrandou. Passei a ter mais momentos no meu dia em que podia refletir se estava a fazer o que queria. Cheguei a um ponto em que digo a mim mesmo: Não tenho que fazer isto, não vou responder a este email agora. Essa capacidade de abrandar é muito importante.

A partir do site Visão. Leia no original


PROJETO QUER PREVENIR DEPRESSÃO PERINATAL

3/16/2015
Uma equipe de investigadores do Serviço de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), dirigido pelo professor António Ferreira de Macedo, acaba de obter um financiamento de 200 mil euros para aplicar um programa pioneiro a nível internacional, que visa minimizar o elevado impacto negativo da Depressão Perinatal (gravidez e pós-parto).

O Projeto “Rastreio, prevenção e intervenção precoce na depressão perinatal – Eficácia de um novo programa nos cuidados de saúde primários” é financiado pelo Programa Iniciativas de Saúde Pública, European Economic Area Grants (EEA-Grants), do Mecanismo Financeiro do Espaço Econômico Europeu 2009-2014, resultante do memorando de entendimento celebrado entre o Estado Português e os países doadores (Islândia, Liechtenstein e Noruega).

De uma forma genérica, o projeto, coordenado pela investigadora Ana Telma Pereira, consiste, numa primeira fase, na aplicação a uma vasta amostra representativa de mulheres portuguesas, recrutadas nos cuidados de saúde primários e maternidades das regiões de Coimbra e de Aveiro, de um novo teste preditivo de auto-resposta intitulado “Rastreio e Prevenção da Depressão Perinatal”.

Desenvolvido de raiz na Universidade de Coimbra, pela equipa do Serviço de Psicologia Médica, o teste avalia sintomas e fatores de risco, permitindo prever quais as mulheres com maior probabilidade de ter depressão durante a gravidez e no período pós-parto.

Paralelamente, a equipe vai realizar ensaios clínicos (aos níveis da prevenção e intervenção precoce), por forma a validar a eficácia do programa de rastreio.

Ana Telma Pereira explica que o grande objetivo da investigação, que dá continuidade ao trabalho científico desenvolvido na última década pelo Serviço de Psicologia Médica da FMUC, e do qual resultaram muitas publicações e apresentações internacionais, é «continuar a contribuir para a minimização do elevado impacto negativo da Depressão Perinatal. Note-se que apesar da Depressão Perinatal ser um problema de saúde pública prevenível e tratável, sem programas de rastreio menos de 10% das mulheres afetadas recebem tratamento».

«Todas as mulheres no período perinatal poderão, potencialmente, beneficiar com esta intervenção, pois a todas será dada a oportunidade de serem avaliadas quanto à presença de sintomas de depressão perinatal e fatores de risco associados. Todas aquelas que mantenham ou a quem seja diagnosticada a patologia serão encaminhadas para consulta externa de psiquiatria, para avaliação e tratamento especializado por membros da equipa de investigação, no Centro de Responsabilidade Integrada de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra», conclui a investigadora.


A partir de Sul Informação. Leia no original
 
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